Arbitragem tributária no Brasil a la portuguesa - Claudia Marchetti da Silva*
Estreitamos, ainda mais, as relações e a cooperação jurídica entre Brasil e Portugal com a possibilidade de aprovarmos uma lei de arbitragem tributária no Brasil.
O anteprojeto de lei ordinária foi apresentado há exato um ano pelo Relatório Final da Comissão de Juristas responsável pela elaboração de proposições legislativas que dinamizem, unifiquem e modernizem o processo administrativo e tributário nacional. Desde lá, as discussões se intensificaram e Portugal tornou-se uma referência por ter implementado este método alternativo de resolução de conflitos desde 2011.
Uma reforma do contencioso administrativo de 2002-2004 criou a possibilidade de centros de arbitragem em matéria administrativa no país irmão, mas foi com a crise de 2008 e o início da Troika em 2009, que a implementação de um sistema de arbitragem fiscal foi colocado como condição de resgate financeiro pela União Europeia.
Os objetivos que justificaram a instituição do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em Portugal, coincidem com as razões pelas quais pleiteamos uma reforma no contencioso tributário brasileiro, ou seja, precisamos reforçar a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos e ao mesmo tempo imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios com o fim de reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais.¹
A arbitragem tributária, para ser eficaz e justa, deve criar mecanismos de vigilância constante à aplicação dos princípios da imparcialidade, celeridade e flexibilidade processual, igualdade das partes, observância do contraditório, boa-fé, transparência e publicidade das decisões arbitrais.
O anteprojeto para a arbitragem tributária no Brasil, embora com alguma inspiração no regime português, distinguem-se em diversos aspectos, entre os quais: critérios de seleção de matérias as quais poderão ser levadas à arbitragem tributária ou aduaneira; as fases processuais, administrativas ou judiciais; as regras para escolha da câmara de arbitragem; as regras para escolha, indicação e impugnação do árbitro, ou dos árbitros; os critérios para fixação de honorários e a possibilidade excepcional de arbitragem ad hoc² embora a preferência seja institucional.
A resolução de um litígio tributário no centro de arbitragem em Portugal tem uma média de 6 meses. A promessa é que no Brasil este prazo seja, no máximo, de 2 (dois) anos.
Nos termos do regime português em vigor a Autoridade Tributária (leia-se Receita Federal ou Secretaria de Fazenda no Brasil) está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais, através de uma Portaria, para litígios até 10.000.000 (dez milhões de euros) abrangendo todos os impostos com algumas poucas exceções.
Isso significa que se o contribuinte optar por levar o litígio ao tribunal arbitral, a Autoridade Tributária não poderá abster-se.
A forma de designação dos árbitros diferencia-se pelos custos financeiros e são sempre determinados pelo valor da causa. No caso de designação por sorteio aleatório, os custos são mais baixos. Se a designação dos árbitros for por escolha das partes os custos serão mais elevados.
Os árbitros são escolhidos entre pessoas de comprovada capacidade técnica, idoneidade moral e sentido de interesse público. Devem ser juristas com pelo menos 10 anos de comprovada experiência profissional na área do direito tributário e não podem exercer funções ou ser agentes da autoridade tributária há pelo menos dois anos. Podem ser auditores, consultores ou exercer advocacia, desde que não sejam mandatários ou não integrem escritório de advogados em que um dos seus membros seja mandatário em qualquer processo arbitral tributário pendente.
À Portuguesa ou à brasileira, a arbitragem tributária não é, e nem será um sistema perfeito. Não se trata de um meio de prevenção de litigância (tema que merece o maior espaço na reforma do contencioso brasileiro), é sim um meio alternativo aos tribunais e, portanto pode ser uma alternativa a alta litigiosidade no Brasil se conseguirmos ultrapassar os desafios de aprimorar das normas reguladoras e as resistências institucionais.
_________________________ ¹O contencioso administrativo e judicial brasileiro na esfera tributária somou 75% do PIB em 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/contencioso-tributario-alcancou-75-pib.pdf ²Cooperação entre partes; designação de um árbitro ou árbitros; resolução do litígio sem a supervisão institucional; definição das suas próprias regras processuais aplicáveis.
Claudia Marchetti da Silva advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais.