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Com ou "Shein" imposto: Capítulo 2 - Claudia Marchetti da Silva*

Adquirir mercadorias em sites estrangeiros ficará mais caro com a provável aprovação do Projeto de Lei nº 914/24¹ que  prevê o fim da isenção do tributo de importação e a incidência de uma alíquota de 20% sobre o valor do produto.

Em abril do ano passado, publicamos nesta mesma seção o artigo "Com ou 'Shein' imposto?". Naquela ocasião, discutíamos as fraudes fiscais praticadas por sites estrangeiros, que se utilizavam indevidamente da isenção de impostos sobre remessas internacionais de até US$ 50, aplicável apenas para transações entre pessoas físicas. A operação comercial de venda descaracterizava esse tipo de importação, o que exigia a liberação formal como se fosse uma pessoa jurídica e podia configurar crime contra a ordem tributária.

 

De lá para cá as regras mudaram para melhor.

A Instrução Normativa nº 2.146, de junho de 2023, regulamentada pela Portaria Coana nº 130/2023, instituiu o Programa Remessa Conforme com o objetivo de conferir maior agilidade e previsibilidade ao fluxo do comércio exterior, bem como promover o cumprimento da legislação tributária e aduaneira. A adesão ao programa é voluntária e, além de garantir a certificação conforme os critérios definidos na norma, proporciona um benefício significativo: a redução a zero da alíquota de importação para compras de até 50 dólares destinadas a pessoas físicas. Isso inclui remessas de pessoas jurídicas para pessoas físicas, acrescentado o pagamento do ICMS.

Os resultados do programa foram positivos, trazendo mais equivalência e isonomia entre o comércio internacional e nacional ao garantir o recolhimento do ICMS e ao submeter vendedores internacionais a regras rígidas de fiscalização. De acordo com dados da Receita Federal, após a implementação do programa Remessa Conforme, a arrecadação de impostos sobre remessas atingiu R$ 700,5 milhões de agosto a dezembro de 2023, representando um aumento de cerca de 122% em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Se o Projeto de Lei for aprovado, é provável que ocorra uma redução no consumo de produtos importados, mas isso não implicará necessariamente um aumento no consumo interno, o que pode resultar em uma diminuição na arrecadação. Esses impactos não foram discutidos, tampouco mensurados e devem restringir, imediatamente, o poder de consumo das classes C e D.

Diferentemente do que possamos imaginar, as regras de importação por pessoa física da União Europeia são similares as brasileiras, embora possam variar dependendo do país de destino e do tipo de produto. Geralmente, as importações por pessoa física são sujeitas a impostos de importação, taxas alfandegárias e, em alguns casos, ao IVA. Para importações de produtos de consumo pessoal, como roupas, eletrônicos, normalmente são permitidas quantidades limitadas (150 euros para os tributos aduaneiros) sem a incidência de impostos, desde que esses produtos se destinem ao uso pessoal do importador e não para revenda.

O relator do projeto argumenta que a medida atende a uma demanda legítima do varejo brasileiro. No entanto, há dois pontos críticos a considerar.

Primeiro, não houve um debate público, planejamento e comunicação adequados que garantisse os efeitos pretendidos com o aumento da alíquota. Segundo, mesmo que o projeto seja aprovado e resulte em aumento de preços nas compras online em sites estrangeiros, os viajantes internacionais que trouxerem produtos na bagagem não serão afetados. A isenção continua válida para aqueles que se enquadram no conceito de bagagem acompanhada, respeitando o limite de US$ 1.000 para chegadas por via aérea ou marítima e US$ 500 para entradas por via terrestre. Os viajantes ainda podem adquirir até US$ 1.000 em produtos nas lojas duty-free dos aeroportos, com a cota sendo renovável mensalmente. Essa diferença de tratamento evidencia o cunho político da medida e a torna um tanto incoerente e nada isonômica.

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¹O projeto de lei trata, essencialmente do Mover, programa nacional de Mobilidade Verde e Inovação. O parecer do relator, no entanto, também prevê acabar com a isenção de compras internacionais abaixo de US$ 50.


 
*Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais.