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A regulamentação do IBS/CBS e a compatibilização com o princípio da capacidade contributiva - Claudia Marchetti da Silva*

O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição de Bens e Serviços (CBS), cujo Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 foi encaminhado ao Congresso Nacional em 24 de abril, são caracterizados como tributos proporcionais com um alto grau de regressividade. Isso significa que se aplica a mesma alíquota a todos os contribuintes, sem considerar a diferença de renda ou patrimônio. Diferentemente, o tributo progressivo possui um significado elementar: caracteriza-se pelo fato da alíquota incidente, efetivamente paga pelos diferentes grupos sociais, ser tão mais significativa quanto mais elevado for o rendimento ou o patrimônio¹.

Uma maneira alternativa de compreender a capacidade contributiva é discutida por Murphy e Nagel. Argumenta-se que indivíduos mais ricos podem ser considerados mais aptos a arcar com impostos do que aqueles de menor renda, seja devido à diminuição do valor marginal do dinheiro - a pessoa rica, pode contribuir mais do que uma pessoa pobre sem sofrer uma perda em termos de bem-estar - ou à sua capacidade de suportar um sacrifício maior - a pessoa rica pode ser considerada capaz de contribuir mais, porque mesmo que sustente um sacrifício real maior, ainda lhe restará dinheiro. Ou seja, ela ainda terá, de alguma forma, o suficiente e continuará em uma situação melhor do que aqueles que contribuíram com menos. . O objetivo é ajustar os níveis de tributação e transferência de renda para que os níveis predominantes de consumo e riqueza sejam mais justos.

O intuito é discriminar os contribuintes com base em sua renda, retirando uma proporção maior daqueles que possuem mais recursos, a fim de garantir que todos sofram uma perda equivalente em termos de bem-estar³.

Um sistema fiscal progressivo, materializado essencialmente por meio dos tributos incidentes sobre a renda, além das alíquotas progressivas, deve ser estruturado em harmonia com: (i) a incidência criteriosa dos impostos sobre propriedades e patrimônio; (ii) a efetiva progressividade das pessoas coletivas; (iii) a concessão de créditos, deduções e incentivos; (iv) políticas fiscais que proporcionem a redução da carga sobre os mais pobres nos impostos sobre o consumo de bens e serviços.

O PLP 68/2024 tenta mitigar os efeitos da regressividade do IBS e da CBS com a concessão de alíquota zero4 aos alimentos que compõem a Cesta Básica - priorizando os alimentos consumidos majoritariamente pelos mais pobres e os alimentos saudáveis - com a redução da alíquota em 60% nos alimentos que compõem a cesta básica estendida5 e com o implemento da política social do Cashback6 para as famílias com renda mensal de até meio salário mínimo.

Nessa mesma perspectiva, um avanço foi o reconhecimento e a correção, ainda que parcial, da desigualdade de gênero que afeta a estrutura do sistema tributário (desigualdade formal) ao incluir na redução de 60% da alíquota, os produtos de cuidados básicos à saúde menstrual e assim estabelecer alguma, ainda insuficiente, igualdade material na tributação entre homens e mulheres.

Os autores mencionados anteriormente, rejeitam a ideia de que a justiça de um regime tributário é uma questão de garantir uma justa distribuição dos encargos da tributação (significado puramente instrumental), de modo que não faz diferença qual é a base de incidência escolhida (renda, propriedade ou o consumo etc.). A reflexão que se faz é sobre o regime global de distribuição dos bens sociais existentes em uma dada comunidade. As imprecisões na aplicação da progressividade podem ser reduzidas ao adotar um método de avaliação centrado nos impactos sobre o bem-estar geral. Qualquer conceito de justiça voltado para a promoção do bem-estar e da igualdade de oportunidades na sociedade deve priorizar o padrão de vida das pessoas menos favorecidas.

A verdadeira justiça é alcançada através da distribuição equitativa dos bens sociais e, neste sentido, a reforma tributária tem o importante papel no reforço da confiança do contribuinte através da fiscalização à adequada aplicação dos tributos arrecadados pelo Estado e por meio de um sistema mais compreensível e transparente.

_________________________
¹PIKETTY, Thomas. Uma breve história da Igualdade. Temas e Debates. Lisboa. 2022. p.173.
²MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. The Myth of Ownership: Taxes and Justice. Oxford University Press, 2002.
³O bem-estar é um valor complexo em nem todos os aspectos podem ser medidos diretamente; é preciso usar indicadores.
4
Produtos da cesta básica com proposta alíquota zero:  arroz; leite fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de ultrapasteurizado, leite em pó, integral, desnatado ou semidesnatado; e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica; manteiga e margarina; feijões; raízes e tubérculos (mandioca, batatas, inhame); café; coco; óleo de soja; farinha de mandioca, de trigo, de milho, grumos e sêmolas, grãos esmagados ou em flocos; açúcar; massas; ovos; frutas frescas ou refrigeradas, e frutas congeladas sem adição de açúcar ou de outros corantes; produtos hortícolas, com exceção de cogumelos e trufas; pão do tipo comum (contendo apenas farinha de cereais, fermento biológico, água e sal.
5
Produtos da cesta básica estendida com proposta de redução de 60%: carnes bovinas, suínas, caprinas e de aves, peixes e carnes de peixes (com exceção de salmonídeos, atuns, bacalhaus, hadoque, saithe, ovas e outros subprodutos); crustáceos (exceto lagostas e lagostim) e moluscos; leite fermentado, bebidas e compostos lácteos; queijos (muçarela, minas, prato, coalho, ricota, requeijão, provolone, parmesão, fresco não maturado e queijo do reino); mel natural; mate; tapioca e seus sucedâneos; farinha, grumos e sêmolas, de cereais grãos esmagados ou em flocos, de cereais, e amido de milho do código; massas alimentícias; óleos vegetais e óleos de canola; sal de mesa iodado; sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem adição de açúcar; e polpa de frutas sem adição ou de outros corantes e sem conservantes.
6Cashback: é a devolução de uma parcela dos impostos pagos sobre o consumo. Exemplos previstos no texto do projeto: devolução de 100% da CBS para compra de botijão de gás (13kg) e 50% da CBS para contas mensais (água, luz, esgoto, gás encanado).

 
Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais.