Decisoes.com.br - Jurisprudência Administrativa e Judiciária, Decisões de dezenas de Tribunais, STF, STJ, TRF, TIT, Conselhos de Contribuintes, etc.
Usuários
Lembrar usuário
Lembrar senha

Pesquisar em
Doutrina
Boletins
Todas as Áreas
Áreas Específicas
Tribunais e Órgãos abrangidos
Repercussão Geral (STF)
Recursos Repetitivos (STJ)
Súmulas (STF)
Súmulas (STJ)
Matérias Relevantes em Julgamento


Localizar nessa página:   
 

ISS e os serviços de hospedagem - Decisão do STF - José Antônio Patrocínio*

Os serviços de hospedagem, desde os primórdios da tributação, sempre estiveram no campo de incidência do ISSQNº Na origem, Decreto-lei nº 406/1968, constavam, inclusive, em dois itens da lista. Vamos conferir:
"XIX - Locação de espaço em bens, imóveis a título de hospedagem".
XXI - Hospedagem em hotéis, pensões e congêneres, exceto o fornecimento de alimentação, bebidas a outras mercadorias quando não incluídas no preço da diária ou mensalidade".
No ano seguinte, com a edição do Decreto-lei nº 834/1969, houve uma unificação e descrição ficou da seguinte maneira:
"39. Hospedagem em hotéis, pensões e congêneres (o valor da alimentação, quando incluído no preço da diária ou mensalidade, fica sujeito ao imposto sobre serviços)".
Alguns anos depois, já na vigência da Lei Complementar nº 56/1987, o texto permaneceu praticamente inalterado:
"99. Hospedagem em hotéis, motéis, pensões e congêneres (o valor da alimentação, quando incluído no preço da diária, fica sujeito ao Imposto sobre Serviços)".
Na versão atual, dada pela Lei Complementar nº 116/2003, o legislador não economizou palavras, descrevendo as hipóteses de incidência de forma pormenorizada. Eis o dispositivo legal:
"9.01 - Hospedagem de qualquer natureza em hotéis, apart-service condominiais, flat, apart-hotéis, hotéis residência, residence-service, suite service, hotelaria marítima, motéis, pensões e congêneres; ocupação por temporada com fornecimento de serviço (o valor da alimentação e gorjeta, quando incluído no preço da diária, fica sujeito ao Imposto Sobre Serviços)".
A par desse contexto legal, lá na década de 80, o mestre Bernardo Ribeiro de Moraes, em sua consagrada obra, "Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços", já alertava para o fato de que "a atividade onerada pelo ISS não é a locação de bem imóvel em si, mas de espaço em bem imóvel com a finalidade única de dar hospedagem.
Sendo assim, ao longo dos últimos 50 anos, os prestadores desses serviços sempre recolheram o ISS, sem questionamentos quanto a constitucionalidade dessa exação.
Contudo, em meados de 2017, eis que a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH Nacional), propõe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 5764 -, justamente em face do referido subitem 9.01, da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003.
Suas razões foram resumidas nos seguintes termos:
"a) A instituição do ISS pelos municípios deve respeitar a regra matriz de incidência tributária, prevendo inclusive os critérios material e quantitativo;
b) Tais critérios são interligados e indissociáveis e, em relação ao ISS, significa que a base de cálculo deve corresponder exatamente à quantificação econômica do serviço prestado;
c) Segundo o direito civil, serviços são obrigações de fazer e locações são obrigações de dar, sendo eles inconfundíveis, o que deve ser levado em consideração para fins tributários, nos termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional;
d) Grande parte das receitas obtidas pelas empresas do setor hoteleiro se referem à locação de quartos, cujo valor está inserido no preço da diária;
e) Em razão da impossibilidade do ISS incidir sobre locações, o imposto não pode gravar a totalidade das receitas advindas das diárias pagas por hóspedes, mas apenas a parcela referente aos serviços prestados excluindo a parcela relativa à locação do imóvel da unidade habitacional propriamente dita".
Feitas essas considerações, conclui:
"Portanto, a Lei Complementar 116/2003, subitem 9.01 da sua lista anexa, ao incluir a totalidade do valor da hospedagem na base de cálculo do ISS, sem que seja decotada a parcela relativa à locação da unidade habitacional, incide em notória inconstitucionalidade conforme explanação anterior."
Sopesados esses argumentos, em sessão virtual realizada no período de 22.9.2023 a 29.9.2023, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, conheceu da ação direta de inconstitucionalidade e julgou-a improcedente, nos termos do voto do Relator, Ministro André Mendonça.
Dentre os fundamentos para a referida decisão, destacamos o seguinte trecho:
"Nesse sentido, a despeito do notável esforço argumentativo da associação requerente, não há o que se confundir entre a relação negocial de hospedagem e o contrato de locação de bem imóvel. Veja-se o escólio de Gladston Mamede a esse respeito:
"Numa relação negocial de hospedagem, encontramos um contrato no qual alguém se compromete a hospedar outrem, a dar-lhe abrigo. Como se constata com facilidade, começamos pela relação mais elementar, na qual se poderiam elencar os seguintes elementos: (1) o hospedeiro, (2) o hóspede, (3) a obrigação de abrigar (o que pressupõe um local adequado para tanto), e (4) um acordo de vontade. Em dinâmica, temos, minimamente, uma relação negocial na qual um sujeito assume a função de hospedeiro por aceitar abrigar alguém (o hóspede).
(...).
Há, portanto, um contrato de hospedagem remunerado (ou oneroso) quando um sujeito (o hospedeiro) acolhe (hospeda) alguém (o hóspede) em troca de qualquer produto ou mercadoria ou mesmo quando o hóspede oferece-se para, em troca da hospedagem, prestar um serviço.
De qualquer forma, seja em função do tipo de pagamento, seja em função do tipo de acolhida (hospedagem) que é contratado, é fundamental que as pessoas, que os bens e as obrigações assumidas não estejam arranjados sob forma que transfira o fato para o âmbito de outra regulamentação jurídica, como a locação ou o contrato de trabalho com fornecimento de alojamento, entre outras situações possíveis (...) É fundamental não confundir os contratos de hospedagem e de hotelagem com o contrato de locação. Tanto na hospedagem, quanto na hotelagem, contrata-se o abrigo do hóspede e, conforme o caso, serviços complementares para garantir e otimizar tal acolhida; já no contrato de locação, contrata-se a cessão do direito de uso (ius utendi) e, em parte (creio), do direito de gozo e fruição (ius fruendi) de uma coisa (res fundum). O locador está obrigado a permitir a utilização plena da coisa (móvel ou imóvel), ao passo que o hoteleiro (e o hospedeiro, mais amplamente) está obrigado a um comportamento (a um fazimento): acolher, abrigar. São situações diferentes, submetidas a tratamentos jurídicos diversos.
(...)
Em fato, como procurei demonstrar anteriormente, há uma distinção nítida entre ambos os negócios; acrescente-se, por ser relevante, que os contratos locativos, mormente os residenciais, estão protegidos pela legislação específica (a Lei do Inquilinato), constituída com base na ideia de proteção ao inquilino (via de regra, famílias que fazem do bem locado seu lar), numa visível política de proteção social. Essas circunstâncias não estão presentes nos hotéis, mesmo quando se tem uma contratação por largo tempo, ainda que o pagamento, justamente em função disso, seja calculado por fórmula diferente daquela utilizada para o cálculo das diárias (ou seja, por pagamentos semanais, quinzenais ou mensais). Afinal, o usuário do hotel beneficiasse, sempre, da estrutura de hotelaria, de sua maior segurança, de detalhes como uma portaria e recepção, como unidades habitacionais diferidas, onde verifica-se maior movimentação, maior variação de vizinhança, ausência de situação familiar, etc (...) O contrato de hospedagem, portanto, não constitui mero contrato de locação de leito ou de quarto, mas um contrato distinto, com rótulo próprio, a implicar um conjunto de obrigações inconfundíveis. E para aquele que o contrato com fins comerciais (visando à contraprestação do hospedado), deve estar atento para a amplitude de suas obrigações
mínimas".
Após essa necessária distinção, entre o contrato de hospedagem e o contrato de locação de um bem imóvel, o Ministro ponderou ainda que:
a) de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o ISS incide sobre atividades que representem tanto obrigações de fazer quanto obrigações mistas, que também incluem uma obrigação de dar;
b) o progressivo incremento das atividades enquadráveis como hospedagem de qualquer natureza, desde o Decreto-Lei nº 406/1968, em suas múltiplas redações, até a Lei Complementar nº 116, de 2003, não depõe em favor da tese jurídica da associação requerente;
c) é indevido decotar a base de cálculo do tributo municipal com a finalidade de excluir a parcela referente à locação da unidade habitacional.
Por fim, sacramentou:
"Por todas essas razões, sob qualquer ângulo que se olhe, não visualizo inconstitucionalidade no objeto ora atacado. Dessa maneira, compreendo que o pleito vertido na peça inaugural desta ação direta de inconstitucionalidade não merece acolhida".
Ainda com relação ao voto do Ministro André Mendonça, destacamos outras duas importantes citações:
Primeiro o registro de que o próprio Poder Judiciário tem balizado a atuação do Fisco municipal, ao identificar a ocorrência de fato tributável somente em hipóteses nas quais os serviços prestados pelo contribuinte sejam típicos de albergaria.
Para ilustrar esse entendimento, foram mencionados os seguintes precedentes:

"TRIBUTÁRIO. ISS. LOCAÇÃO DE UNIDADE SITUADA EM APART-HOTEL. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE HOTELARIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DE FATO TRIBUTÁVEL. I - A hipótese dos autos é de imóvel situado em apart-hotel que foi confiado a imobiliária, para que, em nome do proprietário, o cedesse em locação, entendendo o recorrente que sobre essa relação locatícia incide o ISS, porquanto aos locatários ocupantes são oferecidos serviços típicos de hospedagem em hotéis. II - O proprietário do imóvel e a imobiliária que o representa não são responsáveis pelo ISS referente aos serviços prestados pela administradora das unidades de apart-hotel, porquanto aqueles encerram simples relação de locação com os ocupantes do imóvel, sendo imperiosa a anulação do auto de infração lavrado pelo recorrente. III - Recurso especial improvido." (REsp nº 457.499/DF, Rel. Minº Francisco Falcão, Primeira Turma, j. 06/12/2005, p. 13/02/2006).

"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQNº APART-HOTEL. IMOBILIÁRIA. NÃO-INCIDÊNCIA. 1. A simples leitura do acórdão deixa claro que a recorrida desempenha um único papel, o de imobiliária. 2. É certo que não incide ISSQN nas operações relativas a locação de bens imóveis, seja porque não há previsão específica na lei (para bens imóveis), seja porque o conteúdo do contrato de locação é incompatível com o conceito de "prestação de serviços", elemento material (constitucionalmente definido) daquele tributo. Precedente. 3. Acolher o argumento sustentado no especial no sentido de que a empresa recorrida é prestadora de serviços de hospedagem, e não imobiliária, esbarraria no óbice da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, porquanto se faz necessário o reexame dos fatos e das provas produzidas nos autos. 4. Recurso especial não-provido." (REsp nº 952.159/SP, Rel. Minº Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 16/9/2008, p. 29/10/2008).

A segunda citação do Ministro Relator, que também merece destaque, diz respeito ao fato do Superior Tribunal de Justiça - STJ -, cumprindo sua missão constitucional de uniformizar a interpretação da legislação federal, tem por assente que todas as parcelas que integram o preço do serviço de hotelaria compõem a base de cálculo do ISS.
Para convalidar essa assertiva, também foram citados os seguintes precedentes:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. MANDADO DE SEGURANÇA. ISS. SERVIÇOS DE HOTELARIA. INCIDÊNCIA. 1. O acórdão recorrido analisou todas as questões necessárias ao desate da controvérsia, só que de forma contrária aos interesses da parte. Logo, não padece de vícios de omissão, contradição ou obscuridade, a justificar sua anulação por esta Corte. Tese de violação do art. 535 do CPC repelida. 2. Todas as parcelas que integram o preço do serviço de hotelaria compõem a base de cálculo do ISS. Logo, não há falar em exclusão do valor relativo à hospedagem, uma vez que expressamente constante da lista de serviços anexa à LC nº 116/2003. Precedente: EDcl no REsp 885.014/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 17.11.2009. 3. Recurso especial não provido." (REsp nº 1.135.221/SC, Rel. Minº Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 23/11/2010, p. 02/12/2010).

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ISS. SERVIÇOS DE HOTELARIA. INCIDÊNCIA. 1. Todas as parcelas que integram o preço do serviço de hotelaria compõem a base de cálculo do ISS. Logo, não há falar em exclusão do valor relativo à hospedagem, pois está consta expressamente da lista de serviços anexa à LC nº 116/2003. Precedente. 2. Agravo regimental não provido." (AREsp nº 165.619-AgRg/SC, Rel. Minº Castro Meira, Segunda Turma, j. 26/02/2013, p. 05/03/2013).

"PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ERROR IN PROCEDENDO - JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL JÁ JULGADO - NOVO JULGAMENTO - ADEQUAÇÃO AOS LINDES DA DEVOLUTIVIDADE - TRIBUTÁRIO - PROCESSO CIVIL - ISSQN - SERVIÇO DE HOTELARIA - TRIBUTAÇÃO DOS SERVIÇOS TERCEIRIZADOS - INCLUSÃO NO PREÇO - INCIDÊNCIA - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. QUESTÃO CONSTITUCIONAL - PREQUESTIONAMENTO - INCOMPETÊNCIA. 1. Reconhecido o error in procedendo em julgamento que decidiu irresignação já julgada por esta Corte, procede-se a novo julgamento atento aos lindes da devolutividade do novo recurso especial. 2. Exclusão dos itens 1, 2 e 3 do acórdão embargado. 3. Compõe a base de cálculo do ISSQN todas as parcelas que integram o preço do serviço de hotelaria, nele incluídos tinturaria, lavanderia e despesas telefônicas cobradas pelo hotel do hóspede. "Salvo nos casos previstos na Lei, as parcelas dos custos da prestação do serviço não são excluídas da base de cálculo." (REsp 982.952/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/10 /2008, DJe 16/10/2008) 4. Divergência jurisprudencial prejudicada. Precedentes da Corte no sentido do acórdão recorrido. Aplicação da Súmula 83/STJ. 5. Embargos de declaração parcialmente providos para conceder efeito infringente ao acórdão embargado no sentido de negar provimento ao recurso especial do contribuinte." (REsp nº 885.014-EDcl/RS, Rel. Minº Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 03/11/2009, p. 17/11/2009).

Portanto, fixadas essas premissas, podemos concluir que:
1 - é constitucional a incidência do ISSQN nos serviços de hospedagem, descritos no subitem 9.01, da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003;
2 - o ISS só incide em hipóteses nas quais os serviços prestados pelo contribuinte sejam típicos de albergaria (contrato no qual alguém se compromete a hospedar outrem, ou seja, dar-lhe abrigo);
3 - Todas as parcelas que integram o preço do serviço de hotelaria, compõem a base de cálculo do ISS.

 
José Antônio Patrocínio é Advogado, Consultor Tributário da Thomson Reuters, Professor de ISSQN em Cursos de Pós-graduação e Autor do Livro: "ISS - Teoria, Prática e Jurisprudência - 6ª Edição".