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O termo pagamento deve ser entendido como qualquer forma de extinção da obrigação para fins de incidência do Imposto de Renda na Fonte
Bruno Fajersztajn
Ramon Tomazela Santos
Maicon Galafassi



A Solução de Consulta COSIT nº 190, de 31.7.2015, publicada recentemente no sitio da Receita Federal do Brasil (RFB), reconheceu que a expressão "pagamento" contida na legislação do imposto de renda na fonte (IRF) deve ser considerada, ao menos em relação ao caso em questão, como qualquer meio de extinção da obrigação, conforme o Código Civil.

Esse pronunciamento é decorrente da análise do aspecto temporal da incidência do IRF no caso de juros em contrato de mútuo entre pessoas jurídicas, inclusive entre controladoras, controladas, coligadas e interligadas. Nessas operações, a alínea b do parágrafo 7º do art. 65 da Lei nº 8.981, de 20.01.1995, determina que o imposto de renda deverá ser retido "por ocasião do pagamento dos rendimentos, ou da alienação do título ou da aplicação, nos demais casos".

No caso concreto, a dúvida da consulente decorre da aprovação pelos acionistas da empresa mutuária, da conversão do valor mutuado e dos juros decorrentes do negócio em capital social da mutuária, acarretando, por consequência, a extinção da obrigação sem a existência do efetivo pagamento.

Ao analisar a expressão "pagamento" em seu sentido jurídico, a COSIT admitiu a existência de um duplo sentido para o vocábulo (Resta compreender o que significa pagamento, no âmbito da relações contratuais [SIC]. O vocábulo "pagamento", em sentido jurídico e geral, corresponde a qualquer fato jurídico que extingue uma obrigação (o que contemplaria até o perdão e a renuncia);em sentido próprio, corresponde a extinção de uma obrigação motivada pelo cumprimento da prestação. Desse modo, como afirma Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 9ª ed, p. 305): "evidenciando um pagamento efetivo, tanto se refere à entrega de uma soma em dinheiro, correspondente ao objeto da obrigação, como ao cumprimento de prestação de outra espécie, isto é não representada por dinheiro"), entendendo que o dispositivo legal em discussão teria utilizado tal expressão como correspondente a qualquer fato jurídico capaz de extinguir uma obrigação. Assim, havendo extinção da obrigação, seja por dação em pagamento ou outra modalidade prevista no Código Civil, haveria a incidência do imposto de renda na fonte sobre os rendimentos decorrentes de juros apurados por meio do contrato de mútuo.

Interessante notar que a COSIT, recentemente, já havia se pronunciado a respeito do significado jurídico a ser atribuído à expressão "pagamento". Trata-se da Solução de Consulta COSIT n. 110, de 07.05.2015 que validou a possibilidade de a declaração de compensação ser considerada meio hábil para comprovar o pagamento do tributo para fins de fechamento de operações de câmbio.

No entanto, apesar de as Soluções de Consulta COSIT nºs. 110 e 190 terem por objeto de análise o mesmo termo jurídico, a fundamentação jurídica das consultas não coincide, em razão do contexto em que as palavras se inserem. Enquanto a consulta anterior aborda o "pagamento" como forma de extinção de relação jurídica tributária ("pagamento do imposto"), analisando o tema na perspectiva dos art. 156 e 170 do Código Tributário Nacional, a atual consulta trata dos efeitos fiscais do "pagamento" decorrente de relação jurídica de direito privado ("pagamento dos rendimentos"), portanto, sob o enfoque do Código Civil e do momento da incidência do IRF.

Em que pese tal distinção, a COSIT concluiu nas duas situações que o vocábulo "pagamento" deve ser analisado de forma mais ampla, seja como forma de quitação de um débito (SC COSIT n. 110/2015), ou como extinção de uma obrigação (SC COSIT n. 190/2015). Tal conclusão, ao menos no que se refere à esfera federal, representa um importante avanço nos métodos interpretativos do sistema tributário brasileiro.

No que tange especialmente ao tema do IRF, a legislação está a regular o momento da incidência do referido imposto, fazendo sentido reconhecer que, no caso concreto analisado, a liquidação da obrigação de pagamento de juros por meio da conversão da dívida em capital faz nascer o dever de recolhimento do imposto de renda.

Veja-se que, nesse caso, a conversão dos juros em capital implicou aquisição de disponibilidade de renda ao credor, que teve seu patrimônio aumentado pelo valor dos juros que foram utilizados para aumento de capital, o que está, em última análise, de acordo com o art. 43 do Código Tributário Nacional, o qual, além de definir a materialidade do imposto, ainda dispõe em seu parágrafo 1º que "(...) a incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção".

Cabe alertar, por fim, que embora a solução dada pela COSIT no caso esteja correta na perspectiva do conceito de renda, essa conclusão não pode ser aplicada indistintamente para toda e qualquer modalidade de extinção das obrigações, segundo o Direito Privado. Isso porque é possível que a extinção de obrigações por outras modalidades, como o perdão de dívida em algumas situações, não implique o auferimento de renda tributável, dado o seu caráter de liberalidade, não contraprestacional.

Além disso, a incidência de IRRF sobre a conversão de passivo exigível em aumento de capital dependerá da natureza jurídica do direito de crédito, para verificar a existência, ou não, de acréscimo patrimonial para os subscritores. Por igual forma, a intepretação da COSIT acerca da existência de disponibilidade da renda na conversão da dívida de juros em aumento de capital não deve ser estendida inadvertidamente para os casos de conversão de modalidades de investimento no mercado de capitais brasileiro, assunto que merece uma análise específica.

Assim, a posição do Fisco, embora correta no caso concreto, deve ser aplicada com cautela, devendo cada caso ser analisado à luz de suas peculiaridades.


 
Elaborado por:

Bruno Fajersztajn
Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.
E-mail: bf@marizsiqueira.com.br

Ramon Tomazela Santos
Advogado. Formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).
E-mail: rts@marizsiqueira.com.br

Maicon Galafassi
Graduado em Direito pela USP/SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBDT. Advogado em São Paulo.
E-mail:
mg@marizsiqueira.com.br