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CARF divulga acórdãos sobre amortização fiscal de ágio apurado na aquisição de investimentos. Primeiras impressões a partir dos julgados ocorridos após o retorno das atividades - Bruno Fajersztajn - Paulo Coviello Filho

Recentemente foram disponibilizados três acórdãos do CARF que analisaram autuações fiscais de IRPJ e CSL decorrentes da glosa de amortização de ágio apurado em aquisição de investimento, relativos a julgamentos ocorridos em dezembro de 2015, na primeira sessão de julgamentos ocorrida após o retorno das atividades do órgão. Foram três acórdãos:

- acórdão n. 1301-001.852, de 9.12.2015, da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF;

- acórdão n. 1201-001.237, de 9.12.2015, da 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do CARF; e

- acórdão n. 1201-001.242, de 10.12.2015, da 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do CARF.

A importância destes julgados é o fato de terem se debruçado sobre questões polêmicas, as quais merecem alguns comentários, sendo importante destacar, preambularmente, que os detalhes fáticos dos casos serão comentados no limite do que for necessário. Também havia muita expectativa em relação ao tema, diante da sua visibilidade e de toda a insegurança causada com a interrupção das atividades do CARF no ano de 2015.

Ainda inicialmente, deve-se destacar que todos os fatos analisados ocorreram sob a égide da Lei n. 9532, de 10.12.1997, em sua redação original, antes das alterações promovidas pela Medida Provisória n. 627/13, posteriormente convertida na Lei n. 12973/14.

Acórdão n. 1301-001.852 (Caso BRF)

Em breve síntese, a situação fática em análise é a seguinte: determinada empresa adquiriu as ações de outra empresa em duas etapas. Inicialmente, mediante contrato de compra e venda, com pagamento em dinheiro. Na segunda etapa, houve aquisição de ações de minoritários que estavam pulverizadas no mercado, o que ocorreu por meio de Oferta Pública de Aquisição de Ações (OPA). O restante das ações foi adquirido em uma terceira etapa, mediante incorporação de ações. Posteriormente, a adquirida foi incorporada pela adquirente, que passou a amortizar o ágio.

A fiscalização responsável pela autuação contestou a amortização de ágio os ágios apurados nas três etapas, sendo que, quanto à operação de incorporação de ações, afirmou que nessa operação não é possível a apuração de ágio, eis que não há pagamento (sacrifício) de preço para a aquisição. Consequentemente, a despesa em questão seria fictícia, não sendo necessária e, portanto, indedutível.

Após apresentação de impugnação, a Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ) julgou a impugnação parcialmente procedente, admitindo o ágio apurado na operação de aquisição por meio de compra e venda, mas mantendo a autuação no que se refere ao ágio apurado na incorporação de ações. O processo foi remetido ao CARF com recursos voluntário e de ofício, tendo em vista que o crédito tributário exonerado pela decisão da DRJ era superior a R$ 1.000.000,00.

A 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF houve por bem negar provimento ao recurso de ofício, em votação colhida por unanimidade, bem como dar provimento ao recurso voluntário, em votação colhida por maioria.

Vale destacar importante passagem do acórdão, que rechaçou alegação da fiscalização sobre "falta de propósito negocial" na operação de aquisição de ações:

"Sustenta a Fazenda Nacional que o negócio estaria maculado pela falta de propósito negocial, tendo sido firmado com o 'grande motivo' de aproveitamento do ágio.

Como todo o respeito, devo divergir. O grande motivo para a operação foi a aquisição da Eleva pela Perdigão. O negócio foi firmado entre o grupo Perdigão e o grupo controlador da Eleva, nada havendo nos autos que permita concluir que se tratasse de partes de alguma forma relacionadas ou sob controle comum. A transferência foi de fato realizada, passando a Eleva à condição de subsidiária integral da Perdigão. A questão, então, reside na forma como foi conduzida a operação, primeiro com a aquisição, em dinheiro, de parte das ações da Eleva, a seguir com a aquisição, mediante incorporação de ações, da parcela restante das ações da Eleva e, finalmente, com a incorporação da Eleva. Se esse caminho passou pela formação do ágio e, a seguir, permitiu sua amortização para fins fiscais, tenho que se trata de benefício adicional ao fim pretendido e conseguido, não se podendo exigir que o contribuinte adotasse um caminho que lhe fosse mais oneroso para conseguir seus objetivos societários precípuos, a saber, a expansão e reorganização de suas atividades empresariais. Observo, finalmente, que o Fisco fez lavrar a autuação com multa de 75% e em momento algum afirmou a presença de simulação ou de outra prática dolosa."

Acertadamente, o acórdão reconheceu que as partes tinham um negócio a fazer (aquisição de ações) e que o ágio é mera consequência do mesmo. Trata-se de uma constatação simples, mas que deve ser destacada neste tipo de operação, em que os efeitos tributários são decorrência dos atos jurídicos praticados pelas empresas.

Ainda quanto à aquisição de ações por meio de compra e venda, cumpre destacar que, mesmo não tendo aprofundado a questão, o acórdão validou o ágio apurado por meio da OPA, aspecto também importante, tendo em vista que em algumas autuações o fisco tem classificado o ágio apurado nestas operações como ágio interno.

No que se refere à operação de incorporação de ações, o acórdão reconheceu expressamente que essa operação é legalmente prevista no art. 252 da Lei n. 6404, de 15.12.1976, da qual resulta a aquisição das ações da pessoa jurídica que tem as ações incorporadas pela pessoa jurídica que incorpora as ações, o que permite a apuração de ágio.

Destacou, ainda, que a entrega de ações pela incorporadora aos acionistas da incorporada representa sacrifício de recursos por parte dos adquirentes, eis que os acionistas da incorporada recebem, com isso, fração do patrimônio líquido da incorporadora. Neste contexto, ao entregar ações aos acionistas da incorporada, a incorporadora está reduzindo a participação dos demais acionistas no capital social, sendo que o mesmo ocorre com eventuais lucros apurados no futuro. Estas observações confirmam, pois, que a operação de incorporação de ações, assim como qualquer outra modalidade de aquisição de ações, acarreta a obrigatoriedade da avaliação do investimento pelo método de equivalência patrimonial, do qual decorre o reconhecimento de ágio ou deságio.

Acórdão n. 1201¬-001.242 (Caso Banco Cacique)

A situação fática analisada neste caso é a seguinte. Um investidor, interessado em adquirir uma pessoa jurídica (investimento alvo), aporta capital (dinheiro) numa holding (chamada de empresa veículo), a qual adquire o investimento alvo, apurando ágio. Em seguida, a holding é incorporada pela adquirida, que passa a amortizar o ágio.

A autuação estava fundamentada na suposta falta de "propósito negocial" para a utilização da holding na aquisição. Afirmou a fiscalização que, na verdade, o "real adquirente" foi o investidor, que aportou capital inicialmente na holding. Essa linha de raciocínio tem sido adotada em algumas decisões do CARF, destacando-se, a título de exemplo, o acórdão n. 1101-000899, de 11.6.2013, a seguir ementado:

"TRANSFERÊNCIA DE CAPITAL PARA AQUISIÇÃO DE INVESTIMENTO POR EMPRESA VEÍCULO, SEGUIDA DE SUA INCORPORAÇÃO PELA INVESTIDA. SUBSISTÊNCIA DO INVESTIMENTO NO PATRIMÔNIO DA INVESTIDORA ORIGINAL.

Para dedução fiscal da amortização de ágio fundamentado em rentabilidade futura é necessário que a incorporação se verifique entre a investida e a pessoa jurídica que adquiriu a participação societária com ágio. Não é possível a amortização se o investimento subsiste no patrimônio da investidora original."

Segundo essa linha de raciocínio, neste tipo de situação, em que o investidor aporta recursos em uma holding (empresa veículo) para que essa efetue a aquisição, não pode ser autorizada a amortização do ágio, pois o investimento subsiste no patrimônio da investidora "original". Em outras palavras, a linha de raciocínio esposada neste precedente defende que a amortização do ágio só é possível quando há a extinção da pessoa jurídica adquirida ou da pessoa jurídica que possuía os recursos utilizados para adquirir o investimento. Diante desta teoria, a utilização de empresa veículo para viabilizar a amortização do ágio seria irregular.

O acórdão n. 1201-001.242, recém disponibilizado, autorizou a amortização do ágio e contestou frontalmente esta linha de pensamento, a qual chama de "teoria da empresa veículo". Para tanto, a decisão afirma que a Lei n. 9532 foi promulgada no âmbito do Programa Nacional da Desestatização e teve a finalidade de incentivar a aquisição de empresas públicas e sociedades de economia mista. Neste contexto, considerando que as pessoas físicas e também os investidores estrangeiros poderiam adquirir até 100% das ações ou quotas da empresa nacional objeto de desestatização, admitindo-se como certa a "teoria da empresa veículo", não haveria como estas pessoas se beneficiarem da norma estatuída nos art. 7º e 8º da Lei n. 9532.

Além dos exemplos das pessoas físicas e dos investidores estrangeiros, a decisão destaca também o exemplo das pessoas jurídicas nacionais que, em razão de vedação contida em norma legal ou infralegal, são impedidas de exercer atividades econômicas diversas daquelas previstas naquelas normas, como é o caso dos Bancos, razão pela qual, em caso de aquisição de investimento de forma direta, não poderiam aproveitar o benefício da amortização do ágio. A empresa veículo, neste cenário, viabiliza a separação de atividades, expediente legítimo.

A conclusão da decisão é no sentido de que estes exemplos demonstram que a "teoria da empresa veículo" ensejaria uma interpretação contraria à própria finalidade dos art. 7º e 8º da Lei n. 9532, que era a aquisição de empresas públicas ou sociedades de economia mista por particulares. Vale ressaltar que o intuito da norma, como efetivamente promulgada, deve ser estendido não apenas para as aquisições efetuadas no âmbito do Programa Nacional da Desestatização, mas também para toda e qualquer aquisição de investimentos(01) .

A decisão também analisou a acusação fiscal de que o laudo que indicou o fundamento do ágio era posterior à aquisição do investimento, de forma que não seria documento hábil a comprovar o fundamento econômico dele. Sobre isso, destacou que a empresa juntou aos autos documento contemporâneo à aquisição, no qual havia avaliação do investimento adquirido, sendo que a validade do documento foi atestada por tradução juramentada e ata notarial comprovando a existência de um e-mail no qual foi enviada a referida avaliação.

Finalmente, vale ressaltar que a decisão se deu por ampla maioria, com apenas um Conselheiro vencido, e que a amortização deste mesmo ágio já havia sido validada pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção, por meio do acórdão n. 1301-001.505, de 6.5.2014, com relação a outros períodos.

Acórdão n. 1201¬-001.237 (Caso BB Banco de Investimento)

Neste caso a situação é diferente daquela analisada nos dois casos acima comentados. Em resumo, a pessoa jurídica autuada adquiriu outras pessoas jurídicas, apurando ágio, mas não incorporou essas pessoas jurídicas. Após as referidas aquisições, a adquirente passou a amortizar contabilmente os ágios apurados, impactando a apuração do lucro líquido. Para fins de apuração do lucro real, base de cálculo do IRPJ, a pessoa jurídica efetuou as adições dessas amortizações no LALUR (Livro de Apuração do Lucro Real), nos termos do art. 25 do Decreto-lei n. 1598/77. O mesmo, contudo, não foi feito para a CSL.

A fiscalização, neste cenário, lavrou auto de infração, justamente em razão da falta de adição das amortizações para apuração da base de cálculo da CSL, alegando que esta adição é peremptória, tal como para o IRPJ. A defesa da empresa centrou-se na inexistência de norma expressa, para a CSL, nesse sentido, destacando que a base de cálculo dos tributos é diferente, conforme preserva o art. 57 da Lei n. 8981, de 20.1.1995. Segundo consta, a DRJ julgou procedente a impugnação, exonerando o lançamento. O processo foi remetido ao CARF com recurso de ofício, sendo que a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção, por unanimidade, manteve a decisão a quo, cancelando o lançamento, justamente com base na falta de norma expressa que determine a adição das amortizações de ágio na apuração da base de cálculo da CSL (lucro líquido ajustado).

A decisão segue a linha majoritária da jurisprudência administrativa no sentido de que as bases de cálculo do IRPJ e da CSL são diferentes e de que as normas que tratam do lucro real só se aplicam à CSL se houver disposição expressa, o que não teria ocorrido neste caso. Nesse sentido, os acórdãos n. 9101-001510, de 20.11.2012, 9101-001.839, de 10.12.2013, 1102­001.223, de 21.10.2014, 1401­000.962, de 10.4.2013, dentre outros.

As decisões acima configuram importantes precedentes, ao passo que decidiram questões polêmicas, com desfecho favorável aos contribuintes. Além disso, demonstram que os Conselheiros do CARF, após o retorno às atividades relacionado a uma série de polêmicas, permanecem julgando com liberdade e, principalmente, respeitando suas convicções. De qualquer modo, o direito à amortização do ágio para fins fiscais ainda será objeto de evolução jurisprudencial, inclusive com manifestação da Câmara Superior de Recursais Fiscais sobre muitas questões a respeito.

Nota

(01) Neste sentido, veja-se: FAJERSZTAJN, Bruno ; COVIELLO FILHO, Paulo. "Transferência" de ágio por meio da chamada empresa-veículo. Reflexões sobre o tema à luz da lógica e da finalidade dos arts. 7º e 8º da Lei n. 9.532/1997. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Editora Dialética, n. 231, p. 25-44, Dezembro/2014.

 
Elaborado por:
Bruno Fajersztajn. Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.
E-mail: bf@marizsiqueira.com.br
Paulo Coviello Filho. Advogado.