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Remessa para armazenagem. O que vale? A substância ou a forma? - Claudia Marchetti da Silva*

O princípio da prevalência da substância sobre a forma direciona o direito tributário para apuração dos dados reais e relevantes para efeitos da tributação e não a mera forma do negócio jurídico. Uma leitura possível deste princípio, se examinado em conjugação com o princípio da boa-fé do contribuinte e sem excluir a legalidade tributária, é a de flexibilizar a rigidez da forma legal de praticar uma operação fiscal, passando-se para a investigação do negócio praticado, em favor do contribuinte.

Este princípio não foi utilizado como argumentação jurídica na recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de SP na Apelação Cível nº 1007785-65.2018.8.26.0066, mas poderia, se sua aplicação não fosse tão controversa no Brasil.

O tema genérico discutido no recurso refere-se à questão central da incidência do ICMS, ou seja, o conceito de circulação de mercadoria.

Não há nada de novo nisso.

Vários autores já dissertaram sobre à adequada definição de "circular1" para caracterização do fato gerador do imposto, no entanto, tendo em vista o excessivo formalismo do fisco, revisitar conceitos consolidados, para aplicá-los em casos práticos, é fundamental.

O artigo 7º do RICMS/SP2 prevê a não incidência do imposto sobre a saída de mercadoria com destino a armazém geral ou a depósito fechado situados do mesmo Estado, justamente, porque nestes casos, ocorre um mero deslocamento físico da mercadoria e não a circulação jurídica. A norma conceitua como armazém geral, o estabelecimento que guarda mercadorias pertencentes a terceiros e como depósito fechado, o destinado a guardar de mercadorias do próprio contribuinte, tratando-se de um estabelecimento pertencente à mesma empresa.

O contribuinte foi autuado por ter, no período seis meses, emitido notas fiscais de "remessa para armazenagem" com a não incidência prevista no mencionado artigo 7º. Os produtos foram remetidos para empresa que não possuía registro de armazém-geral e cujo CNAE-principal era de "comércio atacadista de medicamentos e drogas de uso humano". A fiscalização tributária considerou devido o ICMS nas operações de envio de mercadorias pelo fato da destinatária não possuir habilitação legal para operar como armazém geral.

Com base na prova pericial demonstrando que todos os lançamentos apresentados no auto de infração, que se referiam a "remessa para armazenamento", tiveram posterior nota fiscal de retorno para a empresa remetente, a decisão3 foi de que, substancialmente, não houve circulação jurídica de mercadorias, mas apenas transferência física. Não obstante a empresa destinatária não estivesse formalmente registrada na Junta Comercial Paulista como prestadora do serviço de armazenagem, efetivamente o prestou ao contribuinte remetente.

Por fim, assevera-se no acordão "que a irregularidade cadastral não tem o condão de justificar o lançamento do ICMS e a imposição de penalidade tributária ao contribuinte, pois mesmo diante dela, não terá ocorrido, em nenhuma das operações verificadas pelo FISCO, o fato gerador do ICMS".

Usado com parcimônia, o princípio da prevalência da substância sobre a forma, poderia contribuir para construção de uma de relação de confiança mútua alicerçada na acessibilidade do fisco, no sentimento de responsabilidade social do contribuinte e dentro de um ambiente de estímulo e facilitação do cumprimento das obrigações.

 
1 "Circular significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria muda de titular, circula para efeitos jurídicos" Apud. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, p. 543.
2 Decreto 45.490/00
3 EMENTA - Mercadoria Remessa a armazém. Circulação meramente fática. Incidência. Impossibilidade: Não constitui fato gerador do ICMS a simples remessa de mercadoria a armazém para depósito, pois, não havendo alteração da titularidade da propriedade, não há circulação jurídica a justificar a incidência do tributo.

 
*Claudia Marchetti da Silva - advogada, consultora tributária e pesquisadora. Doutoranda em Direito Fiscal pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário. Autora de livros e artigos de Direito Tributário e coordenadora da obra "Mulheres quais são seus direitos" publicado pela editora Revista dos Tribunais.