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COSIT divulga importante Solução de Consulta sobre o ágio na aquisição de investimentos e seus efeitos fiscais na apuração do IRPJ e da CSL - Bruno Fajersztajn - Paulo Coviello Filho 

 

No dia 3.2.2015, foi publicada no Diário Oficial da União a Solução de Consulta n. 3, de 22.1.2016, por meio da qual a Coordenação-Geral de Tributação (COSIT) manifestou seu entendimento a respeito de algumas questões relativas à apuração de ágio na aquisição de investimento (participações societárias permanentes).

A manifestação é oportuna, pois esclarece diversas questões que têm sido objeto de debate na doutrina e na jurisprudência, tornando mais clara a posição do fisco a propósito dos temas analisados, o que pode trazer maior segurança às relações entre a Administração Tributária e os contribuintes. 

Sabe-se que existe por parte do fisco uma grande desconfiança em relação aos ágios e, nos últimos anos, a maior parte das operações que redundam em amortizações fiscais acabam sendo glosadas, por fundamentos diversos. O que se tem notado, ultimamente, é a criação de verdadeiras teses jurídicas por parte da fiscalização, apenas como o objetivo de glosar as amortizações.

A manifestação clara do fisco a respeito desses temas é medida que prestigia a transparência nas relações entre Estado e particulares, além de uniformizar o entendimento do fisco no âmbito da Receita Federal do Brasil.

Ainda inicialmente, é importante consignar que as a Solução de Consulta trata da formação do ágio, por ocasião da aquisição de um investimento, não tendo se pronunciado a respeito dos atos que, nos termos dos art. 7° e 8° da Lei n. 9532/97, implicaram a sua amortização para fins fiscais [1]. Até mesmo porque não houve questionamento específico do contribuinte a esse respeito na consulta.

Segundo relatório da Solução de Consulta, a consulente, pessoa jurídica de direito privado organizada sob a forma de sociedade por responsabilidade limitada, adquiriu pessoa jurídica atuante em ramo de atividade similar, no ano de 2011. Nessa aquisição, conforme relatado, foi apurado ágio decorrente da diferença entre o valor pago e o patrimônio líquido da adquirida.

Conforme relata a Solução de Consulta, o contrato firmado entre as partes estipulou um "Preço Inicial", relativo ao valor previamente combinado. Após ajustes preliminares, esse preço foi elevado ("Preço Ajustado"), e, posteriormente, foi definido o "Preço Final". No entanto, mesmo após a definição do "Preço Final", as partes ajustaram hipóteses em que o preço seria impactado, inclusive com a possibilidade de os compradores reaverem parte do preço pago, em decorrência de eventos incertos e futuros. Relata, ainda, que parcela do preço estipulado foi depositada em conta garantia (comumente chamada de Escrow Account), a qual é utilizada para garantir eventuais contingências relativas à pessoa jurídica adquirida, sendo que os valores são liberados aos vendedores no decorrer do tempo caso não se materializem as mencionadas contingências.

Sobre o valor do ágio, a consulente informou que foram realizadas duas alocações de ágio distintas, uma para fins fiscais e outra para fins contábeis. Adiante, informou que "o ágio decorrente da mais-valia de ativos, apurado com base em valores de mercado, e o decorrente da rentabilidade futura, apurado com base no método do fluxo de caixa descontado, estão respaldados por laudos emitidos por terceiros" e que "a contabilização dos respectivos intangíveis foi feita exclusivamente para fins contábeis e pela própria empresa".

Destacou que o patrimônio da incorporada sofreu reduções devido a eventos ocorridos em momento anterior à compra das quotas sociais da adquirida, mas somente contabilizados após a assinatura do contrato. Por fim, relatou que também em 2011 a consulente incorporou a adquirida, passando a amortizar fiscalmente o ágio apurado na aquisição, nos termos do art. 7° da Lei n. 9532, de 10.12.1997.

Diante desse contexto, a consulente fez uma série de indagações, relativas (i) à definição do custo de aquisição e a interferência de ajustes contratuais posteriores, (ii) ao patrimônio líquido a ser considerado para apuração do ágio, (iii) à liberdade na escolha da fundamentação do ágio, dentro das alíneas do parágrafo 2° do art. 20 do Decreto-Lei n. 1598, de 26.12.1977, (iv) à aplicabilidade das novas regras introduzidas pela Medida Provisória n. 627/13, posteriormente convertida na Lei n. 12973, de 13.5.2014 ao caso, e (v) à aplicabilidade das normas atinentes ao IRPJ previstas no Decreto-Lei n. 1598 e na Lei n. 9532 à CSL. Também foram feitos questionamentos de ordem contábil, como, por exemplo, a diferença entre o critério fiscal e o critério contábil para alocação do preço pago previsto no Pronunciamento n. 15 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis.

Após relatar a situação fática, a Solução de Consulta inicia a resposta com uma ressalva sobre os fatos em questão. Nas palavras da Solução de Consulta, esse pronunciamento "não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações, interpretações, ações ou classificações fiscais procedidas pela Consulente e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos adequadamente os fatos aos quais, em tese, aplica-se a Solução de Consulta." Essa ressalva tem o intuito de resguardar futuros procedimentos de fiscalização lavrados em face da consulente.

Feita essa ressalva, a decisão destacou a ineficácia da consulta no que se refere aos questionamentos estritamente contábeis feitos pela consulente, nos termos do art. 18, inciso XIV, da Instrução Normativa RFB n. 1396, de 17.9.2013.

Ainda sobre a contabilidade, a Solução de Consulta reafirmou o Parecer Normativo CST n. 347, de 8.10.1970, o qual estabelece que a técnica contábil utilizada pelo contribuinte é de sua livre escolha, desde que o critério por ele adotado seja válido e não afete o cálculo do lucro, em prejuízo do Fisco.

Também inicialmente e respondendo ao item (iv) acima, a Solução de Consulta afastou a aplicabilidade das regras previstas na Medida Provisória n. 627, convertida na Lei n. 12973, ao caso, tendo em vista que a aquisição do investimento, assim como a incorporação que deu azo à amortização do ágio, ocorreram ainda em 2011, o que faz com base no art. 65 da Lei n. 12973. Ainda sobre as normas aplicáveis, consignou que, no momento da aquisição, a consulente estava obrigada ao Regime Tributário de Transição (RTT), de forma que são aplicáveis ao caso as regras contidas no Decreto-Lei n. 1598 e na Lei n. 9532, devendo os ajustes ser efetuados por meio do Controle Fiscal de Transição (FCONT).

Quanto ao item (i) acima, relacionado ao custo de aquisição das participações societárias, a Solução de Consulta reconheceu que "Não é obrigatório o desencaixe direto de recursos financeiros pelo investidor. Com efeito, a aquisição acionária pode ser feita através de outras formas de integralização, como o oferecimento de bens ou ações, a assunção de passivos e emissão e entrega de instrumentos de capital ou o conjunto combinado de mais de um dos tipos de contraprestação. Entretanto, deve haver efetiva contribuição do investidor em qualquer espécie de bem suscetível de avaliação em dinheiro, já que só pode haver o registro do valor pago na escrituração contábil se houver segurança em sua mensuração." (destaques aqui opostos)

A observação é especialmente importante por reconhecer expressamente a possibilidade de a aquisição se dar por outras formas, como, por exemplo, a entrega de bens ou ações, desde que seja possível sua avaliação em dinheiro. Essa constatação também é relevante na medida em que é um reconhecimento da própria COSIT de que é possível a apuração de ágio, por exemplo, numa operação de troca ou substituição de ações, casos da permuta ou da incorporação de ações, hipótese  que já foi objeto de inúmeras glosas fiscais [2]. A assunção de passivos também foi admitida como forma de sacrifício de recursos para aquisição. A ideia fundamental por trás dessa manifestação consiste no fato de que o ágio é parte do custo de aquisição de um investimento, o que pode ser feito por qualquer modalidade de aquisição em que haja sacrifício patrimonial pela adquirente.

No que concerne ao contrato pactuado entre as partes, que estipulava um preço e algumas variáveis que impactavam diretamente esse preço, a Solução de Consulta concluiu que "o custo de aquisição da participação societária é o valor total efetivamente pago pelo Comprador ao Vendedor", o qual deve considerar todas as possíveis alterações contratualmente estabelecidas, tais como a liberação de valores depositados em contas garantias, a existência de contraprestações contingentes, dentre outros. Pelo relato da consulta, a situação em análise contemplava duas variáveis de preço: valores depositados em conta garantia e a possibilidade de devolução de valores pelos vendedores aos compradores em razão de eventos futuros.

Quanto ao valor depositado em conta garantia, a decisão afirmou que esse só pode ser considerado parte do preço de aquisição quando efetivamente liberado (disponibilizado) ao vendedor. Tal conclusão está de acordo com a conclusão proferida no acórdão n. 2201-002.657, de 22.1.2015, do CARF.

Essa decisão do CARF analisou autuação de IRPF que visava tributar o ganho de capital supostamente auferido na alienação de bem sobre valor depositado em conta garantia, que não foi liberado ao vendedor do bem. Naquela decisão, o CARF reconheceu que esses valores só poderiam ser considerados como ganho de capital se efetivamente fossem liberados ao vendedor, o que não teria ocorrido no caso. O entendimento está de acordo também com o disposto nos art. 116, inciso II, e 117, do Código Tributário Nacional, segundo os quais o fato gerador ocorre quando a situação jurídica está definitivamente constituída, o que ocorre com o implemento da condição suspensiva.

Quanto à eventual devolução de parte do preço pelos vendedores em razão de eventos futuros, relativamente a que a consulente defendeu a natureza indenizatória, que não impactaria o preço combinado, a Solução de Consulta afirmou que esses valores devem ser analisados no bojo do contrato de compra e venda, impactando, portanto, o preço final de aquisição.

Em suma, portanto, a decisão é no sentido de que havendo ajustes posteriores no preço, esses ajustes devem impactar o custo de aquisição definido, seja para aumentá-lo seja para diminuí-lo, devendo impactar, consequentemente, o ágio apurado.

Sobre a alteração do ágio em razão de eventos futuros, vale ressaltar que a Solução de Consulta não se manifestou acerca do possível descompasso entre o valor das quotas de amortização realizadas anteriormente e posteriormente ao evento que altera o valor do custo, contudo, tendo em vista tratar-se de fato novo, tais alterações só poderão impactar as amortizações futuras.

Ainda sobre os valores depositados na conta garantia, a decisão afirma que a remuneração desses valores não interfere no preço pago pela participação societária, caracterizando-se como receita financeira do titular da conta ou do beneficiário desses rendimentos (o titular, normalmente, é o vendedor, mas a remuneração pode ser de titularidade do comprador, hipótese em que este deverá oferece-la à tributação).

Sobre o item (ii), referente ao patrimônio líquido a ser considerado para fins de definição do valor do ágio apurado na operação, consignou-se que deve ser considerado o patrimônio líquido conhecido pelas partes, existente à época dos fatos, independentemente dos ajustes realizados posteriormente serem referentes a fatos anteriores à aquisição. Sobre esses ajustes, a decisão os classificou como perdas em investimento avaliado pela equivalência patrimonial, a qual deve ser adicionada ao lucro líquido, para fins de apuração do lucro real, nos termos do art. 389, do Decreto n. 3000, de 26.3.1999, e da base de cálculo da CSL, nos termos do art. 38 da Instrução Normativa SRF n. 390, de 30.1.2004.

No tocante à liberdade do adquirente em indicar a fundamentação do ágio, item (iii) acima, a decisão reconheceu que a legislação aplicável aos fatos não determinava uma ordem a ser seguida dentre os fundamentos legais previstos nas alíneas do parágrafo 2° do art. 20 do Decreto-Lei n. 1598, mas consignou que a determinação do fundamento está relacionada à demonstração desse fundamento, nos termos da legislação. Vale registrar que existem algumas atuações que defenderam a existência dessa ordem na legislação fiscal.

Ainda nesse ponto, a decisão, pautando-se nas lições de Ricardo Mariz de Oliveira, Luís Eduardo Schoueri e Heleno Taveira Torres, fez importantes observações sobre a diferença entre os fundamentos previstos na legislação em análise, quais sejam, a mais valia de ativos, a expectativa de rentabilidade futura e o fundo de comércio.

Também sobre a fundamentação do ágio, a Solução de Consulta rechaça a linha de raciocínio levantada pela consulente no sentido de que, caso a fundamentação econômica do ágio seja em razão de intangíveis de titularidade da investida, o tratamento fiscal do ágio deva ser aquele previsto no inciso I do parágrafo 3º do art. 1º da Instrução Normativa SRF n. 11, de 10.2.1999, o qual determina que se o ágio for fundamentado no valor de mercado de bens ou direitos do ativo da investida, após a incorporação ele integrará o custo do respectivo bem ou direito, para efeito de apuração de ganho ou perda de capital, bem assim para determinação das quotas de depreciação, amortização ou exaustão. Para tanto, a Solução de Consulta ressalta a existência de norma expressa para essa hipótese, qual seja, o art. 7°, inciso II, da Lei n. 9532, que dispunha que o ágio fundamentado em "fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas" deveria ser registrado "em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização".

Finalmente, quanto ao item (v) acima, relativo à aplicabilidade das normas atinentes ao IRPJ previstas no Decreto-Lei n. 1598 e na Lei n. 9532 à CSL, a decisão afirmou que essas regras são aplicáveis em razão das disposições previstas na IN SRF n. 390. Ainda destacou que a Lei n. 12973 possui disposição expressa determinando a aplicação das regras relativas ao tratamento fiscal do ágio apurado na aquisição de participação societária para a CSL.

Quanto a este aspecto, é importante ressaltar que existe corrente divergente relativa à aplicabilidade das regras do IRPJ relativas ao ágio para a CSL. Como exemplo, destacam-se os recentes acórdãos n. 1301-001.893, de 20.1.2016 e 1201-001.237, de 9.12.2015 do CARF, os quais afirmaram não existir previsão legal para adição à base de cálculo da CSL da amortização do ágio pago na aquisição de investimento avaliado pela equivalência patrimonial, reconhecendo, implicitamente, que as normas aplicáveis para o IRPJ (no caso especificamente, tratava-se do art. 25 do Decreto-Lei n. 1598) não são aplicáveis para a CSL.
 
A decisão em comento deve ser avaliada com cautela, pois o tema comporta inúmeras variáveis, a depender das circunstâncias de cada caso concreto. Ainda assim, trata-se de um importante pronunciamento a ser considerado pelos contribuintes para o direcionamento de sua conduta, notadamente quanto à valoração do ágio apurado quando o preço pago sofre impactos relativos a fatos futuros e incertos.

Cabe ainda consignar que, nas matérias analisadas, a manifestação do fisco parece [3] de acordo com a legislação, tendo sido aplicados corretamente os preceitos legais e as manifestações doutrinárias a respeito do tema. Cabe também o registro de que a decisão é rica em fundamentação jurídica, merecendo ser aplaudida.

Como comentado inicialmente, manifestações dessa natureza, em temas controvertidos como os que envolvem amortização de ágio, são muito bem vindas. Muitas das autuações hoje em debate na jurisprudência poderiam ter sido evitadas caso outras soluções de consulta tivessem sido publicadas em relação ao tema.

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[1] Essa observação é importante tendo em vista que a Solução de Consulta não se manifestou sobre questões como a transferência de ágio, a qual é objeto de antagônicas posições na jurisprudência administrativa (vide acórdão n. 1201-001.242, de 10.12.2015).
[2] Vale ressaltar que o CARF, recentemente, reconheceu expressamente a possibilidade de apuração de ágio na operação de incorporação de ações (acórdão n. 1301-001.852, de 9.12.2015).
[3] Importa ressaltar que a análise da situação fática está limitada ao relato da Solução de Consulta, de forma que é possível que os autores concluíssem de outra maneira diante da análise completa da situação fática. Além disso, também deve ser ressaltado que cada caso deve ser analisado individualmente, posto que em cada caso há obrigações contratuais diferentes.


 
Elaborado por:
Bruno Fajersztajn
Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.
E-mail:
bf@marizsiqueira.com.br

Paulo Coviello Filho
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Email:
pcf@marizsiqueira.com.br