Tributar lucros ou fortunas? - Claudia Marchetti da Silva*
Se tivéssemos um ranking de questões tributárias mais discutidas, seja em ambiente profissional, acadêmico ou na mesa de um bar, estaria no topo a formulação de um imposto sobre grandes fortunas ou, popularmente chamado de "taxação do super ricos".
Há fortes razões que justificam a importância do tema. Segundo o World Inequality Report (2022), a desigualdade de renda no Brasil está entre as mais altas do mundo. Os 10% mais ricos ganham mais da metade da renda total.
O relatório reconhece que desde a década de 2000, a desigualdade salarial foi reduzida no Brasil e milhões de pessoas saíram da pobreza, em parte graças a programas sociais. Ao mesmo tempo, critica a ausência de uma grande reforma tributária com impacto na distribuição geral da riqueza.
O Sistema Tributário Brasileiro marcado pela regressividade nos impostos indiretos, a ineficaz progressividade do imposto sobre a renda da pessoa física, a isenção tributária sobre a distribuição de lucros e dividendos, contribuem para a concentração de renda e, por conseguinte à injustiça tributária. A Reforma Tributária se concentrou em solucionar parte da complexidade do sistema, mas não resolveu (ao menos o texto aprovado) questões estruturais.
Entretanto, há de se notar um recente aprofundamento do debate quando a discussão sobre a instituição da exação, ultrapassou as barreiras do CPF dos multimilionários e bilionários e penetrou nos limites do CNPJ das corporações multinacionais.
De acordo com estimativas recentes, a alíquota média efetiva global do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas diminuiu de aproximadamente 30% na década de 1960, para cerca de 25% na década de 1980, e 18% em 2020.
Esta redução impacta diretamente nas receitas públicas e compromete a progressividade do rendimento do sistema fiscal, além de exercer uma pressão sobre a tributação do rendimento das pessoas físicas. Recentemente, o Ministro da Fazenda, defendeu em uma reunião do G20 uma taxação global mínima sobre as pessoas mais ricas do mundo.
Em outras palavras, quando a incidência do imposto sobre o lucro das grandes empresas é menor, há potencial chance de torná-la mais valiosa para seus sócios ou acionistas enriquecendo-os. Por esta razão, o imposto sobre a renda das pessoas jurídicas e o imposto sobre a renda das pessoas físicas são complementares e devem ser pensados de forma integral se quisermos alcançar uma justiça distributiva mais ampla.
Em junho de 2021, quase 140 países, incluindo o Brasil¹,acordaram que os lucros das multinacionais² estariam sujeitos a uma incidência mínima de 15%. O acordo sobre a tributação mínima eliminará os incentivos (alíquotas inferiores a 15%) oferecidos pelos países intitulados de paraísos fiscais: Irlanda, Luxemburgo, Suíça e Barbados, por exemplo.
O argumento de que "impostos sobre grandes fortunas", tanto para os indivíduos com grandes fortunas como para as grandes empresas multinacionais, vão estimular a evasão fiscal é fraco diante das modernas tecnologias e do avanço na troca de informações transfronteiriças.
Por fim, o relatório mencionado finaliza com uma importante conclusão: "Tributar as grandes corporações multinacionais não é um substituto para tributar os super ricos, mas um requisito para o fazer de maneira eficaz."
_________________________ ¹O Brasil ainda não regulamentou a matéria. ²Empresas com volume global de negócios superior a 750 milhões de euros
Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais.