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CARF afasta incidência do PIS e da COFINS sobre ajustes de preços de transferência - Paulo Coviello Filho - Jucimara dos Santos Santana


No dia 17.5.2016, a 2ª Turma Ordinária, da 4ª Câmara, da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), julgou, por meio do acórdão n. 3402-003072, interessante controvérsia sobre a incidência da contribuição ao PIS e da COFINS, no regime não cumulativo, sobre ingressos financeiros auferidos por pessoa jurídica e consignados em notas de crédito internacional emitidas por pessoa jurídica vinculada sediada no exterior, em razão de ajustes relacionados à legislação de preços de transferência.

No caso em comento, a pessoa jurídica autuada detinha contrato firmado com pessoa jurídica vinculada [1] sediada no exterior (Finlândia), para "distribuição de hardware, software e serviços no território brasileiro", por meio do qual a contribuinte em questão adquiriu bens que seriam vendidos no território nacional. Por se tratar de negócio jurídico com pessoa vinculada, tanto a pessoa jurídica brasileira quanto a pessoa jurídica sediada na Finlândia estavam sujeitas às normas de preço de transferência nas respectivas jurisdições.

Grosso modo, as normas de preço de transferência estabelecem controles sobre os preços praticados em operações comerciais ou financeiras realizadas entre partes relacionadas, sediadas em diferentes jurisdições tributárias, ou quando uma das partes está sediada em paraíso fiscal ou ainda na hipótese de operações realizadas junto a pessoas jurídicas submetidas a regime fiscal privilegiado. Tendo em vista a possibilidade de prática de preços artificialmente estipulados, inclusive com o intuito de se obter vantagens fiscais, a legislação estabelece determinados controles a serem observados nessas operações.

Nesse contexto, e conforme relato do acórdão, o preço praticado nas operações mercantis era definido segundo as normas aplicáveis à pessoa jurídica sediada na Finlândia. Ocorre que os preços definidos segundo as referidas normas superavam consideravelmente os preços parâmetro definidos segundo a legislação brasileira de preços de transferência para fins de dedutibilidade de custos na apuração do lucro real (base de cálculo do IRPJ) e da base de cálculo da CSL.

Essa diferença de preço tornava a operação inviável sob o ponto de vista econômico, onerando o negócio e inviabilizando a manutenção da prática comercial. Por este motivo, as partes estipularam que a pessoa jurídica sediada na Finlândia emitiria notas de crédito em favor da pessoa jurídica sediada no Brasil com objetivo de recompor os custos decorrentes destas aquisições. Tratava-se, como se vê, de ajuste negocial, voltado a diminuir os efeitos da aplicação, em ambos os países, de normas de controle de preços de transferência.

Em suma, essas notas de crédito representavam a diferença entre o preço praticado nas transações, o qual era definido segundo as normas de preços de transferência aplicáveis à pessoa jurídica sediada na Finlândia, e o valor admitido como preço parâmetro, para efeito de dedutibilidade perante o IRPJ e a CSL, nos termos da legislação brasileira de preços de transferência. O intuito, portanto, era recompor o custo de aquisição para a pessoa jurídica brasileira.

Pois bem. A fiscalização lavrou o auto de infração com base no entendimento de que os valores consignados nas notas de crédito em questão representavam receitas da pessoa jurídica brasileira, as quais seriam tributáveis pela contribuição ao PIS e pela COFINS, no regime da não cumulatividade, nos termos do art. 1°, parágrafo 1°, das Leis n. 10637, de 30.12.2002, e 10833, de 29.12.2003.

A defesa traçada pelo contribuinte procurou demonstrar que essas notas visavam tão somente ajustar os preços praticados nas transações, levando em consideração as normas de preço de transferência, sendo que tais mecanismos culminam na preservação da margem de lucro da pessoa jurídica brasileira (contribuinte). Em resumo, portanto, a defesa sustentou que os créditos recebidos possuem a natureza de recuperação de custo, não configurando receitas da pessoa jurídica e, consequentemente, não sendo tributáveis pelas contribuições em foco.

A 1ª Instância Administrativa manteve o crédito tributário exigido, usando como base as premissas da fiscalização, no sentido de que os valores configurariam receitas da pessoa jurídica. Em face de tal decisão, o contribuinte interpôs recurso voluntário e a Fazenda Nacional apresentou suas contrarrazões. Foi diante desse cenário que a 2ª Turma Ordinária, da 4ª Câmara, da 3ª Seção CARF proferiu interessante manifestação, em julgamento decidido por maioria.

Após fazer considerações sobre a legislação de preço de transferência e sobre o contrato firmado entre as partes, o voto condutor da decisão, de lavra do Conselheiro Relator Carlos Augusto Daniel Neto, concluiu que os valores em questão não seriam tributáveis pelas contribuições em foco. De fato, o Relator analisou a atual redação do art. 1°, parágrafo 1°, das Leis n. 10637 e 10833, considerando as alterações promovidas pela Lei n. 12973, de 13.5.2014, e entendeu que os valores em comento não seriam tributáveis. Confira-se trecho do voto:

"Ora, em primeiro lugar, há que se observar que não se trata de receita tributável pelas contribuições em comento, nos termos do art.1º, §1º da Lei 10.833 e 10.637:(...)Vejamos o segundo item, relativo aos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art.183 da Lei 6.404/76 que se refere apenas aos elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor presente, sendo os demais elementos ajustados quando houver efeito relevante.Quanto à primeira espécie de receita tributável, há que se reproduzir o conteúdo do art.12 do Decreto-Lei nº1.598/77:(...)A legislação é expressa em limitar a incidência às chamadas receitas operacionais, descritas no artigo acima.As notas de crédito analisadas não se adequam aos incisos I e II, por não serem produto de venda de bens ou prestação de serviços. Além disso, não se subsume ao inciso III por não se tratar de resultado auferido em operações de conta alheia.Quanto ao inciso IV, mais amplo que os demais, tampouco pode fundamentar a incidência, haja vista que as notas de crédito não são receitas da atividade ou objeto principal da empresa, mas simples meios financeiros de realizar o ajuste dos preços de transferência.A jurisprudência é farta de exemplos de rechaço a tentativas de ampliação do conceito de receita tributável pelas contribuições para atingir receitas não operacionais, para além das hipóteses da legislação.Ainda que se considere subsumível ao conceito de receita tributável pelas contribuições do PIS e COFINS, esses valores deveriam ser excluídos da base de cálculo, como se demonstrará adiante."

Adiante, o voto condutor, prestigiando a tese de defesa, consignou que os valores em questão, objeto das notas de crédito emitidas pela pessoa jurídica sediada no exterior, possuíam a natureza de recuperação de custo e, consequentemente, não representariam receitas da pessoa jurídica, o que afastaria a tributação pelas contribuições em foco. Nas palavras do voto proferido pelo Relator, "o que se verifica, no caso, é a presença de uma forma análoga de bonificação a Nota de Crédito opera como um redutor de custos".

Nessa linha, o voto condutor afirma que para que as referidas notas de crédito tenham natureza de bonificação é preciso que elas sejam caracterizadas como descontos incondicionais, atendendo aos requisitos da Instrução Normativa SRF n. 51/78, quais sejam, (i) constar na nota fiscal de venda e (ii) não depender de evento posterior à emissão do documento.

Sobre o requisito (ii) acima, o acórdão afirma que o fato de a emissão das notas de crédito decorrer de expressa previsão contratual comprova o seu caráter incondicionado, visto que no exato momento da operação as partes já sabiam que a pessoa jurídica sediada na Finlândia deveria emitir a nota de crédito, pois nesse momento já era sabido o preço praticado - calculado conforme a legislação finlandesa de preços de transferência - e o preço parâmetro - calculado de acordo com as normas brasileiras de preços de transferência -, sendo a diferença objeto das notas de crédito.

Quanto ao requisito (i), o acórdão relativizou tal necessidade, afirmando que a existência de prova que vincule a bonificação à aquisição é suficiente para conferir os efeitos tributários decorrentes do desconto incondicional. No caso em tela, a vinculação foi comprovada por todo o conjunto probatório colacionado pela recorrente, que comprovou não só a vinculação dos valores constantes das notas de crédito com as notas fiscais de aquisição, mas também a contabilização desses valores como redutores de custo de forma individual para cada item adquirido.

Com base nessas observações, o voto condutor deu provimento ao recurso voluntário da contribuinte para cancelar as exigências fiscais discutidas no processo.

O Conselheiro Antônio Carlos Atulim acompanhou o Relator apenas em suas conclusões, optando por fazer uma declaração de voto para reproduzir os fundamentos por ele adotados na ocasião. Inicialmente, o Conselheiro afirmou não concordar com a conclusão do voto condutor quanto à natureza das notas de crédito como bonificações. Na visão deste Conselheiro, os valores em questão representam receitas da pessoa jurídica. A não tributação, contudo, estaria fundamentada em outras razões.

No entendimento do Conselheiro Antônio Carlos Atulim, a partir de uma interpretação histórica da legislação das contribuições em foco, bem como do próprio art. 1°, parágrafo 1°, das Leis n. 10637 e 10833, em sua redação original, "o legislador nunca pretendeu incluir as receitas não operacionais nas bases de cálculo do PIS e COFINS e se existe previsão expressa de exclusão dessas receitas nas leis que instituíram as contribuições não cumulativas, é incabível a pretensão da fiscalização tributá-las." Destarte, no entender do ilustre conselheiro, tais receitas não são objeto de tributação, porque não são receitas operacionais, visto que derivam de causa distinta daquela constante no objeto social da empresa, sendo infundada a tentativa da fiscalização de inserir esses valores na base de cálculo das contribuições em análise.

Também afirmou que o rol de exclusões das receitas não operacionais previsto no parágrafo 3° do art. 1° das Leis n. 10637 e 10833 não é exaustivo, pois o legislador, no momento da elaboração da norma, não tem condições de prever todas as hipóteses de receitas não operacionais que podem se apresentar no mundo real, de forma que toda e qualquer receita não operacional não é tributada pelas contribuições em tela, independentemente de haver previsão expressa nesse sentido.

A decisão é digna de destaque tanto pelas considerações feitas no voto condutor, quanto pelas considerações feitas na declaração de voto. O voto condutor fez interessantes ponderações sobre o conceito de desconto incondicional, sendo importante destacar a expressa dispensa de evidenciação do desconto na nota fiscal. Essas constatações representam importante posicionamento do CARF, na medida em que afastam o formalismo excessivo, o qual por vezes permeia a relação entre fisco e contribuinte.

Por sua vez, as considerações contidas na declaração de voto do Conselheiro Antônio Carlos Atulim são importantes por consignarem que apenas as receitas operacionais são objeto da incidência da contribuição ao PIS e da COFINS, excluindo-se, portanto, as receitas não operacionais, mesmo que não estejam previstas de forma expressa no rol do parágrafo 3° do art. 1° das Leis n. 10637 e 10833, o qual não pode ser considerado taxativo.

__________________________
[1] Segundo o acórdão, "É inconteste nos autos que a Recorrente e a (...) são pessoas vinculadas. Logo, naturalmente, e nos termos dos art. 18 a 24 da Lei 9.430/96, as operações entre elas estão sujeitas ao controle de preços de transferência nas importações para verificar se houve excesso de dedutibilidade de custos em relação às operações realizadas com a (...) e outras empresas vinculadas."


 
Elaborado por:
Paulo Coviello Filho
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Email:
pcf@marizsiqueira.com.br

Jucimara dos Santos Santana
Acadêmica de Direito na Faculdades Metropolitanas Unidas.
Email:
js@marizsiqueira.com.br