ISS e as agências franqueadas dos correios - Decisão do STF - José Antônio Patrocínio*
Com o advento da Lei Complementar nº 116/2003, os serviços de franquia ou "franchising", que até então não eram tributados pelo ISS, foram inseridos expressamente no campo de incidência do imposto municipal.
Em termos práticos, significa dizer que, após essa importantíssima alteração legislativa, os Municípios estão autorizados a tributar, tanto os contratos de franquia, por enquadramento no subitem 17.08, quanto os serviços de agenciamento, corretagem e intermediação, deles decorrentes, por enquadramento no subitem 10.04.
Na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, essas hipóteses de incidência estão descritas da seguinte forma:
"10.04 - Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring)".
"17.08 - Franquia (franchising)".
Irresignada com essa nova situação, eis que, em meados de 2012, a Associação Nacional das Franquias Postais do Brasil - ANAFPOST -, propõe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 4.784 -, justamente em face do referido subitem 17.08, da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003.
Além desse subitem, a Associação pleiteou também a declaração de inconstitucionalidade do subitem 26.01.
Eis a sua descrição:
"26.01 - Serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, documentos, objetos, bens ou valores, inclusive pelos correios e suas agências franqueadas; courrier e congêneres".
Em resumo, a Associação sustentou que, nas hipóteses em questão, não se configura a materialidade "serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar" (art. 156, III, da CF/1988), que justifique a instituição desse imposto municipal, pelo que as regras em comento são inconstitucionais.
Contudo, após 10 anos de tramitação, em sessão virtual realizada no período de 01.09.2023 a 11.9.2023, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, conheceu parcialmente a Ação e, nessa parte, julgou-a improcedente, nos termos do voto do Relator, Ministro Luís Roberto Barroso.
Dentre os fundamentos para a referida decisão, destaque para o seguinte trecho:
"O item 17.08 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003 diz respeito à incidência do ISS sobre o contrato de franquia. Para o deslinde da controvérsia, é de se notar que se trata de contrato complexo, que envolve um feixe de obrigações do franqueador e do franqueado. Vale dizer, a franquia não abrange apenas a cessão do direito de uso de marca, mas também uma série de obrigações a serem prestadas por ambas as partes contratantes, tal como já previa a hoje revogada Lei de Franquia (Lei nº 8.955/1994) e que ainda estabelecem a atual Lei sobre o Sistema de Franquia Empresarial (Lei nº 13.966/2019) e a Lei de Franquias Postais (Lei nº 11.668/2008). Não por outra razão, esse contrato pode determinar que o franqueador efetue a publicidade do franqueado, forneça suporte técnico e realize o treinamento dos empregados do franqueado. Nesse sentido, a Lei nº 13.966/2019 prevê, inclusive, que esse treinamento não gera vínculo empregatício de tais empregados com o franqueador. Especificamente no tocante à franquia postal, o art. 4º, V e VIII, da Lei nº 11.668/2008, prescreve a obrigatoriedade de o franqueado prestar contas à ECT e a possibilidade de esta fiscalizar o franqueado. Por todos os lados pelos quais se analise tal contrato, verifica-se que ele envolve obrigações de dar e de fazer".
Feitas essas considerações, o Ministro Relator lembrou que esse tema - incidência do ISS nos serviços de franquia - não é algo novo no STF, sendo que, por ocasião do julgamento do RE 603.136 (com repercussão geral, Tema 300), sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, firmou-se o entendimento de que tal incidência é constitucional.
Naquele julgado, o principal argumento foi o de que: "não condiz com a realidade atual das trocas comerciais pretender que a relação estabelecida em decorrência de um contrato de franquia - refiro-me, é claro, à relação interna entre franqueador e franqueado - resuma-se a uma simples cessão de direitos, sem qualquer forma de prestação de serviços, como pretendem fazer crer os que defendem a tese da não incidência de ISS. Isso simplesmente não é correto. O contrato de franquia inclui, sim, uma prestação de serviço passível de sofrer incidência do imposto municipal. Há, nesse liame contratual, inegável aplicação de esforço humano destinado a gerar utilidade em favor de outrem (o franqueado). O vínculo contratual, nesse caso, não se limita a uma mera obrigação de dar nem à mera obrigação de fazer. [...] Sendo assim, não vejo razão para afastar a incidência do ISS na espécie".
Para concluir, o Relator fez questão de consignar que: "À época do julgamento, acompanhei o Relator, Min. Gilmar Mendes. Mantidas as condições de fato e de direito, não vejo fundamento para divergir do entendimento prevalente sobre o tema. Assim, reitero a posição pela constitucionalidade da incidência do ISS sobre o contrato de franquia postal, por estar configurada a materialidade "serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar" (art. 156, III, da CF/1988)".
No tocante ao subitem 26.01, o Ministro não conheceu da ação, sob o argumento de que, se a inconstitucionalidade existir, esta será meramente reflexa.
Como tese do julgamento, por fim sacramentou:
"É constitucional a cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre a franquia postal."
Ainda com relação ao voto do Ministro Relator, destaque para a seguinte citação dele:
"Saliente-se, de qualquer modo, que, se as entidades franqueadas não realizam os serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, não se configura o fato gerador da hipótese tributária e, portanto, o ISS não é devido".
Como dito anteriormente, essa decisão do STF foi por maioria de votos, vencidos parcialmente os Ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber (Presidente) e Gilmar Mendes.
Para eles, a melhor solução seria a seguinte:
"Por todo o exposto, conheço desta Ação Direta de Inconstitucionalidade e julgo parcialmente procedente o pedido para (i) declarar a constitucionalidade do item 17.08 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 e (ii) para conferir interpretação conforme à Constituição ao item 26 e ao subitem 26.01 da lista de serviços anexo à Lei Complementar 116/2006 de modo a que, em relação às agências franqueadas dos correios, somente incida o ISSQN sobre os serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, documentos, objetos, bens ou valores que não sejam considerados serviços postais.
José Antônio Patrocínio é Advogado, Consultor Tributário da Thomson Reuters, Professor de ISSQN em Cursos de Pós-graduação e Autor do Livro: "ISS - Teoria, Prática e Jurisprudência - 6ª Edição".