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Incidência do ISSQN na importação de serviços é constitucional - José Antônio Patrocínio*

Em recentíssima decisão, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 590 da Repercussão Geral - tributação dos contratos de licenciamento de programas de computador (software) -, decidiram, por unanimidade de votos, que a INCIDÊNCIA do ISSQN é válida, ainda que o serviço seja proveniente do exterior do País.

Um precedente extremamente relevante, sobretudo por tratar-se da primeira manifestação do Tribunal Pleno da Suprema Corte, acerca da constitucionalidade da incidência do ISS na chamada importação de serviços, cuja regra está insculpida no art. 1º, § 1º, da Lei Complementar nº 116/2003.

Antes, porém, de adentrarmos nos detalhes do julgado, vamos examinar como a matéria está disposta na lei. Eis o dispositivo:

"Lei Complementar nº 116/2003

Art. 1º - (...)

§ 1º - O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País."

Depreende-se do texto legal basicamente duas hipóteses de incidência para a chamada importação de serviços. Para melhor compreensão, vamos analisá-las individualmente.

a) SERVIÇOS CUJA PRESTAÇÃO SE TENHA INICIADO NO EXTERIOR DO PAÍS.

Nesse caso, o único requisito estabelecido pela Lei, é que a prestação dos serviços comece no exterior do País. Assim, estão no campo de incidência do ISSQN os serviços iniciados no exterior e efetivamente concluídos em território nacional.

Como exemplo, podemos citar um contrato de prestação de serviços de desmontagem de um equipamento na Argentina e, na sequência, sua montagem no Brasil.

Incidência do ISSQN na operação.

b) SERVIÇOS PROVENIENTES DO EXTERIOR DO PAÍS.

Diferentemente da regra anterior, que exige que uma das etapas da prestação dos serviços ocorra no Brasil, nesse caso a Lei coloca no campo de incidência do ISSQN todos os serviços provenientes do exterior. Por sua relevância, vale a pena reprisar:

A única exigência é que os serviços sejam provenientes do exterior do País.

Então, para identificarmos o verdadeiro alcance dessa norma tributária, precisamos saber qual o real significado da expressão "serviços provenientes do exterior do País".

Ora, se já podemos tributar os serviços iniciados no exterior e concluídos no Brasil e também os serviços integralmente prestados em território nacional, qual seria então a operação passível de ser caracterizada como "proveniente do exterior do País"?

Por exclusão, só podem ser os serviços integralmente prestados no exterior do País e pagos (remunerados) por contratante aqui no Brasil.

Veja que, neste caso, toda a operação é realizada fora do País e apenas a fonte pagadora está sediada em território nacional.

Mas, será que a lei pode irradiar os seus efeitos para fora do território nacional e desta forma alcançar fatos geradores ocorridos no exterior?

E como fica o princípio da territorialidade? Neste aspecto, seria a Lei Complementar nº 116/2003 inconstitucional?

Pois bem!

Como dito alhures, finalmente o Supremo Tribunal Federal enfrentou algumas destas tormentosas questões!

Primeiramente é preciso esclarecer que, no caso concreto, apreciado pela Corte Suprema, a autora da ação - estabelecida no Brasil - presta serviços de telecomunicações e, para consecução desses objetivos estatutários, firma contratos de cessão de direito de uso de programas de computador, que são desenvolvidos por empresas estabelecidas em território estrangeiro.

Em defesa da inconstitucionalidade da Norma, alega basicamente que: "é inaceitável a legislação municipal onerar a prestação de serviços ocorrida no exterior, visto que isto vai muito além da competência outorgada pela Constituição Federal aos Municípios".

A par deste quadro fático, o Ministro Dias Toffoli, Relator do Processo, manifestou-se da seguinte maneira:

"Por fim, não merece ser acolhida a alegação de que o ISS não poderia incidir no caso, em razão de o contrato de licenciamento em tela ser firmado com empresa estrangeira. Como disse o Desembargador Relator, o software produz efeitos no Brasil, sendo que a tributação questionada não ocorre "porque o serviço entrou no País, e sim a partir do momento em que entrou no País". Não obstante a elaboração do programa tenha se dado no exterior, a operação tributada é o licenciamento ou a cessão do direito de uso do software, que concretiza o serviço.

Na mesma direção, o Procurador-Geral da República consigna que "o uso decorrente do ato de licenciamento, que culmina o serviço, aconteceu no país.

Como se isso não fosse suficiente, anote-se que é plenamente válida a incidência do ISS sobre serviço proveniente do exterior do País ou sobre serviço cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País, nos termos do art. 1º, § 1º, da LC nº 116/03.

Esse dispositivo, em harmonia com o texto constitucional, prestigia o princípio da tributação no destino. A propósito, note-se que, a teor do art. 156, § 3º, da Constituição Federal, cumpre a lei complementar excluir da incidência do imposto em questão exportações de serviços para o exterior, justamente em atenção ao referido princípio.

A ideia é que, a partir do mencionado preceito, a tributação dos bens ou serviços exportados ocorram no País em que são eles consumidos. Nessa toada, o país exportador deixa de os tributar e o País importador exerce, sobre os bens ou serviços importados, a competência tributária pertinente. É disso que se trata no referido dispositivo constitucional e na disciplina presente na LC nº 116/03.

(...).

Em suma, não vislumbro inconstitucionalidade na cobrança do ISS em questão, ainda que a avença citada nos autos tenha sido firmada com empresa sediada no exterior".

O voto do relator, foi acompanhado por todos os demais ministros da Corte.

Contudo, os Ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin, fizeram questão de registrar os seus posicionamentos acerca do assunto.

Alguns trechos de seus Votos também merecem destaque.

Para o Ministro Alexandre de Moraes. "Ao permitir que os Municípios tributassem a prestação de serviços, a Constituição Federal dispôs no artigo 156, III, que Compete aos Municípios instituir impostos sobre: III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. Em análise sistemática da Constituição Federal, nota-se que o termo "qualquer natureza" tem o escopo de abarcar também fatos geradores que se iniciaram no exterior. Vigora aqui, dessa forma, o princípio do destino, segundo o qual, nas palavras de ROQUE ANTÔNIO CARRAZA, "a transação internacional deve ser tributada apenas uma vez, no País importador, com a consequente exoneração das imposições sofridas no País de origem, justamente para que não haja exportação do imposto" (Curso de direito constitucional tributário. 32ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019. pg. 877). Ora, vedar a incidência do ISS sobre importação de serviços viola o princípio da isonomia, haja vista que apenas os serviços prestados por empresas situadas no território nacional seriam tributados. Observa-se, ainda, que favorecer a prestação de serviços estrangeiros, desonerando-os do ISS, viola também o princípio da livre concorrência, basilar da atividade econômica (art. 170, IV, da CF/1988). (...). Nesse diapasão, o que se pretende com a incidência do ISS sobre importação de serviços é proteger o comércio nacional. Logo, nos termos da fundamentação, reputo válida a incidência do ISS sobre serviços oriundos do exterior".

Já para o Ministro Edson Fachin, a opção do legislador foi desonerar, em termos tributários, as exportações e onerar as importações, favorecendo a balança comercial do País. Eis um trecho de seu Voto:

"Acerca da incidência de ISS sobre serviço prestado no exterior por sociedade empresária estrangeira à parte Recorrente, por sua vez sediada em território nacional, recorre-se à vigência do princípio jurisdicional do destino, segundo o qual o Estado destinatário, é dizer, em que se dará o consumo do serviço produzido na territorialidade de outro ente soberano, deve recolher o tributo sobre a manifestação de riqueza (BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais às exportações. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2018, p. 171). Em suma, a finalidade é desonerar, em termos tributários, as exportações e onerar as importações, favorecendo a balança comercial do país".

Como vimos, para os Ministros da Suprema Corte, a importação de serviços está em perfeita harmonia com o texto constitucional, pois prestigia o princípio da tributação no destino.

Realmente, no caso submetido a julgamento, o licenciamento ou a cessão do direito de uso do software, destina-se à empresa estabelecida no Brasil. Então, de fato, a tese vencedora justifica a tributação desta operação.

No entanto, em que pese a relevância desta decisão do Supremo, ela não será capaz pacificar todos os conflitos envolvendo a importação de serviços.

Digo isto, porque, como visto anteriormente, o legislador incluiu no campo de incidência do ISS os serviços "provenientes" do exterior do País.

Na prática, um serviço pode ser proveniente do exterior, sem que, necessariamente, o seu destinatário aqui esteja estabelecido.

Para melhor compreensão, imaginemos a seguinte situação: Uma determinada empresa possui dois estabelecimentos, matriz no Brasil e filial no Canadá.

O estabelecimento filial, no Canadá, firma um contrato de prestação de serviços de tradução de textos com uma empresa estabelecida no Japão. As partes convencionam que o pagamento será efetuado pelo estabelecimento matriz, estabelecido no Brasil.

Neste exemplo, pela tese da tributação no destino, indubitavelmente, a exação só poderia ocorrer no Canadá.

Deveras, pois pelo pacto contratual, a matriz, estabelecida no Brasil, não é a destinatária dos serviços, mas apenas e tão somente a fonte pagadora.

Será que, nesta situação hipotética, a incidência do ISSQN também será considerada constitucional?

A única certeza que tenho é que o fisco municipal irá cobrar o imposto! Alguém duvida disto?

 
*José Antônio Patrocínio é Advogado, Consultor Tributário da Thomson Reuters, Professor de ISSQN em Cursos de Pós-graduação e Autor do Livro: "ISS - Teoria, Prática e Jurisprudência - 5º Edição".