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Anotações sobre um ano de transição - Claudia Marchetti da Silva*

Eu não entendo nada de astrologia, embora confesse que adoro ler as previsões do meu signo para o ano que está por chegar. Ainda assim, afirmo com convicção que 2025 revelou, pouco a pouco, uma mudança de eixo.


E isso não se deve apenas à Reforma Tributária, mas à percepção de que o Direito Tributário passou a operar em um ambiente mais denso, mais tecnológico e politicamente mais tensionado.


A reflexão começou em janeiro, ainda longe da Reforma Tributária e perto de ganharmos o Oscar.


Luz, câmera e tributação


Parti do reconhecimento internacional do cinema brasileiro para contextualizar a relevância econômica e cultural do setor audiovisual no país, especialmente em um cenário de forte expansão do consumo de streaming. Discuti o aumento do debate regulatório sobre as plataformas digitais e a utilização de instrumentos tributários como forma de intervenção estatal, destacando o papel das contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDEs) como mecanismos excepcionais, temporários e finalisticamente vinculados à promoção de interesses públicos específicos, em especial, a CONDECINE.


O argumento central para estender sua incidência às plataformas de vídeo sob demanda sustenta-se no fato de que políticas tributárias bem desenhadas podem fomentar o desenvolvimento cultural e econômico, fortalecer uma indústria estratégica e ampliar o acesso à cultura, desde que respeitados os limites constitucionais e a finalidade pública da intervenção.


Aspectos gerais do uso da inteligência artificial na fiscalização tributária


Avancei para a incorporação da inteligência artificial na administração tributária, apresentada não como promessa futurista, mas como ferramenta concreta de fiscalização, gestão de riscos e tomada de decisão estatal. A automação e a integração de grandes volumes de dados passaram a ser vistas como meios de aumentar a eficiência, combater a fraude e melhorar a relação com o contribuinte, especialmente em meio ao ?tumulto? de uma reforma do sistema. Ao mesmo tempo, chamei atenção para os limites dessa transformação, com destaque para o uso ético da tecnologia, a proteção de dados, a transparência dos algoritmos e a necessidade de capacitação contínua como condições indispensáveis para que a modernização digital fortaleça a confiança, reduza a litigiosidade e preserve as garantias fundamentais da relação tributária.


O café está mais caro. De quem é a culpa?


O encarecimento dos alimentos serviu para desconstruir a ideia, ainda muito presente no senso comum, de que a alta de preços decorre automaticamente do repasse da carga tributária ao consumidor. Ressaltei que a formação de preços é influenciada por múltiplos fatores ? como câmbio, oferta, demanda, condições climáticas e estrutura de mercado ? e que o impacto dos tributos varia conforme elasticidades e contextos competitivos. Mostrei que instrumentos extrafiscais, como o imposto de exportação, podem ser utilizados de forma criteriosa para estabilizar preços internos de produtos essenciais em momentos de pressão internacional, ao passo que políticas de redução de impostos ou estímulo à oferta não constituem soluções universais. A conclusão reforçou que problemas complexos exigem respostas igualmente complexas e que a política tributária deve ser avaliada, sobretudo, por sua capacidade de proteger as famílias de baixa renda.


REDATA: infraestrutura digital, dados e política tributária


A centralidade dos dados na economia contemporânea tornou-se tema do texto. Partindo da constatação de que informações deixaram de ser meros registros para se tornarem ativos estratégicos na geração de valor, intimamente ligados ao avanço da inteligência artificial e à redefinição do poder econômico, analisei o programa REDATA como tentativa de fomentar a infraestrutura digital brasileira por meio de incentivos fiscais à instalação de data centers. Ao mesmo tempo, chamei atenção para suas externalidades negativas, especialmente ambientais, e para os limites de políticas de isenção tributária diante de custos sociais relevantes. Reconheci, ainda, que se trata de um desafio que ultrapassa a técnica fiscal e alcança a geopolítica e a autonomia estatal.


IOF em cena: o coadjuvante que roubou os holofotes


De repente, as luzes voltaram-se para o pouco famoso IOF. Um imposto concebido como instrumento regulatório, mas que acabou ocupando o centro do debate fiscal após sucessivos aumentos de alíquota por decreto. O episódio evidenciou a natureza mista dos tributos regulatórios, capazes de cumprir funções fiscais e extrafiscais, mas também expôs os limites dessa flexibilidade quando o uso arrecadatório passa a prevalecer sobre a finalidade regulatória constitucionalmente prevista.


Apertem os cintos: a Reforma Tributária vai decolar


A partir do meio do ano, a discussão passou a se concentrar na Reforma Tributária. Apontei as três razões centrais da inevitabilidade da mudança nos tributos sobre o consumo: complexidade, regressividade e não neutralidade. Argumentei que a unificação de tributos, a não cumulatividade plena e a cobrança no destino tendem a reduzir distorções e disputas, ainda que não resolvam, isoladamente, problemas estruturais como a desigualdade, que exigem também uma reforma da tributação sobre a renda.


Lembretes coloridos: minha dica para organizar o período de transição da reforma tributária


O período de transição da Reforma Tributária não será uma simples substituição de regras; será um processo prolongado e operacionalmente complexo. Por essa razão, organizei, em formato de lembretes práticos, os principais desafios da convivência entre o sistema antigo e o novo até 2033, destacando cronograma, gestão de créditos, impactos em contratos, precificação, sistemas, cadeias de fornecimento e riscos jurídicos. A mensagem central foi clara: a transição exige preparação antecipada, coordenação entre áreas, revisão de estruturas e treinamento contínuo, sob pena de perda de créditos, aumento de litígios e ineficiências operacionais.


Esqueceram de alguém na Reforma Tributária


Embora a reforma prometa simplificação e redução de litígios, alertei que a ausência de um redesenho institucional do contencioso pode produzir o efeito inverso, ampliando disputas em um sistema no qual um mesmo fato gerador tende a gerar controvérsias simultâneas em diferentes esferas federativas. Argumentei que a efetividade da reforma depende da integração entre governança federativa, coordenação digital e segurança jurídica. Caso contrário, a reforma corre o risco de entregar simplicidade formal, mas perpetuar ineficiências, insegurança e custos elevados.


O percurso desses textos não aponta para uma conclusão fechada, mas para uma advertência constante: em 2025 o Direito Tributário passou a operar no centro das disputas econômicas, tecnológicas e institucionais.


A Reforma avança. A tecnologia se impõe. As promessas são ambiciosas.


Resta saber se, ao final da travessia, teremos um sistema mais simples apenas na forma ou mais justo e funcional na substância.


*Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais".