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Redata: Infraestrutura digital, dados e política tributária - Claudia Marchetti da Silva*

Sem dar os devidos créditos ao autor, dia desses eu li: "Os dados são o novo petróleo no mundo". Há pouco tempo atrás, eu diria que era um exagero. Hoje, com todas as devidas ponderações, entendo bem o que o autor desconhecido quis dizer. Os dados de cidadãos, empresas e governos passaram a ser um dos ativos mais relevantes na geração de riqueza das economias globais.

O impacto da tecnologia da informação na vida das pessoas está inaugurando o que já se convencionou chamar de Economia dos Dados. As empresas, antes avaliadas exclusivamente pelo seu potencial de faturamento, passaram a ter seu valor fortemente influenciado pela quantidade e qualidade de dados que armazenam, especialmente informações sobre consumidores e usuários. O efeito big data modificou a forma como o valor dos negócios é determinado. Dados deixaram de ser meros registros esquecidos em bancos de dados corporativos e passaram a ser moeda de troca em operações financeiras
[1].

A depender do modelo de negócio, os dados são otimizados e utilizados como fonte de receita, incremento dos lucros e maximização dos resultados. Seja com a inserção de novos produtos e funcionalidades, personalização do cliente ou como fonte para treinar padrões.

Se observarmos a lista das empresas mais valiosas do mundo hoje, vai notar que muitas delas têm, como principal ativo, exatamente isso: dados pessoais. Essa nova realidade se conecta com o avanço da inteligência artificial. Afinal, o aprendizado e o aprimoramento de algoritmos - estruturas matemáticas que simulam, em alguma medida, o raciocínio humano - dependem da absorção contínua de grandes volumes de informação. Quanto mais dados, mais inteligente tende a ser o sistema. E esse é um dos pontos que o interesse público se cruza com o interesse tecnológico

REDATA. O nome até parece coisa destartup, mas, na verdade, trata-se de um programa que prevê isenções de IPI,PIS/Cofins e imposto de importação sobre equipamentos por cinco anos, apresentado pelo Ministro da Fazenda durante agenda oficial nos Estados Unidos. A ideiacentral é fomentar a infraestrutura digital brasileira, mais especificamente, estimular a instalação e modernização de data centers no país. Segundo estimativas da própria Fazenda, a iniciativa pode atrair até R$ 2 trilhões em investimentos na próxima década.

Investir em data centers pode parecer uma escolha óbvia numa economia cada vez mais digitalizada. Mas nem tudo são boas notícias.

Atualmente, estima-se que existam cerca de 11.800 data centers em operação no mundo e esse número tende a crescer exponencialmente nos próximos anos. O problema é que essas estruturas estão longe de ser sustentáveis: abrigam dezenas de milhares de servidores, consomem enormes quantidades de energia elétrica e água, e geram poucos empregos diretos. Trata-se, portanto, de um setor com forte externalidade negativa, especialmente do ponto de vista ambiental, cujos custos muitas vezes não são assumidos por quem se beneficia diretamente da infraestrutura[2].

Entre 2017 e 2021, a eletricidade utilizada pelos principais provedores de computação em nuvem[3] comercialmente disponível, mais que dobrou. Segundo os dados, o consumo global de eletricidade dos data centers aumentou de 20% a 40% nos últimos anos e tende a chegar em 50% em 2030, atingindo entre 1% e 1,3% da demanda global de eletricidade e contribuindo com 1% das emissões de gases de efeito estufa relacionadas à energia em 2022. O uso da agua também é essencial no funcionamento dos data centers, tanto para ageração de eletricidade na rede energética quanto para os equipamentos de refrigeração[4]. Ou seja, o impacto pode ser significativo, sem que isso se converta, necessariamente, em desenvolvimento econômico inclusivo.

Contrariamente à intenção de isentar a atividade, apresença de externalidades negativas geralmente leva à necessidade de intervenção governamental para internalizar esses custos - seja por meio da imposição de impostos pigouvianos, seja através de regulamentações mais rígidas. Benefícios fiscais, como já tive oportunidade de desenvolver em outros comentários neste espaço, são excepcionalidades que se justificam, em regra, pela promoção do bem comum.

Mesmo tendo em conta os riscos envolvidos, há também uma dimensão estratégica que merece atenção: a soberania sobre os nossos próprios dados e a capacidade de armazená-los em território nacional. Em um mundo cada vez mais dependente da informação, garantir que essa infraestrutura esteja sob alguma forma de controle estatal, ou regulada localmente, pode ser um passo importante rumo à autonomia digital. É um tema delicado, que toca questões de geopolítica digital e segurança, mas talvez essa seja uma conversapara outro comentário.


[1]CAPPRA, Ricardo. O mercado dos dados pessoais. MIT Technology Review. 2020. Disponível emhttps://mittechreview.com.br/o-mercado-dos-dados-pessoais/ . Acesso em10 fev 2024.

[2] LUCCIONI, Sasha; JERNITE, Yacine;STRUBELL, Emma. Processamento faminto por energia: Watts impulsionando ocusto da implantação de IA?. Rio de Janeiro: Conferência ACM de 2024 sobreJustiça, Responsabilidade e Transparência, 2024. Disponível em:https://doi.org/10.1145/3630106.3658542.

[3]GARTNER. Gartner saysworldwide iaas public cloud services revenue grew 30% in 2022, exceeding $100billion for the first time. STAMFORD, Conn., July18, 2023. Disponívelem:https://www.gartner.com/en/newsroom/press-releases/2023-07-18-gartnersays-worldwide-iaas-public-cloud-services-revenue-grew-30-percent-in-2022-exceeding-100-billion-for-the-first-time.

[4] LUCCIONI, Sasha; JERNITE, Yacine;STRUBELL, Emma. Processamento faminto por energia: Watts impulsionando ocusto da implantação de IA?. Rio de Janeiro: Conferência ACM de 2024 sobreJustiça, Responsabilidade e Transparência, 2024. Disponível em:https://doi.org/10.1145/3630106.3658542.


 
*Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais".