A beneficio (fiscal) de quem? - Claudia Marchetti da Silva*
Os benefícios fiscais, também chamado no ordenamento jurídico brasileiro de "incentivos fiscais", seja na forma de isenções, reduções de base de cálculo ou créditos presumidos, permitem que os respectivos beneficiários suportem um encargo tributário inferior àquele que teriam de suportar caso lhes fosse aplicado o regime geral. Não há dúvidas que esta figura jurídico-tributária impacta tanto os orçamentos públicos, justamente por não haver o ingresso de receita, quanto os contribuintes.
A Constituição Federal, embora tenha se eximido de conceitua-lo, faz várias referências no seu texto o que torna possível a elaboração de um conceito (ou vários, a depender da doutrina). Entretanto é fundamental firmarmos um consenso: Benefícios fiscais devem ter natureza excepcional.
A uma porque conduzem à diminuição dos recursos financeiros disponíveis no erário público. A duas porque os benefícios fiscais contribuem para uma maior complexidade do sistema tributário na medida em que introduzem regras especiais que se afastam das normas gerais. A três porque os benefícios fiscais constituem verdadeiras quebras do princípio da igualdade previsto no artigo 5º da Constituição Federal, e mais especificamente em matérias tributária, no artigo 150, II.
Nesta lógica, compreende-se que os benefícios fiscais apenas possam ser implementados para a promoção de interesses públicos relevantes (por exemplo para aumentar o bem-estar social, económico e a qualidade de vida das pessoas), com uma finalidade claramente descrita na norma (indicação dos beneficiários, finalidade da concessão, condições para sua fruição, o prazo da vigência e o montante dos benefícios concedidos ao ponto que se possa mensurar e avaliar se os objetivos da desoneração foram atingidos), quando não tiverem sido identificadas políticas alternativas de natureza fiscal que permitam atingir os efeitos pretendidos e, em certa medida, salvaguardem o princípio da igualdade de forma a proteger o direito à concorrência.
Recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal¹ declarou inconstitucional dispositivos do RICMS/MG que previam benefícios fiscais (reduções de base de cálculo) relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para produtos lácteos e carnes "desde que produzidos no Estado", de modo a afastar qualquer restrição à respectiva aplicação ou aplicação diferenciada baseada na origem dos bens tributados.
Com fulcro no artigo 152 da Constituição Federal, que veda aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços de qualquer natureza em razão de sua procedência ou seu destino, a decisão refuta o total desprezo da norma desoneradora pelo princípio da igualdade na tentativa de atrair empresas para o estado, incorrendo na concorrência tributária desleal e estimulando à guerra fiscal entre os entes da federação.
A autonomia política, administrativa e financeira dos membros federados é uma característica do pacto federativo, entretanto, incentivos fiscais desorientados dos princípios constitucionais, que discriminam contribuintes em situações equivalentes e fragilizam a segurança jurídica, devem ser sempre afastados do sistema jurídico tributário.
_________________________ ¹ADI 5.363
Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais.