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Efeitos jurídicos e práticos da Declaração de Inconstitucionalidade do CEPOM -  José Antonio Patrocinio* 

Conhecido popularmente pelas siglas CEPOM ou CPOM, o cadastro das empresas prestadoras de outros municípios, foi instituído pelo Município de São Paulo no ano de 2005, portanto, há mais de 15 anos atrás.

Uma ideia, até então exclusiva da Prefeitura de São Paulo que, ao longo do tempo, acabou sendo copiada por inúmeros outros municípios do País, tais como Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, São Luis, Recife, Palmas, entre tantos outros.

Em alguns casos, embora os Municípios tenham alterado o seu nome, para RANFS, CENE, DANFOM, DSR, por exemplo, na prática o objetivo de sua instituição sempre foi exatamente o mesmo, ou seja, aumentar a arrecadação do ISSQN.

Para que se tenha uma ideia da eficácia deste tipo de Cadastro, estima-se que, atualmente, só no Município de São Paulo existam mais de 150 mil empresas inscritas no CEPOM. Por outro lado, a receita decorrente daqueles que não conseguem se inscrever, ou seja, do ISSQN retido na fonte, é algo absolutamente impressionante!

Só em 2020 o CEPOM foi responsável por uma receita adicional de ISSQN de mais de 200 MILHÕES DE REAIS!

Entretanto, vale lembrar que, lá em 2005, na sua concepção, o CEPOM tinha por objetivo apenas identificar as empresas clandestinamente estabelecidas em São Paulo e que, na hora de emitir a Nota Fiscal, utilizavam endereço de outro Município, onde evidentemente a alíquota do ISS era bem menor. Na verdade, em muitos casos, as alíquotas praticadas nestes verdadeiros "paraísos fiscais" eram próximas de zero!

Então, neste cenário, o chamado CEPOM era apenas mais uma das medidas de reação adotada pelo Município de São Paulo, para fazer frente à esta implacável "guerra fiscal" do ISSQN.

E a ideia realmente funcionou, justamente porque as regras do CEPOM são extremamente simples!

Empresa inscrita no CEPOM não sofre retenção e paga o ISSQN apenas na sua cidade de origem.

Por outro lado, a empresa não inscrita no CEPOM paga nos dois! Caso típico de bitributação!

ISSQN para a sua cidade de origem e ISSQN para o Município de São Paulo, por meio da retenção na fonte!

Simples assim!

Ocorre que, na prática, essas regras do CEPOM nunca se restringiram apenas e tão somente ao combate às empresas supostamente clandestinas!
Longe disto!

A verdade é que ao impor a retenção do ISSQN na fonte, ao tomador dos serviços, pelo simples fato da empresa de fora não ter inscrição no CEPOM, o Município de São Paulo está usurpando a competência tributária do Município de origem do prestador, local onde ele efetivamente possui o seu estabelecimento.

Como dito alhures, é exatamente isto que acarreta a famigerada bitributação!

Muito bem!

Neste contexto, eis que em novembro de 2005, mesmo ano de instituição do Cadastro, o Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo - SEPROSP -, impetra um Mandado de Segurança Coletivo objetivando desonerar os seus filiados da obrigação de inscrição no CEPOM.

Após a fase de instrução, mais precisamente em fevereiro de 2006, foi proferida sentença de mérito, denegando a segurança e declarando legal e constitucional a instituição das regras do CEPOM por meio de Lei Municipal.

Em suas razões de decidir, o Magistrado asseverou que "não se vislumbrando que na exigência houvesse ilegalidade, inconstitucionalidade, abuso e muito menos mínimo substrato jurídico que possam amparar as frágeis alegações contidas na inicial, induvidosamente, é caso de improcedência da ação".

Vitória do Município de São Paulo!

Irresignado com o resultado, em meados de agosto de 2011, o Sindicato interpôs Recurso de Apelação que, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, teve exatamente o mesmo desfecho, ou seja, foi improvido, mantendo-se absolutamente incólume a decisão de primeira instância.

O julgado restou assim ementado:

?Apelação - Mandado de Segurança coletivo impetrado por Sindicato - Preliminar de ilegitimidade ativa afastada - ISS - Insurgência contra a obrigatoriedade de cadastramento de empresas prestadoras de serviço na Capital e estabelecidas fora do Município - Lei Municipal nº 14.402/05 - Legalidade - Hipótese de mera obrigação acessória no interesse local - Recurso improvido." (TJSP; Apelação Cível 0113361-88.2006.8.26.0000; Relator (a): Jarbas Gomes; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 6.VARA; Data do Julgamento: 11/08/2011; Data de Registro: 01/09/2011)

2ª vitória do Município de São Paulo!

Em meados de 2015, antes do caso chegar no Supremo Tribunal Federal - STF -, o processo passou pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ -, que, sob o fundamento de que "o acórdão recorrido decidiu a controvérsia com base em legislação local (Lei Municipal 14.042). Ocorre que, na esteira da jurisprudência desta Corte Superior, nesses casos, não há a abertura da via especial, em virtude do óbice contido na Súmula 280/STF, segundo a qual "por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário", aplicável à espécie por analogia", negou provimento ao Agravo.

3ª vitória do Município de São Paulo!

Nesta linha do tempo, em outubro de 2018 o processo finalmente chega ao STF, que reconhece que a controvérsia alusiva à obrigatoriedade de inscrição no CEPOM, realmente possui repercussão geral, ou seja, relevância social, econômica e jurídica que transcendem os interesses das partes, o que justificou e autorizou a sua apreciação pelo Plenário.

Desta forma, em março de 2021, o STF, por maioria, apreciando o tema 1.020 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, para declarar incompatível com a Constituição Federal a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração local, instituída pelo Município de São Paulo em desfavor de prestadores de serviços estabelecidos fora da respectiva área, imputada ao tomador a retenção do Imposto Sobre Serviços - ISS quando descumprida a obrigação acessória.
Como consequência disto, foi fixada a seguinte tese:

"É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do Município e imposição ao tomador da retenção do Imposto Sobre Serviços - ISS quando descumprida a obrigação acessória"

A decisão do STF é taxativa e categórica, permitindo-nos extrair dois mandamentos:

a. O Município não pode exigir cadastramento de prestadores de serviços não estabelecidos em seu território;

b. O Município não pode impor ao tomador obrigação de retenção do ISSQN, nos casos em que o prestador descumpre a referida obrigação acessória.

Na verdade, o que pesou mesmo para este desfecho desfavorável ao Município, foi a imposição da retenção na fonte do ISSQN, como uma espécie de "penalidade" pelo descumprimento da obrigação de inscrição no CEPOM.

Deveras, pois realmente o descumprimento de uma obrigação acessória, no caso inscrição no CEPOM, não tem o condão de alterar as regras de competência tributária insculpidas no artigo 3º da Lei Complementar nº 116/2003.

Prevaleceu, portanto, para fins de definição da competência tributária, a regra segundo a qual o ISSQN é sempre devido no local do estabelecimento prestador, com exceção daqueles serviços descritos nos Incisos I a XXV do artigo 3º da Lei Complementar nº 116/2003, para os quais o legislador definiu regras específicas e diferenciadas.

A par disto, somente o Município competente para cobrar o ISSQN é que está legitimado para instituir obrigações acessórias no interesse de sua arrecadação ou de sua fiscalização.

Sob estes fundamentos, o fato é que finalmente o STF pacificou os conflitos e, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, declarou inconstitucional a obrigação de inscrição no cadastro, bem como de retenção do ISSQN na fonte, decorrente de seu descumprimento.

Mas e agora? Quais são os efeitos práticos dessa importantíssima decisão do Supremo Tribunal Federal?

Confira nos quesitos seguintes!

1 - A decisão do STF será aplicada automaticamente por todos os Municípios do Brasil que instituíram Cadastros nos moldes do CEPOM?

A resposta é não, pelo menos não de forma imediata e automática. Isto porque a decisão do Supremo foi proferida em um Recurso Extraordinário com Repercussão Geral Reconhecida. Em casos desta espécie, as decisões geram efeitos interpartes, ou seja, atingem apenas as partes no processo.

IMPORTANTE: As decisões proferidas nesta espécie de processo não possuem efeito vinculante para os Órgãos do Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal.

Em termos práticos, significa dizer que as Prefeituras não são obrigadas a cumprir, espontaneamente, o que foi decidido pelo STF. A atribuição de efeito vinculante depende de ato próprio de iniciativa de cada uma das Prefeituras interessadas em editá-los.

Por outro lado, e isto é extremamente relevante, esta decisão do Supremo Tribunal Federal, em relação ao CEPOM do Município de São Paulo, vincula todos os demais Órgãos do Poder Judiciário.

Portanto, para fazer valer o que foi decidido neste processo, em relação ao mesmo tipo de cadastro instituído por outro Município, basta ingressar com uma ação judicial.

Importa esclarecer ainda que, somente possui efeito vinculante, em relação aos Órgãos do Poder Executivo e também do Poder Judiciário, as decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal em Súmulas Vinculantes e nos processos de controle concentrado de constitucionalidade, como por exemplo a ação direta de inconstitucionalidade - ADI -.

No caso do CEPOM, repita-se, a decisão foi proferida em um Recurso Extraordinário com Repercussão Geral Reconhecida.

2 - Os tomadores de serviços estabelecidos no Município de São Paulo podem parar de consultar o CEPOM e também de reter o ISSQN na fonte de quem não está nele inscrito?

Não!

Enquanto o Município de São Paulo não cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal, os tomadores continuam obrigados a consultar o CEPOM e também a reter o ISSQN na fonte de quem não está nele inscrito.

Provavelmente, por força desta decisão, brevemente o CEPOM será desativado, já que perdeu a sua principal função, qual seja, aumentar a arrecadação do Município.

Caso o tomador de serviços não queira esperar, pois isto ainda pode demorar muito tempo, basta ingressar com uma ação judicial, requerendo a imediata desoneração destas obrigações.

3 - Durante muitos anos minha empresa sofreu retenção do ISSQN na fonte, por não ter conseguido inscrever-se no CEPOM. Posso pedir restituição do ISSQN recolhido aos cofres do Município de São Paulo?

Sim, pelo menos por enquanto, mas é necessário propor uma ação judicial.

Entretanto, cabe esclarecer que o Município de São Paulo já ingressou com um recurso, que não mudará a decisão do STF, mas que pode modular os seus efeitos.

A ideia do Município é considerar legítimas todas as retenções efetuadas até agora e irrepetíveis os valores repassados a este título aos cofres municipais.

Pleiteia o Município que a decisão do STF seja dotada de efeitos "ex nunc", isto é, valha apenas daqui para frente.

Se isto acontecer, nada do que foi retido na fonte e, consequentemente, repassado aos cofres do Município de São Paulo, será devolvido para os contribuintes afetados por estas inconstitucionais medidas.

É aguardar para ver!

 
Jose Antonio Patrocínio