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A polêmica acerca da inclusão do valor do ICMS no custo de aquisição da mercadoria geradora de créditos do PIS e da COFINS na sistemática da não cumulatividade - Renata Borowski Gonçalves Batista*

Mais um capítulo atrelado à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, mais conhecida como a "tese do século", ganha destaque.

Tudo começou com as disposições contidas no Parecer Interno nº 10/2021, da Coordenação-Geral de Tributação - Cosit, que, embora não publicado, apresentou a conclusão de que o valor do ICMS destacado na nota fiscal não deveria compor a base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS pela sistemática da não cumulatividade.

De acordo com o referido Parecer, conforme decisão do RE nº 574.706 e do respectivo embargo declaratório, o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS, sendo que o valor a ser excluído é o destacado no documento fiscal.

Contudo, como a decisão judicial não versava sobre os créditos da não cumulatividade das referidas contribuições, para fins de apuração dos mesmos, o Fisco apresentou entendimento de que deveria ser aplicada a mesma lógica, qual seja, o valor do ICMS não deveria integrar o custo de aquisição do produto e, consequentemente não deveria servir de base para a apuração dos créditos.

É importante destacar que se tratou de um parecer interno, logo, sem qualquer efeito vinculante ou impacto aos contribuintes.

Para alívio e segurança dos contribuintes, o Parecer Interno Cosit foi avaliado pela PGFN, que discordou do entendimento apresentado pelo Fisco e concluiu que "não é possível, com base apenas no conteúdo do acórdão, proceder ao recálculo dos créditos apurados nas operações de entrada, porque a questão não foi, nem poderia ter sido, discutida nos autos". A afirmativa aqui destacada encontra-se no Parecer PGFN nº 14.483/2021, publicado no DOU do dia 29.10.2021.

Assertivo o posicionamento da PGFN acerca da matéria envolvendo os créditos. Inexiste respaldo legal para a exclusão do ICMS do custo de aquisição da mercadoria, ainda mais em se tratando de um imposto que é calculado por dentro, sendo indissociável do valor da mercadoria.

Ademais, conforme destacado, o tema não foi objeto de discussão no julgado do Tema nº 69 da Repercussão Geral, logo, não há como se aproveitar da referida decisão e cortar os caminhos legais apenas no anseio de reduzir o impacto tributário gerado pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Base de cálculo dos créditos do PIS e da COFINS

As Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 determinam que os créditos do PIS e da COFINS sobre a aquisição de bens para revenda ou para insumo são calculados com base no valor de aquisição.

A Instrução Normativa RFB nº 404/2004 dispunha, expressamente, que o valor do ICMS deveria integrar o custo de aquisição de bens e serviços. Assim vejamos:

"Art. 8º. Do valor apurado na forma do art. 7º, a pessoa jurídica pode descontar créditos, determinados mediante a aplicação da mesma alíquota, sobre os valores:

I - das aquisições efetuadas no mês:

a) de bens para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos nos incisos III e IV do § 1º do art. 4º;

b) de bens e serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes, utilizados como insumos: b.1) na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda; ou b.2) na prestação de serviços;

§ 3º Para efeitos do disposto no inciso I, deve ser observado que:

I - o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente na aquisição, quando recuperável, não integra o valor do custo dos bens; e

II - o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) integra o valor do custo de aquisição de bens e serviços."

Tal disposição apenas reforçava aquilo que já estava previsto na legislação do imposto de renda e nas normas de contabilidade.

Porém, após a decisão de repercussão geral do RE nº 574.706 e antes da decisão dos embargos declaratórios que modulou seus efeitos, foi editada a Instrução Normativa RFB nº 1.911/2019, que consolidou as regras aplicáveis ao PIS e à COFINS e revogou a Instrução Normativa RFB nº 404/2004.

Na nova Instrução Normativa houve a supressão da disposição de que o ICMS integrava o custo de aquisição dos bens e serviços, sendo mantida apenas a inclusão do IPI:

"Art. 167. Para efeitos de cálculo dos créditos decorrentes da aquisição de insumos, bens para revenda ou bens destinados ao ativo imobilizado, integram o valor de aquisição (Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, caput, inciso I, com redação dada pela Lei nº 11.787, de 2008, art. 4º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 37, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, art. 45, e inciso VII; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, caput, incisos I, com redação dada pela Lei nº 11.787, art. 5º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 21, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, art. 43, e inciso VII):

I - o seguro e o frete pagos na aquisição, quando suportados pelo comprador; e

II - o IPI incidente na aquisição, quando não recuperável."

Para alguns contribuintes, a alteração passou desapercebida. Para outros, embora notada, cientes de que tal alteração no entendimento só poderia ser vinculada por Lei e não por Instrução Normativa, não produziu qualquer efeito.

Já outros contribuintes optaram por buscar respaldo judicial, como no caso do processo de nº 5003367-70.2019.4.03.6107 (TRF da 3ª Região).

Trata-se de mandado de segurança impetrado com objetivo de garantir a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS com base no valor destacado na nota fiscal, bem como de afastar a restrição implícita contida no art. 167 da Instrução Normativa RFB nº 1.911/2019, por ilegalidade, permitindo-se o creditamento do ICMS dos insumos na apuração do PIS e da COFINS pelo regime não cumulativo, já que não houve alteração das leis que instituíram tal regime.

Em 1ª instância a decisão foi improcedente em relação ao pedido de afastamento da restrição atrelado aos créditos do PIS e da COFINS. O magistrado concluiu que

"o art. 3º da Lei 10.833/2003 diz que o contribuinte poderá descontar créditos calculados em relação a bens e serviços utilizados como insumos, mas não diz expressamente que o valor total dos bens e serviços dará direito ao creditamento, e uma interpretação sistemática e razoável da norma me leva a concluir que, se não há incidência dos tributos na fase anterior da cadeia, ainda que apenas sobre parcela do preço do insumo, não há sentido em permitir o creditamento do valor integral deles."

A União, por sua vez, opôs embargos de declaração em que apontou, para fins de prequestionamento, a ausência de fundamentação para identificar o ICMS destacado como elemento a ser excluído; que o ICMS a recolher seja excluído; e a imposição de não incluir valores de ICMS no creditamento de PIS/COFINS já que não incluídos na respectiva base de cálculo.

Na decisão dos embargos, o relator apresentou entendimento diferente do juízo de primeiro grau e concluiu que:

"12.Ou seja. Ainda que o IPI não componha a base de cálculo do PIS/COFINS devido pelo contribuinte de direito ou pelo responsável tributário daquele imposto (o industrial, por exemplo), o adquirente daquele produto poderá considerar como custo de aquisição tanto o seu preço quanto o valor do IPI incidente na sua saída - até porque é efetivamente custo enfrentado pelo adquirente.

13.Não se tem aqui parametrização entre a base de cálculo das contribuições apurada pelo industrial, enquanto agente anterior da cadeia econômica (o preço do produto, excluído o IPI), e a base de cálculo para fins de crédito de PIS/COFINS pelo adquirente para revenda (o preço do produto mais os valores de IPI incidentes), sem que com isso se repute qualquer ilegalidade ou assimetria. Admitida a situação para o IPI, não se vê o porquê de, em sede exclusivamente administrativa, refutar igual tratamento para o ICMS, também um custo para o adquirente e ausente fundamento para tanto - mesmo após intimada a União Federal para prestar esclarecimentos.

14.Lembre-se que um dos fundamentos utilizados pelo STF para afastar a exigibilidade do PIS/COFINS sobre valores de ICMS foi justamente a não incidência daquelas contribuições sobre o IPI, na qualidade de ingresso contábil destinado ao tesouro federal. É o que se depreende do voto do Min. Marco Aurélio quando do julgamento do RE 240.785 (STF - Pleno / Min. Marco Aurélio / 08.10.2014). O referido julgado foi utilizado como referência para a tese fixada no RE 574.706, como se depreende do voto da E. Relatora Minª Carmen Lúcia, do próprio Min. Marco Aurélio, e da Minª Rosa Weber.

15.Dada a simetria do tratamento tributário conferido aos impostos mencionados quanto à base de cálculo do PIS/COFINS, firme na tese de que configuram transitório ingresso contábil, e admitida a qualidade de custo de aquisição ao IPI incidente na venda ainda que não componente da base de cálculo daquelas contribuições, não se vê justificativa para a diferenciação almejada pelo Fisco quanto ao ICMS que não, aparentemente, a tentativa de minimizar as perdas decorrentes da decisão proferida no RE 574.706."

Tanto o posicionamento da PGFN como a decisão judicial supracitada reforçam o fato de que qualquer alteração referente à base a ser considerada no cálculo dos créditos do PIS e da COFINS não cumulativos precisa estar legalmente respaldada, respeitada a hierarquia das normas e, evidentemente, com produção de efeitos futuros e não pretéritos.


Renata Borowski Gonçalves Batista - Bacharel em Direito pela Universidade Santa Cecília - UNISANTA, consultora tributária especializada nas áreas de Tributos Diretos, Societária, Trabalhista, Previdenciária e Contábil e Palestrante pela Thomson Reuters.