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Os aspectos penais da Lei nº. 13.254/2016 - Julia Mariz*


Não é de hoje que se discute os efeitos da recém publicada lei de "repatriação de valores" e os seus aspectos penais. Não raras são feitas indagações se o sujeito que remeteu os valores ao exterior antes de 2014, ou que os mantém em contas offshore, sofrerá alguma, ou quais sanções criminais, ou mesmo, como fica a situação daquele que já está sofrendo algum processo criminal por conta da remessa e manutenção de valores no exterior sem a devida declaração.

A Lei nº. 13.254/2016, diploma que disciplinou o "Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País", deveria ser o ponto de partida e de solução de todas essas indagações. Todavia, nem todas as dúvidas foram devidamente dirimidas pelo legislador, cabendo salientar pontos controversos e chamar atenção para pontos de ato normativo da Receita Federal do Brasil a respeito.

Como sabido, referida lei, publicada em 13 de janeiro do corrente ano, tem o intuito de regularizar valores que foram remetidos e/ou mantidos no exterior sem a adequada comunicação aos entes federativos, sabidamente o Banco Central do Brasil e a Receita Federal do Brasil [1].

A intenção do Estado é uma só: arrecadar valores a título de multa ou imposto provenientes dessas remessas, ou manutenção não declarada. E, para garantir que os indivíduos sejam incentivados a regularizar a sua situação ou trazer o dinheiro de volta ao país, o legislador optou por "anistiá-los" dos delitos decorrentes dessa conduta.

Desse modo, o artigo 5º, § 1º, da Lei nº. 13.254/2016 prevê que: "o cumprimento das condições previstas no caput antes de decisão criminal, em relação aos bens a serem regularizados, extinguirá a punibilidade dos crimes previstos" e, como consequência, traz em seus incisos diversas leis e tipos penais, tais como, crimes contra a ordem tributária, falsificação de documento público ou particular, falsidade ideológica, uso de documento falso, evasão de divisas e, até mesmo, lavagem de capitais.

É dizer, portanto, que antes de haver decisão transitada em julgado - o que significa que o sujeito pode nem ser investigado sobre esses crimes ou pode até ter uma condenação provisória resultante deles - ele terá sua punibilidade extinta que nada mais é do que a impossibilidade de se punir o autor de um crime.

Segundo DELMANTO: "não é, portanto, a punibilidade requisito do crime, mas sua consequência. Podem, porém, surgir fatos ou atos jurídicos que impeçam a concretização do poder de punir do Estado, isto é, extingam a punibilidade. Por isso, diz-se que causas de extinção da punibilidade são aqueles fatos ou atos jurídicos que impedem o Estado de exercer seu direito de punir os infratores da lei penal".

No caso em questão, os fatos jurídicos que impedem o Estado de exercer o direito de punir infratores residem na anistia decorrente da publicação da Lei nº. 13.254/2016.  Na visão de René Ariel Dotti, "a anistia é o ato legislativo pelo qual o Estado renuncia ao poder-dever de punir o autor do crime, atendendo a razões de necessidade ou conveniência política".

Aqui, cabe parênteses apenas para esclarecer que os bens e valores remetidos e mantidos no exterior devem possuir origem lícita, o que é impossível no tocante ao crime de lavagem de capitais. Para tanto, a Lei nº. 13.254/2016 anistiou o crime em questão quando se tratarem dos delitos antecedentes previstos nos incisos I a VI da antiga lei de lavagem.

Com efeito, se cumpridas todas as condições - entrega da declaração dos recursos, bens e direitos e pagamento integral do imposto previsto no art. 6º e da multa prevista no art. 8º da mencionada lei - a extinção da punibilidade acarretará na extinção de todas as obrigações de natureza cambial ou financeira, conforme determinado no § 2º, inciso II, do já referido artigo 5º.

Ocorre que, a Receita Federal do Brasil publicou em 15 de março último, a Instrução Normativa nº.  1627 que impede a adesão ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) daqueles indivíduos que tenham condenação criminal, porém sem o trânsito em julgado.

Isto é, por um lado a Lei nº. 13.254/2016 ampliou a anistia de crimes para todos os indivíduos que possuam bens e valores no exterior em qualquer situação, desde que não haja condenação criminal transitada em julgado pelos crimes estabelecidos na própria lei. Por outro, a Receita Federal do Brasil restringiu a adesão ao programa de repatriação àqueles que não tenham qualquer condenação criminal.

Com tal restrição, que calha a ser inconstitucional, pois é princípio de direito que ato normativo da administração não pode reduzir direito previsto em lei, a Receita Federal do Brasil impediu milhares de pessoas de regularizarem sua situação e, pior, impediu a arrecadação de impostos e multas que é o intuito do RERCT.

Nesse sentido, a Receita Federal do Brasil esbarrou na própria finalidade da lei que era, além de regularizar o patrimônio de diversos cidadãos, arrecadar dinheiro à União, seja na forma do imposto, seja na forma da multa devida.

Por tais razões é que emergem diversas dúvidas acerca da repatriação de valores, afinal, o indivíduo que não se ver beneficiado com o retorno dos valores ao país, seja no âmbito criminal, seja no âmbito financeiro, não aderirá ao programa e a manutenção de bens e valores no exterior permanecerá irregular e o Estado continuará a ver navios...

Dessa forma, essencial que haja um consenso entre o Legislativo e os entes federados acerca do leque de possibilidades de vantagens para aquele que quiser regularizar sua situação patrimonial, caso contrário, será mais uma lei que não terá eficácia alguma.

[1] No que toca à Receita Federal do Brasil, há julgados a pontuarem que a falta de declaração para esse órgão também constitui o crime de evasão de divisas, previsto no artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.492/1986.

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FONTES:
DELMANTO, Roberto, "Código Penal Comentado", 8ª ed. rev. atual. e ampl., Editora Saraiva, 2010.
DOTTI, René Ariel, "Curso de Direito Penal - Parte Geral", 4ª ed. rev. atual. e ampl., Editora Revista dos Tribunais, 2012.
Câmara dos Deputados:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2016/lei-13254-13-janeiro-2016-782260-norma-pl.html


 
Elaborado por:
Julia Mariz
Advogada Criminalista. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Participante do VII Curso de Pós Graduação em Direito Penal Econômico e Europeu do Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra/PT e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pós Graduada em Direito Penal pela Escola Paulista de Magistratura.
E-mail:
julia@vannioliveira.com.br