Lembretes coloridos: minha dica para organizar o período de transição da reforma tributária - Claudia Marchetti da Silva*
No artigo do mês de agosto, meu objetivo foi alertá-los sobre a aproximação da Reforma Tributária e destacar a necessidade de nos prepararmos. A partir de agora, seguiremos juntos nessa travessia.
Nos próximos meses, continuarei a tratar do tema, sempre ressaltando os pontos que merecem maior atenção, de forma a colaborar com a construção coletiva de conhecimento. Neste mês, porém, o formato será diferente: em vez de um texto corrido, apresento uma série de lembretes - como aqueles papéis autocolantes coloridos pregados numa lousa - para organizar as ideias e facilitar a compreensão desse complexo período de transição.
1) Contexto: dois mundos convivendo até 2033 A migração do velho para o novo sistema do consumo é gradual até 2033, com convivência entre PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI e os novatos CBS e IBS. O caminho inclui regras de compensação e ajustes de sistemas. Preparar-se cedo evita perda de créditos, riscos jurídicos e ruído em contratos longos.
2) Cronograma para deixar fixado na frente da sua mesa de trabalho. - 2025 - Regulamentação de IBS/CBS e notas técnicas para adaptar documentos fiscais. - 2026 - Uso opcional de CBS e IBS; quem cumprir as obrigações acessórias fica dispensado da "alíquota-teste". - 2027-2028 - CBS em vigência plena, com redução gradual de alíquotas; crédito presumido sobre estoques em 01/01/2027. - 2029-2032 - Transição escalonada de ICMS/ISS para o IBS (10% ao ano até 40%). - 2033 - Substituição integral: IBS e CBS assumem; tributos antigos se despedem.
Moral da história: não é "virar a chave", é dirigir câmbio automático e manual ao mesmo tempo por alguns anos. Vá com cuidado.
3) Créditos na transição: o que fazer? 3.1 PIS/Cofins - crédito presumido do estoque (01/01/2027) - Quem entra: bens novos para revenda ou produção, adquiridos no país ou importados, sujeitos à vedação parcial de crédito. - Quem fica de fora: produtos com alíquota zero, isenção, suspensão ou não incidência de PIS/Cofins. - Como apura: o Executivo vai disciplinar a verificação do estoque em 01/01/2027. Para bens nacionais, o crédito é 9,25% do valor do estoque. Para importados, vale o PIS-Importação + Cofins-Importação efetivamente pagos. - Quando: apurar e apropriar até 30/06/2027; usar em 12 parcelas mensais a partir do período seguinte. - Para compensar o quê: apenas a CBS (não compensa outros tributos) - e com preferência frente a outros créditos de CBS. - Devoluções: bens devolvidos a partir de 01/01/2027 (de vendas anteriores) geram crédito de CBS.
3.2 ICMS - saldos credores e o "novo endereço" do aproveitamento - Saldos ao fim de 2032: serão aproveitados; precisam ser homologados pelo Estado/DF e admitidos pela legislação vigente em 31/12/2032. Estados/DF informarão os saldos ao Comitê Gestor do IBS. A compensação se dará com o imposto do art. 156-A da CF (IBS). A partir de 2033, atualização pelo IPCA. Lei complementar tratará de parcelamento, transferência a terceiros e ressarcimento.
PLP 108/2024 (em tramitação) - "manual de uso" dos créditos de ICMS - Protocolo: pedir homologação de créditos (entradas de mercadorias em geral) em até 5 anos a partir de 01/01/2033. O Estado/DF tem 12 meses para responder (prorrogável); silêncio = homologação tácita. - Destinos do crédito 1. Compensar ICMS (se houver concordância do Estado/DF). 2. Compensar IBS devido (com prazos distintos para ativo permanente e demais créditos). 3. Transação com créditos inscritos em dívida ativa. 4. Transferir a terceiros (uso exclusivo para compensação). 5. Ressarcimento em espécie pelo CG-IBS, se a compensação não acontecer (ou alternativa à transferência): 240 parcelas mensais, iguais e sucessivas. Regra de ouro: prioridade é compensar. A partir de 2034, Estados/DF podem antecipar parcelas se a arrecadação do IBS crescer.
Tradução prática: faça o "raio-X" dos créditos de ICMS ainda em 2025-2026, classifique por origem e elegibilidade e prepare a trilha de homologação/compensação para não deixar dinheiro parado em 2033.
4) Bens de capital e revenda de usados: regras cirúrgicas Usados adquiridos até 31/12/2032 (máquinas, veículos, equipamentos): exigem documento fiscal idôneo e permanência no ativo imobilizado do vendedor por mais de 12 meses. - IBS: a partir de 01/01/2029, alíquota zero sobre a parcela da base que seja ≤ ao valor líquido de aquisição × fator (o fator varia conforme ano de aquisição). O que exceder esse montante sofre alíquota normal. - CBS/IBS na revenda de usados: - Comprados até 31/12/2026, sem direito a crédito de PIS/Cofins: CBS zero na parcela até o valor líquido de aquisição. - Comprados a partir de 01/01/2027 com alíquota zero na aquisição: CBS zero na revenda na mesma parcela beneficiada; IBS zero na parcela que também tenha sido beneficiada na aquisição. O restante segue alíquota normal.
Essas regras evitam dupla tributação na cadeia de usados, mas exigem memória de formação de preço.
5) Fatos geradores: quando velho e novo se cruzam - Até 31/12/2025: se a mesma situação for fato gerador de PIS/Cofins (até 2025) e de CBS (a partir de 2026), não se exige CBS; valem PIS/Cofins (inclusive importação). Exceção: quem optar por regimes opcionais de CBS previstos em LC. - Operações até 31/12/2026 com regime de caixa para PIS/Cofins: o fato gerador é na competência, mas a exigência de PIS/Cofins ocorre no recebimento, ainda que após a extinção das contribuições. - 2029-2032: se a mesma operação virar fato gerador de ICMS/ISS e IBS em anos diferentes, prevalece a legislação do primeiro ano para ICMS/ISS. Se até 31/12/2032 não se aperfeiçoou o elemento temporal de ICMS/ISS, não incidem esses impostos; deve-se apenas o IBS. O remanescente do IBS é apurado pela legislação de 01/01/2033.
Na virada 2032/2033, o relógio passa a ser do IBS.
6) Contratos & operações: onde "o bicho" costuma pegar - Revisar contratos longos: atenção a split payment, antecipação de receitas e cláusulas de reajuste tributário. - Ajustar documentação e sistemas: NFe/CTe, cadastros, regras de crédito, ERP parametrizado para CBS/IBS, e reprecificação de vendas & compras. - Setores sensíveis: plataformas digitais, agências de intermediação e serviços recorrentes pedem manual próprio.
7) Riscos jurídicos: litígios a vista O potencial de disputa é alto em crédito presumido, homologação de ICMS, contratos em curso e regras de transição. Faça mapeamento de riscos, provas documentais e organização de registros desde já. Isso é o seguro-viagem do período.
8) O lembrete final (em formato de check-list) 1. Comitê de Transição (compras, fiscal, contábil, jurídico, TI, pricing). 2. Cronograma interno alinhado às fases 2025 → 2033. 3. Inventário de estoque 01/01/2027 e trilha de crédito presumido (9,25%) + calendário de apropriação/12 parcelas. 4. Mapa de saldos de ICMS (origem, elegibilidade, documentação) e plano de homologação/compensação/transferência (PLP 108/2024). 5. Política para usados e bens de capital (documento idôneo, 12+ meses, memória do valor líquido de aquisição e regras de alíquota zero na parcela). 6. Revisão contratual (split, reajuste, antecipações) + parametrização do ERP + precificação. 7. Dossiê de riscos e evidências (provas, controles, trilhas de auditoria). 8. Treinamento contínuo: transição não é só contábil, é cultura organizacional - equipe de acompanhamento, revisão de rotinas e monitoramento constante das regras.
Ao final, a transição é menos um parêntese e mais o próprio enredo: quem tratar este período com o cuidado devido, atravessará a turbulência.
*Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais".