Serviços de guincho, guindaste e içamento - Nova regra para pagamento do ISS - Lei Complementar nº 218/2025 - José Antônio Patrocínio*
Como amplamente divulgado, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, conhecido popularmente como ISS, será extinto em 2033, como resultado da reforma tributária (Emenda Constitucional nº 132/2023). Até lá, o processo de substituição será gradual, ocorrendo entre 2026 e 2033, quando então ele será totalmente substituído pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Contudo, mesmo neste contexto, quis o legislador promover mais uma alteração em sua legislação de regência, ou seja, na Lei Complementar nº 116/2003.
Promulgada no dia 24 de setembro de 2025 e publicada no dia seguinte, a Lei Complementar nº 218/2025 deu nova redação a um único dispositivo da LC nº 116/2003, com o propósito específico explicitar que o ISS, incidente sobre os serviços de guincho intramunicipal, de guindaste e de içamento, é devido no local da execução da obra.
Muito bem! Mas, para melhor compreensão dos impactos dessa mudança, é extremamente importante compreendermos como essas operações eram tributadas antes da edição da LC nº 218/2025.
O dispositivo legal que rege a matéria é o inciso III, do artigo 3º da LC nº 116/2003. Confira-se!
"Art. 3º - O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local: (...); III - da execução da obra, no caso dos serviços descritos no subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa;"
Portanto, antes da alteração, apenas os serviços construção civil (subitem 7.02) e acompanhamento e fiscalização da execução dessas obras (subitem 7.19) recolhiam o ISS no local de sua execução.
Com a edição da LC nº 218/2025, esse mesmo dispositivo legal passou a ter a seguinte nova redação:
"Art. 3º - O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local: (...); III - da execução da obra, no caso dos serviços descritos nos subitens 7.02, 7.19 e 14.14 da lista anexa;"
Note que a regra anterior é a mesma, porém com a inclusão no subitem 14.14 da lista de serviços!
Por conta disto, após a edição da LC nº 218/2025, também passam a recolher o ISS no local da execução da obra, os serviços de guincho intramunicipal, guindaste e içamento (subitem 14.14).
Mas como era antes, ou seja, como era a regra anterior?
Na redação pretérita, esses serviços recolhiam o ISS aos cofres do Município do local do estabelecimento prestador, o que, na grande maioria dos casos, correspondia ao local da sede da empresa, independentemente de onde os serviços fossem prestados.
Uma mudança extremamente radical, pois, na prática, o ISS que até então era recolhido no local da sede da empresa, agora passa a ser recolhido no local da execução da obra!
Então, em resumo, a situação atual é a seguinte:
Serviços de guindaste: ISS devido ao Município do local da execução da obra. Serviços de içamento: ISS devido ao Município do local da execução da obra. Serviços de guincho intramunicipal: ISS devido ao Município do local da execução da obra.
No caso dos serviços de guindaste e içamento, essa alteração até que faz algum sentido, pois realmente eles costumam ser executados em obras de construção civil. Entretanto, no caso dos serviços de guincho intramunicipal, a escolha dessa regra é, no mínimo, inadequada!
Realmente, pois no mundo dos negócios, os serviços de guincho vinculam-se basicamente a duas situações:
a) Guincho para elevação e movimentação de objetos pesados, inclusive em obras de construção civil; b) Guincho, como sinônimo de "reboque", para remoção e transporte de veículos que não podem se locomover por conta própria, seja devido a acidentes, falhas mecânicas, elétricas ou panes, levando-os a um local de conserto, residência ou, ainda, a qualquer outro destino indicado.
No primeiro caso, desde que os serviços sejam executados em obras de construção civil, a nova regra está perfeitamente adequada!
Porém, quando os serviços de guincho (reboque) estiverem relacionados com a remoção e transporte de veículos, a impropriedade da regra é notória, já que, nessa hipótese, não existe "local da execução da obra"!
Ora, se não existe "local da execução da obra", como então identificar o município competente para exigir esse ISS?
Será que essa incongruência resultará em uma desoneração tributária?
Em outras palavras, será que, a partir da edição da LC 218/2025, os serviços de guincho intramunicipal (reboque), vinculados a remoção e transporte de veículos, não precisam mais pagar ISS?
Tudo leva a crer que sim, pois, no caso específico dos serviços de guincho (reboque), essa nova regra, que define a competência tributária, é juridicamente inadequada e de aplicabilidade extremamente questionável.
Sobretudo porque, ao instituiu um critério ambíguo e inexequível - "local da execução obra" para um serviço que não tem obra -, gerou grande insegurança jurídica e, por conseguinte, inúmeros conflitos de competência entre os municípios.
A verdade é que, essa imprecisão na instituição da regra, aliada à falta de clareza, viola o princípio constitucional da segurança jurídica, ameaçando, inclusive, o próprio pacto federativo.
Aliás, recentemente, ao julgar a ADI 5835, o Supremo Tribunal Federal utilizou esses mesmos fundamentos, para declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da LC nº 157/2016, que transferiam a competência do ISS para o domicílio do tomador.
*José Antônio Patrocínio é Advogado, Consultor Tributário da Thomson Reuters, Professor de ISSQN em Cursos de Pós-graduação e Autor do Livro: "ISS - Teoria, Prática e Jurisprudência - 6ª Edição".