Base de cálculo do ISS nos serviços de construção civil - depois do vai e vem jurisprudencial, STJ vai uniformizar a sua interpretação da lei federal - José Antônio Patrocínio*
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça - STJ - produziu uma espetacular reviravolta em sua jurisprudência, ao redefinir a composição da base de cálculo do ISS, nos serviços de construção civil.
Para melhor compreensão dessa celeuma, é importante demonstrarmos, historicamente, como tudo transcorreu. Até meados de 2010, o Superior Tribunal de Justiça havia consolidado a sua jurisprudência no sentido de que a base de cálculo do ISS de construção civil é o custo integral do serviço, não sendo admitida a subtração dos valores correspondentes aos materiais empregados na obra.
Para demonstração dessa exegese, o destaque de apenas um julgado basta! Confira-se!
"TRIBUTÁRIO - CONSTRUÇÃO CIVIL - ISS - BASE DE CÁLCULO - DEDUÇÃO DOS MATERIAIS EMPREGADOS - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES. 1. A jurisprudência uniforme desta Corte é no sentido de que a base de cálculo do ISS é o custo integral do serviço, não sendo admitida a subtração dos valores correspondentes aos materiais utilizados e às subempreitadas. Precedentes. 2. Recurso especial não provido". (REsp n. 976.605/SP, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 5/3/2009, DJe de 2/4/2009.)"
Contudo, desde 2011, a Corte Superior reviu esse seu posicionamento e passou a admitir que os materiais empregados na obra de construção civil fossem deduzidos da base de cálculo do ISSQN.
O julgado destacado a seguir, foi um dos primeiros a registrar essa mudança de entendimento!
"TRIBUTÁRIO. ISSQN. CONSTRUÇÃO CIVIL. BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÃO DE VALORES REFERENTES AOS MATERIAIS EMPREGADOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DA SUPREMA CORTE. 1. O Supremo Tribunal Federal, no RE 603.497/MG interposto contra acórdão desta Corte, reconheceu a repercussão geral da questão posta a julgamento, nos temos do art. 543-B do CPC, e exarou decisão publicada em 16.9.2010, reformando o acórdão recorrido, com o seguinte teor: "Esta Corte firmou o entendimento no sentido da possibilidade da dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil. Precedentes". 2. A base de cálculo do ISS restou analisada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento acima, portanto, revejo o entendimento anterior, a fim de realinhar-me à orientação fixada pela Corte Suprema para reconhecer a possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil. 3. Como o agravante não trouxe argumento capaz de infirmar a decisão que deseja ver modificada, esta deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo regimental improvido". (AgRg no AgRg no REsp n. 1.228.175/MG, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 23/8/2011, DJe de 1/9/2011.)
Esse novo posicionamento foi se consolidando ao longo dos anos, tendo sido referendado, inclusive, pela Primeira Seção do STJ.
Eis os julgados:
"TRIBUTÁRIO - ISS - CONSTRUÇÃO CIVIL - BASE DE CÁLCULO - MATERIAIS EMPREGADOS - DEDUÇÃO - POSSIBILIDADE. 1. Alinhada à orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte reconhece a legalidade da dedução do custo dos materiais empregados na construção civil da base de cálculo do imposto sobre serviços (ISS). 2. Nos termos da Súmula 168 do STJ, não cabem embargos de divergência quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado. 3. Agravo regimental não provido". (AgRg nos EAREsp n. 113.482/SC, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª REGIÃO), Primeira Seção, julgado em 27/2/2013, DJe de 12/3/2013.)
"TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. ISS. SERVIÇOS DE CONCRETAGEM. MATERIAIS EMPREGADOS. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO EMBARGADO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 168/STJ. 1. Acórdão embargado que admitiu a possibilidade de dedução, da base de cálculo do ISS, do valor do serviço de concretagem prestado na construção civil, com fundamento no que foi decidido pelo Pretório Excelso, por ocasião do julgamento do RE 603.497/MG, de relatoria da Ministra Elen Gracie. 2. Estando o acórdão embargado em conformidade com a orientação jurisprudencial da Primeira Seção, incide, na espécie, o óbice de conhecimento estampado na Súmula 168/STJ. 3. Agravo regimental não provido". (AgRg nos EREsp n. 1.360.375/ES, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/12/2014, DJe de 16/12/2014.)
A par dessas premissas, fixadas pela Primeira Seção do STJ, todos os demais processos que os sucederam, sempre tiveram o mesmo desfecho!
Porém, no decorrer de 2023, essa interpretação da legislação federal, que aparentemente estava uniformizada, sofreu uma nova e surpreendente reviravolta!
Sob o argumento de que essa matéria - base de cálculo do ISS na construção civil - é exclusivamente infraconstitucional, a Corte Superior voltou a prestigiar a vetusta jurisprudência anterior, segundo a qual a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS.
O julgado a seguir, demonstra bem essa guinada na interpretação!
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. DECISÃO SURPRESA. INEXISTÊNCIA. ISS. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DOS MATERIAS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A valoração jurídica diversa, calcada nos fatos da causa, dada pelo magistrado à atividade empresarial da contribuinte não caracteriza decisão surpresa que justifique a anulação do julgado. 2. Esta Corte Superior há muito consolidou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. Precedentes. 3. O Supremo Tribunal Federal, ao proferir o primeiro julgamento do RE 603.497/MG (Tema 247 do STF), em 31/08/2010 (DJ 16/09/2010), decidiu reformar acórdão do STJ com fundamento no entendimento do Pretório Excelso sobre a "possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil". 4. A partir desse momento, esta Corte Superior, buscando alinhar a sua jurisprudência à referida decisão da Suprema Corte, começou a decidir naquele mesmo sentido, como se observa, a título de exemplo, no AgRg nos EAREsp n. 113.482/SC, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 27/2/2013, DJe de 12/3/2013. 5. Entretanto, mais recentemente, em 03/07/2020 (publicação da ata de julgamento em 13/07/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do art. 9º, § 2º, do DL n. 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil. 6. Diante desse último pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do seu Tema 247, há de voltar a ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema. 7. Hipótese em que a parte autora nem sequer alegou, muito menos comprovou, que comercializou de forma apartada os materiais empregados nos serviços de concretagem e submeteu o valor deles à tributação pelo ICMS, de modo que não faz jus à pretendida dedução da base de cálculo de ISS. 8. Recurso especial desprovido". (REsp n. 1.916.376/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 18/4/2023.)
Desde então, esse tem sido o entendimento da Corte Superior!
A par deste contexto histórico, a questão da composição da base de cálculo do ISS, na construção civil, pode ser resumida da seguinte maneira:
Até meados de 2011 as decisões do STJ não admitiam a dedução dos materiais fornecidos pelo prestador.
Porém, ao longo deste mesmo ano, a Corte Superior deu uma guinada em sua jurisprudência, passando a admitir a dedução dos materiais fornecidos pelo prestador. Isto perdurou até 2023, quando então ocorreu uma nova reviravolta! Surpreendentemente, começaram a surgir decisões inadmitindo a dedução dos materiais fornecidos pelo prestador.
Muito bem!
Mas, qual a catastrófica consequência deste vai e vem jurisprudencial?
Sem dúvida nenhuma, a famigerada insegurança jurídica, decorrente da mais absoluta imprevisibilidade das decisões judiciais. Deveras, pois, como vimos, primeiro não podia, depois podia e agora, novamente, não pode mais!
Um absurdo!
Ainda bem que, recentemente, o Ministro Teodoro Silva Santos, admitiu o processamento dos embargos de divergência, nos autos do Recurso Especial nº 2139698, a fim de que essa matéria seja novamente apreciada pela Primeira Seção, responsável por uniformizar a interpretação da legislação federal.
Para admissibilidade desses embargos, foi necessário comprovar que as duas Turmas, da Primeira Seção do STJ, haviam proferido decisões antagônicas acerca desse tema.
Acerca disto, a decisão do Ministro foi no seguinte sentido:
"De um lado, o acórdão embargado, ao examinar o que decidiu o Supremo Tribunal nos autos do RE n. 603.497/MG, entendeu que, "diante do último pronunciamento da Suprema Corte, não há dúvida de que deve voltar a ser prestigiada a então vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema", no sentido da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil. De outro lado, o acórdão paradigma (AgInt no AREsp n. 1.620.140/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/9/2020, DJe de 1°/10/2020), em sentido oposto, entendeu que "o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 603.497, em repercussão geral, asseverou ser possível deduzir, da base de cálculo do ISSQN, o valor referente aos materiais empregados na construção civil".
Em arremate, o Ministro sacramentou:
"Em juízo prelibatório, entendo que devem ser processados os presentes embargos de divergência, para oportuna análise da aparente discrepância entre os acórdãos embargado e paradigma, depois de devidamente ouvida a parte contrária e colhida a manifestação ministerial. Ante o exposto, ADMITO o processamento dos embargos de divergência".
Caberá, então, à Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça dirimir a seguinte questão: Os materiais fornecidos pelo prestador de serviços de construção civil, podem ser deduzidos da base de cálculo do ISS?
Vale lembrar que, essa decisão da Corte Superior, servirá de parâmetro também para os serviços de concretagem!
É aguardar para ver!
*José Antônio Patrocínio é Advogado, Consultor Tributário da Thomson Reuters, Professor de ISSQN em Cursos de Pós-graduação e Autor do Livro: "ISS - Teoria, Prática e Jurisprudência - 6ª Edição".