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O agente no crime de sonegação fiscal - João Francisco Bianco


A legislação fiscal federal (art. 44, parágrafo 1º, da Lei n. 9430, de 27.12.1996) prevê a aplicação de multa de 150% pela falta de recolhimento de tributo apurado por meio de lançamento de oficio, quando presentes as hipóteses de sonegação, fraude e conluio, independentemente da aplicação de outras penalidades criminais cabíveis no caso concreto.

Por sua vez, a definição de sonegação fiscal consta no art. 71 da Lei n. 4.502, de 30.11.1964, nos seguintes termos: sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar o conhecimento, por parte da autoridade fazendária, (1) da ocorrência do fato gerador do tributo, sua natureza ou circunstâncias materiais, bem como (2) das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar o nascimento da obrigação tributária ou a constituição do correspondente crédito tributário.

No âmbito fiscal, portanto, a sonegação é definida - em linhas gerais - como a conduta do contribuinte que tem por objetivo "esconder" da fiscalização a ocorrência do fato gerador do tributo. E a penalidade aplicável a esses casos é a exigência de multa de 150% calculada sobre o valor do tributo devido.

Na esfera penal, no entanto, não há lei tipificando propriamente a sonegação fiscal como crime. O que existe é a Lei n. 8.137, de 27.12.1990, fixando as condutas consideradas como crimes praticados contra a ordem tributária. E se examinarmos as condutas descritas nos incisos I a V do art. 1º da referida lei, vamos constatar que todas elas, de alguma forma, podem ser consideradas como hipóteses de sonegação fiscal, pois nada mais são do que condutas que visam "esconder" da fiscalização da ocorrência do fato gerador.

São elas a prestação de informação falsa à autoridade fiscal; a inserção de elementos inexatos em documentos fiscais; ou a não emissão de documento fiscal considerado obrigatório, dentre outras. É como se a lei fiscal definisse sonegação de forma genérica e a lei penal tipificasse as condutas específicas que a caracterizam.

Não há, portanto, muita dúvida sobre a caracterização da conduta considerada como crime de sonegação fiscal, pois todas elas estão tipificadas exaustivamente na legislação penal. A questão que se coloca aqui é sobre a determinação do agente da conduta criminosa. Em outras palavras, quem é o agente que pratica o crime de sonegação fiscal nas atividades desenvolvidas pelas pessoas jurídicas?

Não é objetivo deste trabalho abordar a discussão sobre a possibilidade de a própria pessoa jurídica ser sujeito passivo de ação penal em geral, pois se trata de assunto bastante discutido na doutrina, com importantes opiniões a favor e contra a tese. É bem verdade que leis específicas - como a ambiental - estabelecem a possibilidade de haver responsabilização criminal da pessoa jurídica. Mas será que a lei criminal tributária dispõe expressamente nesse sentido? Parece-me que não. Isso porque as condutas tipificadas no art. 1º da Lei n. 8137 são todas elas próprias da ação humana. Daí porque no crime de sonegação fiscal é preciso identificar o agente que praticou a conduta delituosa.

Confira-se o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal. A denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com a completa descrição da conduta imputada ao agente denunciado e a narrativa do comportamento ilícito, além da qualificação e individualização da pessoa do acusado. A denúncia que não atender a esses requisitos será considerada inepta e rejeitada por força do previsto no art. 395 do Código de Processo Penal.

Voltemos então à nossa questão. Como identificar o agente que praticou o crime de sonegação fiscal? Em outras palavras, quem prestou informação falsa à autoridade fiscal? Quem inseriu elementos inexatos nos documentos fiscais? Ou quem deixou de emitir documentos fiscais considerados obrigatórios pela legislação? A identificação dessa pessoa é fundamental para a propositura da ação penal.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça examinou caso de habeas corpus  (Recurso em Habeas Corpus n. 66.633-PE, na sessão de 03.05.2016) impetrado em favor de sócio de empresa denunciado por crime de sonegação de ICMS, por falta de lançamento nos livros fiscais de operação de saída tributada de mercadoria. A conduta criminosa não foi objeto de questionamento, pois estava devidamente documentada e comprovada. O problema em discussão foi a identificação do agente.

Sustentou o paciente que na denúncia havia ausência de justa causa para a ação penal, com falta da descrição dos indícios da sua participação no crime, tendo em vista que os atos delituosos teriam sido praticados quando ele já não mais constava do quadro de sócios da pessoa jurídica. Na verdade, a sua inclusão na denúncia teria ocorrido exclusivamente pelo fato de seu nome constar indevidamente em documento interno como diretor vice- presidente da empresa.

Já o Ministério Publico sustentou na denúncia que o paciente teria agido com pleno domínio dos fatos, por ser da administração da empresa e por ter o poder de determinar que seus empregados executassem os atos tipificados como ilícitos penais.

O voto vencido do Ministro Nefi Cordeiro concluiu pela impossibilidade de ser determinada a extinção da ação penal, conforme pleiteado no habeas corpus, em função de essa ser medida excepcional, somente admissível quando houver comprovação de plano da ausência de justa causa da ação penal, seja pela atipicidade da conduta, seja pela ausência de indícios de autoria.

No caso dos autos, o fato de o paciente não mais pertencer ao quadro de sócios da empresa, por si só, não poderia justificar a exclusão da sua responsabilidade pela prática do delito fiscal, tendo em vista que a alienação das quotas sociais teria sido realizada a título gratuito. Assim, somente no curso da ação penal é que poderia ser constatada se a cessão das quotas teria ou não sido realizada com o objetivo de ocultar sua possível responsabilidade criminal, dada a complexidade dos fatos a demandar análise mais detalhada. E o exame aprofundado do conjunto probatório não poderia ser feito em sede de habeas corpus.

Já no voto vencedor, acompanhado pela maioria dos ministros daquela Turma, o Ministro Rogerio Schietti Cruz admitiu que, como regra geral, o administrador da empresa possui o controle das decisões internas praticadas no desenvolvimento das atividades empresariais e, em tese, pode mesmo ser responsável pelos atos criminosos praticados na empresa. Mas essa condição não pode isoladamente justificar a responsabilização criminal do administrador. A denúncia deve ser acompanhada de elementos que indiquem a relação de casualidade entre a conduta praticada e o evento delituoso. A mera condição de administrador não pode - por si só - caracterizar a responsabilização penal do denunciado.

Em outras palavras, é necessário que a imputação penal seja acompanhada de indícios mínimos da responsabilidade do denunciado, não bastando a simples condição de sócio ou diretor da empresa.

É bem verdade que a cessão das quotas sociais a terceiro a título gratuito poderia caracterizar a interposição de pessoa, comumente chamada de "laranja", com o objetivo de esquivar-se da responsabilidade penal. Mas, no caso concreto, a denúncia não teria trazido qualquer elemento indicativo dessa hipótese, estando comprovadamente ausente uma mínima descrição do liame existente entre o acusado e o fato delituoso.

Como se vê, a decisão do STJ fixa condições muito claras para que a responsabilidade penal dos administradores da empresa seja aplicada. Não basta que a denúncia arrole todos os diretores da pessoa jurídica para responder pelo crime de sonegação fiscal, pois o simples fato de ser administrador não pode justificar a responsabilização criminal. Para que o administrador seja responsabilizado pelo crime de sonegação fiscal é necessária a demonstração da sua efetiva participação na conduta criminosa.


 
Elaborado por:
João Francisco Bianco
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor e Mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Tributário pelo CEU. Especialista em Administração de Empresas pelo CEAG/FGV-São Paulo. Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Autor e Coordenador do Guia do IRPJ publicado pelo FISCOSoft.
E-mail:
jfb@marizsiqueira.com.br