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ISSQN - Apresentação de Documentos Fiscais e Contábeis em Formato Digital e Arquivo de Texto (TXT OU CSV). Será que o Fisco Municipal pode Realmente Exigir? - José Antônio Patrocínio*

Em nosso ordenamento jurídico tributário, todo pagamento de um imposto, em regra, sempre vem acompanhado de uma obrigação acessória, instituída no interesse de sua fiscalização e/ou arrecadação.

No caso específico do ISSQN, os municípios exigem, basicamente, o cumprimento de duas obrigações: emissão de notas fiscais e escrituração dos livros de registro dos serviços prestados e contratados.

Vale lembrar que, nos primórdios desta tributação todos esses documentos fiscais eram preenchidos a mão, num processo extremamente manual, trabalhoso e rudimentar.

Porém, com o avanço tecnológico, esses documentos em papel foram, gradativamente, substituídos por versões eletrônicas, o que permitiu a automatização de todos esses processos, pois, a partir da emissão da nota fiscal eletrônica, o próprio sistema gera todos os relatórios, livros e declarações previstos na legislação municipal.

Uma grande revolução no cumprimento dos deveres instrumentais!

Contudo, nesta vida, nem tudo são flores!

Infelizmente, esses sistemas emissores de notas fiscais não foram uniformizados e padronizados, razão pela qual, na prática, cada município inventou o seu!

E o que é pior! Há casos, mais extremos, no qual a implantação da nota fiscal eletrônica, sequer foi precedida de regulamentação por ato legal!

Um absurdo!

Mas, falando em absurdo, a questão que se coloca é a seguinte:

Seria o sujeito passivo obrigado a cumprir uma obrigação acessória não prevista na legislação tributária?

A resposta é não!

Deveras, pois, nos termos do art. 113, § 2º do Código Tributário Nacional, a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

Por este mandamento legal, o fisco municipal não pode exigir do sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação não prevista na legislação!

Do mesmo modo, também não pode instituir uma obrigação em um determinado formato e, durante a ação fiscal, exigi-la em outro, totalmente diferente, como por exemplo em "pdf" ou, ainda, no formato de arquivo texto (txt ou csv).

O auditor fiscal municipal pode muito, mas não pode tudo!

O Poder Judiciário tem sido implacável com os abusos e arbitrariedades, rechaçando todas as tentativas de violação da referida regra legal.

O julgado, cuja ementa destacamos a seguir, é elucidador!

"Apelação. Ação de obrigação de fazer. Município que pretende compelir contribuinte a apresentar os documentos fiscais em formato TXT ou CSV. Sentença de improcedência. Pretensão à reforma. Desacolhimento. Ausência de previsão na legislação tributária municipal que respalde a exigência da exibição dos documentos em formato específico. Contribuinte que apresentou os documentos exigidos pela fiscalização tributária, ainda que não no formato exigido. Sentença mantida. Recurso desprovido." (TJSP; Apelação Cível 1000022-66.2016.8.26.0362; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Mogi Guaçu - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/02/2019; Data de Registro: 13/02/2019).

Para melhor compreensão da matéria, vale à pena conhecermos os detalhes desta absurda exigência!

Iniciada a ação fiscal, com relação ao ISSQN, a autoridade administrativa intimou o contribuinte, uma instituição financeira, a apresentar em meio magnético e formato de arquivo de texto ("txt" ou "csv"), o plano de contas e os balancetes (mensal e semestral), bem como o relatório de apuração do Imposto dos últimos 5 anos.

No prazo estabelecido, o banco apresentou os documentos, porém, não no formato solicitado (arquivo de texto - txt ou csv), sob o argumento de que a legislação municipal não lhe impõe esta obrigatoriedade.
Diante desta recusa, o Município propôs uma ação judicial, com o propósito de obter tutela jurisdicional que obrigasse o contribuinte a apresentar os referidos documentos, no formato exigido pelo fiscal, ou seja, formato de arquivo de texto (txt ou csv).

Como principal fundamento para o seu pleito, o Município citou o artigo 12 do Código Tributário Municipal, segundo o qual "os contribuintes devem facilitar, por todos os meios ao alcance, a fiscalização e a cobrança dos tributos devidos à Fazenda Municipal".

Após a fase de instrução, sobreveio sentença de improcedência da ação, sob os seguintes argumentos:

"No mérito, não procede ação. Com efeito, deve ser destacado, de início, que nem o próprio autor afirma que o réu não tenha fornecido os documentos; na realidade, o autor afirma que o réu apenas não apresentou os documentos no formato pretendido.

Nesse contexto, já resta bastante discutível o descumprimento de obrigação acessória pelo réu, pois, repito, não houve recusa de fornecimento dos dados. No mais, a exigência de apresentação dos documentos nos formatos pretendidos não consta expressamente da lei, e, portanto, não pode ser exigido do réu. Também não é possível afirmar que o réu pretenda dificultar a fiscalização do autor, pois, como já dito acima, nada há nos autos que demonstre que o réu não entregou os dados solicitados. Desse modo, não estando a exigência prevista expressamente em lei, não procede o pedido".

Irresignado, o Município interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, objetivando a reforma da referida sentença.

Entretanto, na Corte Bandeirante, a 18ª Câmara de Direito Público, por unanimidade de votos, negou provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Ricardo Chimenti, Relator do Processo.

Eis as suas principais razões de decidir:

"O Código Tributário Nacional, ao tratar das obrigações acessórias, expressamente consigna que a sua existência decorre diretamente da legislação tributária (arts. 113, § 2º, e 115 do CTN). E, dos autos não consta que exista alguma norma municipal em Mogi-Guaçu, ainda que infralegal, estabelecendo o dever formal de entrega das informações pelo contribuinte em determinado formato (TXT ou CSV), exigência que por si só estaria sujeita a análise sob a luz do princípio da razoabilidade."

"Assim, tendo o contribuinte apresentado todas as informações solicitadas pelo fisco e, à míngua de qualquer previsão na legislação tributária municipal que respalde a exigência de entrega em formato específico, há de reconhecer que a pretensão do Município não comporta acolhimento".

A referida decisão transitou em julgado, tornando-se definitiva, em 25/07/2019.

O mais interessante, nesta discussão toda, é que a matéria não era nova no Tribunal, pois o próprio município já havia sido derrotado anteriormente, em ação exatamente idêntica.

O Julgado anterior restou assim ementado:

"APELAÇÃO. Pedido cautelar de exibição de documentos. Documentos apresentados pelo apelado no formato PDF. Irresignação no sentido de que os documentos devem ser apresentados no formato TXT ou CSV. Não vislumbre de obrigação acessória descumprida. Ausência de previsão legal a fim de exigir a apresentação dos documentos no formato específico. Estrita Legalidade. Ausência de demonstração de má-fé. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO." (TJSP; Apelação Cível 0000570-16.2013.8.26.0362; Relator (a): Mônica Serrano; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Mogi Guaçu - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/06/2018; Data de Registro: 05/07/2018).

Não bastasse isto, em julgado recentíssimo, mais uma derrota, em torno do mesmo tema.

Eis a ementa:

"APELAÇÃO - Ação de Obrigação de Fazer - Município que pretende compelir instituição financeira contribuinte a apresentar documentos contábeis e fiscais em formato de arquivo TXT ou CSV - Sentença de improcedência - Pretensão à reforma - Desacolhimento - Ausência de previsão da obrigação acessória no CTN e na legislação tributária local - Exigência da administração que não observa o comando do artigo 37 da CF - Princípio da legalidade - Contribuinte que apresentou os documentos exigidos pela fiscalização tributária, ainda que não no formato exigido - Ausência de demonstração de má-fé - Sentença mantida - Recurso não provido." (TJSP; Apelação Cível 0000568-46.2013.8.26.0362; Relator (a): Fernando Figueiredo Bartoletti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Mogi Guaçu - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/06/2022; Data de Registro: 03/06/2022)

Então, em resumo, podemos concluir que toda e qualquer obrigação acessória, para ser efetivamente cumprida, precisa necessariamente estar prevista na legislação tributária.

Por outro lado, inexistindo regulamentação legal, o sujeito passivo não tem absolutamente nenhuma obrigação de apresentar os seus documentos fiscais e contábeis em formato digital ou, ainda, em formato de arquivo de texto ("txt" ou "csv").

 
*José Antônio Patrocínio é Advogado, Consultor Tributário da Thomson Reuters, Professor de ISSQN em Cursos de Pós-graduação e Autor do Livro: "ISS - Teoria, Prática e Jurisprudência - 5ª Edição".