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Compliance, o acordo de leniência e a delação premiada - Julia Mariz


Atualmente um dos temas mais discutidos no país, em razão dos diversos escândalos envolvendo o governo brasileiro, em especial a "Operação Lava-Jato", é a política anticorrupção, as providências a serem tomadas e as consequências dessa medida, no curto e longo prazo, e a qual visa destruir um dos maiores problemas do Brasil.

Todavia, no setor privado, a urgência da adoção de medidas anticorrupção não é tema recente, estando vigente no ordenamento jurídico desde 2013, com a edição da Lei nº. 12.846, regras que dispõem sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, e prevê diversas sanções severas para tais hipóteses, as quais podem ser reduzidas caso a pessoa jurídica possuísse, antes da prática do ilícito, regras internas de organização.

Em linhas gerais, referida lei regulamenta atos que indicam a ocorrência de conduta ilícita em desfavor da administração pública, que tem como consequência uma sanção na esfera civil e administrativa. Assim, por exemplo, no art. 5º da Lei nº. 12.846/2013 constam práticas que constituem "atos lesivos à administração pública", como o inciso I que descreve a conduta de "prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público", ou mesmo o inciso IV que trata da questão envolvendo os contratos de licitação.
Com a edição de referida norma, as empresas passaram a criar políticas internas e de governança corporativa, mais conhecidas como compliance.

É dizer: a Lei nº. 12.846/2013, se não impõe, altamente recomenda que as empresas criem políticas internas que impeçam a ocorrência dos "atos lesivos" contra a administração pública, já que, na fixação de eventuais punições, levarão em conta "a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de código de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica." (artigo 7º, inciso VIII), sendo que os parâmetros de avaliação desses mecanismos serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo Federal - o que novamente dá dimensão da importância desse instrumento.

Não obstante a relevância conferida pela lei aos programas de compliance, deve-se aduzir que o estabelecimento desses mecanismos em empresas nacionais se viu obstado, ao menos em maior escala, diante da falta de maiores benefícios às companhias que tenham-no adotado e que se voluntariassem a denunciar, para os órgãos competentes, práticas irregulares levantadas graças a esses programas.

Cumpre observar, ademais, que, apesar desse diploma tratar de sanções administrativa ou civil, muitos atos descritos na Lei Anticorrupção, na verdade, referem-se a atos tidos como ilícitos criminais, previstos na legislação penal, o que indica que a esfera criminal também é atingida pela lei em comento.

Para evitar as sanções previstas na norma mencionada - que podem ser consideradas bem gravosas para a empresa, em razão da multa aplicada que varia de 0,1 a 20% do seu faturamento bruto (art. 6º, inciso I) - as pessoas jurídicas podem optar por fazer o denominado "acordo de leniência", previsto no art. 16 da Lei Anticorrupção, e cujo regramento foi recentemente alterado pela Medida Provisória nº 703/2015.

Referido acordo nada mais é do que uma colaboração com as autoridades administrativas a fim de auxiliar nas investigações e encontrar outros possíveis agentes infratores. O acordo de leniência não é nenhuma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, pois já estava previsto, inicialmente no artigo 35-B da Lei 8.884/94, acrescentado na Lei 10.149/00 e, atualmente na Lei nº. 12.259/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

Nesse contexto, destaca-se que o acordo de leniência, sob a égide dessas normas, impõe a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável em relação às pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica.

Em outras palavras, o acordo de leniência firmado entre pessoa jurídica e administração pública impõe que a empresa confesse a prática dos atos ilícitos e colabore com as investigações em troca da diminuição da pena e da multa a serem aplicadas.

Há mais, porém. Impossível falar em "acordo de leniência" sem mencionar o instituto da delação ou colaboração premiada, reservado ao direito penal, que ganhou destaque com o advento da Lei nº. 12850/2013, que define o crime de organização criminosa.

Na mencionada lei, a colaboração premiada está prevista no art.4º, o qual, da mesma forma como ocorre com o acordo de leniência, também prevê a redução da pena em até 2/3 (dois terços) - esta, porém, também de natureza privativa de liberdade - ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.

Agora, pergunta-se: o que tudo isso tem a ver com a lei anticorrupção?

A verdade é que os institutos mencionados estão totalmente interligados com a Lei nº. 12846/2013. Isso porque, como já mencionado, os atos considerados lesivos à administração pública que implicam na aplicação da sanção administrativa, também são considerados ilícitos penais, ou seja, com a prática das condutas descritas na Lei nº. 12846/2013, é impossível que não seja instaurada uma investigação criminal sobre o fato.

Assim, se a pessoa jurídica firmar acordo de leniência com a administração pública, a fim de colaborar com as investigações e destituir esquemas de corrupção e de fraude à licitação formados no âmbito administrativo, o que acontecerá com o particular que de fato cometeu o ato ilícito - seja ele o responsável pela empresa ou o seu funcionário - é que ele também precisará firmar acordo de colaboração para evitar qualquer sanção no âmbito criminal.

Ou seja, os institutos estão totalmente relacionados, mas com os focos em diferentes esferas: um é utilizado para evitar a punição administrativa e o outro a punição criminal.

E o contrário também é verdadeiro. É o que se constata da própria "Operação Lava-Jato", mencionada anteriormente, na qual o empresário, visando evitar a grave punição criminal que lhe será imputada, faz acordo de colaboração premiada com o Estado e acaba por fazer o acordo de leniência para salvar sua empresa. Foi exatamente o que ocorreu com os executivos da empreiteira Camargo Corrêa S.A, conforme diversas notícias veiculadas na mídia.

Em que pese haver diversas discussões acerca dos institutos mencionados, em especial por serem considerados forma de pressão contra o indivíduo, a verdade é que a política de compliance e os mencionados acordos estão trazendo diversas conquistas para o Estado, seja para reorganizar a estrutura corporativa, seja para arrecadar vultosos montantes.

Como se vê, contra o particular existem diversas medidas a fim de se evitar a prática da corrupção. O que o Estado ainda não se atentou é como evitar esse grave problema com relação aos seus agentes públicos, os atores principais desse cenário que assombra o país.

FONTES
Pesquisa no site do Planalto:
http://www2.planalto.gov.br/
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/08/1671608-camargo-correa-faz-acordo-e-devolvera-r-700-milhoes.shtml


 
Elaborado por:
Julia Mariz
Advogada Criminalista. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Participante do VII Curso de Pós Graduação em Direito Penal Econômico e Europeu do Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra/PT e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pós Graduada em Direito Penal pela Escola Paulista de Magistratura.
E-mail:
julia@vannioliveira.com.br