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Serviços farmacêuticos - tratamento tributário em relação ao ISS - José Antônio Patrocínio*

Cumprindo missão constitucional, coube à Lei Complementar nº 116, editada em 2003, fixar as normas gerais de estrutura do ISSQN, tais como, fato gerador, base de cálculo, alíquotas, competência tributária, entre outras. Além disto, sob a forma de um anexo, a referida Lei Complementar trouxe ainda uma nova lista de serviços tributáveis pelo imposto municipal. Recheada de inovações, a nova lista é completamente diferente da anterior, que vigorava desde 1987, inclusive no que tange à sua composição, disposição e organização.

No ensejo, como não poderia deixar de ser, o legislador incluiu, expressamente no "corpo" dela, novas hipóteses de incidência do ISSQN, como por exemplo, a blindagem de veículos, o agenciamento de notícias, a aplicação de tatuagens e piercings, as obras de arte sob encomenda, além de tantas outras.

Entretanto, sem sombra de dúvida, uma das mais polêmicas inovações, é a tributação, pelo ISSQN, dos serviços farmacêuticos, que, até então, eram tributados exclusivamente pelo ICMS. Na referida lista, a atividade foi descrita no subitem 4.07, que traz, de forma bastante simplista, apenas a expressão "serviços farmacêuticos".

Esta modificação, extremamente revolucionária, instaurou um cenário de grande insegurança jurídica, cuja pacificação, pelo Supremo Tribunal Federal, demorou mais de 17 anos para acontecer.

Porém, antes de tratarmos dos detalhes da decisão da Suprema Corte, faz-se necessário um breve histórico do caso.

Na origem, em maio de 2002, a ação foi proposta contra o Estado do Rio Grande do Sul e objetivava afastar a incidência do ICMS as operações de venda de medicamentos preparados por farmácias de manipulação sob encomenda.

Após a fase de instrução, a ação foi julgada improcedente, tendo o MM. Juiz declarado a incidência do ICMS em toda e qualquer operação, inclusive manipulação de medicamentos.

Na 2ª Instância, a 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por unanimidade de votos, negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo contribuinte e o Acórdão restou assim ementado:
"EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. ICMS. ISS. MANIPULAÇÃO, AVIAMENTO E VENDA DE MEDICAMENTOS. OPERAÇÃO MISTA. INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE O VALOR TOTAL DA OPERAÇÃO. SENDO CASO DE INCIDÊNCIA DE ICMS, NÃO SE COGITA DE O FATO GERADOR DAR ENSEJO AO ISSQN. HAVENDO CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (OBRIGAÇÃO DE DAR, E NÃO DE FAZER), INCIDE O IMPOSTO ESTADUAL. NO DIZER DE HUGO DE BRITO MACHADO 'OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS SÃO QUAISQUER ATOS OU NEGÓCIOS, INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA JURÍDICA ESPECÍRCA DE CADA UM DELES, QUE IMPLICAM MUDANÇA DE PROPRIEDADE DAS MERCADORIAS, DENTRO DA CIRCULAÇÃO ECONÔMICA QUE AS LEVA DA FONTE ATÉ O CONSUMIDOR' (CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, MALHEIROS, 1997, P. 263). O FATO DE A AUTORA CONFECCIONAR, MANIPULAR E TRANSACIONAR MEDICAMENTOS AGREGANDO OUTROS ELEMENTOS AOS SAIS BÁSICOS, DEMONSTRA QUE ESTÁ A PRODUZIR UM BEM MÓVEL, O QUAL SE CONSTITUI EM MERCADORIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. SENTENÇA CONFIRMADA; APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação nº 70007970825 - 23.02.2005).

Na sequência, já no Superior Tribunal de Justiça - STJ -, em 26 de março de 2008, a Primeira Turma, acompanhando voto do Ministro Teori Albino Zavascki, Relator do Processo, deu provimento ao Recurso Especial, a fim de reformar a decisão Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e estabelecer que as referidas operações estão no campo de incidência do ISSQN. Eis a ementa do julgado:

"EMENTA: TRIBUTÁRIO. DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ENTRE ESTADOS E MUNICÍPIOS. ICMS E ISSQN. CRITÉRIOS. SERVIÇOS FARMACÊUTICOS. MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SERVIÇOS INCLUÍDOS NA LISTA ANEXA À LC 116/03. INCIDÊNCIA DE ISSQN. 1. Segundo decorre do sistema normativo específico (art. 155, II, § 2º, IX, b e 156, III da CF, art. 2º, IV da LC 87/96 e art. 1º, § 2º da LC 116/03), a delimitação dos campos de competência tributária entre Estados e Municípios, relativamente a incidência de ICMS e de ISSQN, está submetida aos seguintes critérios: (a) sobre operações de circulação de mercadoria e sobre serviços de transporte interestadual e internacional e de comunicações incide ICMS; (b) sobre operações de prestação de serviços compreendidos na lista de que trata a LC 116/03, incide ISSQN; e (c) sobre operações mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, incide o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incide ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista. Precedentes de ambas as Turmas do STF. 2. Os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista anexa à LC 116/03 como serviços sujeitos à incidência do ISSQN. Assim, a partir da vigência dessa Lei, o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias, por constituir operação mista que agrega necessária e substancialmente a prestação de um típico serviço farmacêutico, não está sujeita a ICMS, mas a ISSQN. 3. Recurso provido. (STJ - PRIMEIRA TURMA - REsp 881035 / RS - Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI - Data do Julgamento: 06/03/2008 - Data da Publicação/Fonte DJ 26.03.2008 p.1)

Sendo assim, lastreada apenas na legislação infraconstitucional, para a Colenda Corte Superior o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias, por constituir operação mista, que agrega necessária e substancialmente a prestação de um típico serviço farmacêutico, não está sujeita a ICMS, mas sim ao ISSQN.

Entretanto, esta decisão não foi suficiente para liquidar a demanda!

O processo seguiu para o Supremo Tribunal Federal, onde, em março de 2011, houve o reconhecimento da repercussão geral em torno do tema, sob o argumento de que a matéria possui grande densidade constitucional.

Eis a ementa da admissibilidade:

"EMENTA: Tributário. ISS. ICMS. Farmácias de manipulação. Fornecimento de medicamentos manipulados. Hipótese de incidência. Repercussão geral. 1. Os fatos geradores do ISS e do ICMS nas operações mistas de manipulação e fornecimento de medicamentos por farmácias de manipulação dão margem a inúmeros conflitos por sobreposição de âmbitos de incidência. Trata-se, portanto, de matéria de grande densidade constitucional. 2. Repercussão geral reconhecida". (RE 605552 RG, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 31/03/2011, DJe-090 DIVULG 13-05-2011 PUBLIC 16-05-2011 EMENT VOL-02522-02 PP-00342)

Após longos oito anos, em sessão virtual finalizada no dia 05/08/2020, o Tribunal Pleno do STF finalmente analisou o mérito da questão!

Por maioria, prevaleceu a tese do voto proferido pelo Ministro Dias Toffoli, que foi acompanhado por outros 7 Ministros. Tivemos ainda o voto divergente do Ministro Marco Aurélio e o voto divergente do Ministro Edson Fachin, que foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes. O resultado do julgamento está ementado na seguinte forma:

"EMENTA: Recurso Extraordinário. Repercussão geral. Direito Tributário. Incidência do ICMS ou do ISS. Operações mistas. Critério objetivo. Definição de serviço em lei complementar. Medicamentos produzidos por manipulação de fórmulas, sob encomenda, para entrega posterior ao adquirente, em caráter pessoal. Subitem 4.07 da lista anexa à LC nº 116/03. Sujeição ao ISS. Distinção em relação aos medicamentos de prateleira, ofertados ao público consumidor, os quais estão sujeitos ao ICMS. 1. A Corte tradicionalmente resolve as ambiguidades entre o ISS e o ICMS com base em critério objetivo: incide apenas o primeiro se o serviço está definido por lei complementar como tributável por tal imposto, ainda que sua prestação envolva a utilização ou o fornecimento de bens, ressalvadas as exceções previstas na lei; ou incide apenas o segundo se a operação de circulação de mercadorias envolver serviço não definido por aquela lei complementar. 2. O critério objetivo pode ser afastado se o legislador complementar definir como tributáveis pelo ISS serviços que, ontologicamente, não são serviços ou sempre que o fornecimento de mercadorias seja de vulto significativo e com efeito cumulativo. 3. À luz dessas diretrizes, incide o ISS (subitem 4.07 da Lista anexa à LC nº 116/06) sobre as operações realizadas por farmácias de manipulação envolvendo o preparo e o fornecimento de medicamentos encomendados para posterior entrega aos fregueses, em caráter pessoal, para consumo; incide o ICMS sobre os medicamentos de prateleira ofertados ao público consumidor e produzidos por farmácias de manipulação. 4. Fixação da seguinte tese para o Tema nº 379 da Gestão por temas de repercussão geral: "Incide ISS sobre as operações de venda de medicamentos preparados por farmácias de manipulação sob encomenda. Incide ICMS sobre as operações de venda de medicamentos por elas ofertados aos consumidores em prateleira." 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 605552, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-243 - DIVULG 05-10-2020 - PUBLIC 06-10-2020)

Acolhendo os embargos de declaração, tempestivamente opostos, a Suprema Corte modulou os efeitos da decisão, nos seguintes termos:

"EMENTA: Embargos de declaração no recurso extraordinário. Direito Tributário. Repercussão Geral. Tema nº 379. ICMS e ISS. Operações mistas realizadas por farmácias de manipulação. Pedidos de modulação dos efeitos do acórdão embargado. Acolhimento. 1. A Corte fixou, no acórdão embargado, a tese de que "incide ISS sobre as operações de venda de medicamentos preparados por farmácias de manipulação sob encomenda. Incide ICMS sobre as operações de venda de medicamentos por elas ofertados aos consumidores em prateleira". 2. A ausência de modulação dos efeitos da decisão ensejaria impactos financeiros indesejados em desfavor dos contribuintes, bem como dos estados e dos municípios, entes políticos cujas finanças já estão combalidas, e resultaria em grande insegurança jurídica, indo de encontro à boa-fé dos contribuintes que recolheram um tributo acreditando ser o correto. 3. Embargos de declaração acolhidos, modulando-se os efeitos da decisão embargada, bem como se estabelecendo que ela produza efeitos ex nunc a partir do dia da publicação da ata de julgamento do mérito, de modo a se convalidarem os recolhimentos de ICMS e de ISS efetuados em desacordo com a tese de repercussão geral, ficando ressalvados: (i) as hipóteses de comprovada bitributação; (ii) as hipóteses em que o contribuinte não recolheu o ICMS ou o ISS devidos até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito; (iii) os créditos tributários atinentes à controvérsia e que foram objeto de processo administrativo, concluído ou não, até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito; (iv) as ações judiciais atinentes à controvérsia e pendentes de conclusão até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito. Em todos esses casos, deverão ser observados o entendimento desta Corte, bem como o prazo decadencial e o prescricional". (RE 605552 ED-segundos, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-068 - DIVULG 09-04-2021 - PUBLIC 12-04-2021)

Pois bem! Feitas estas necessárias considerações, acerca do longo histórico processual, podemos concluir que a tributação dos serviços farmacêuticos, no que tange à manipulação de medicamentos, receberá, a partir de agora, o seguinte tratamento:

(i) Incide ISS sobre as operações de venda de medicamentos preparados por farmácias de manipulação sob encomenda.

(ii) Incide ICMS sobre as operações de venda de medicamentos por elas ofertados aos consumidores em prateleira.

Em termos práticos, significa dizer que, a manipulação de fórmulas objetivando a produção de um medicamento, sob encomenda, é prestação de serviços farmacêuticos sujeita à incidência exclusiva do ISSQN.

Por outro lado, a manipulação de fórmulas objetivando a produção de um medicamento, sem prévia encomenda e ofertados ao público em geral, é circulação de mercadoria sujeita à incidência exclusiva do ICMS.

Importante destacar, por sua relevância, que a operação sujeita ao ISSQN deve ser registrada por meio de nota fiscal de serviços, documento instituído pela Legislação Municipal. Caso seja necessário enviar o medicamento para o cliente encomendante, esta operação (transporte), deverá estar amparada por uma nota fiscal de simples remessa, prevista na legislação estatual.

Também restou decidido pelo STF que este entendimento não retroage, ou seja, só deve ser aplicado a partir do dia da publicação da ata de julgamento do mérito, convalidando, assim, todos os recolhimentos de ICMS e de ISS efetuados em desacordo com a tese de repercussão geral.

Como exceção à esta regra, observado o prazo decadencial e prescricional, haverá retroação nos seguintes casos:

(i) as hipóteses de comprovada bitributação;

(ii) as hipóteses em que o contribuinte não recolheu o ICMS ou o ISS devidos até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito;

(iii) os créditos tributários atinentes à controvérsia e que foram objeto de processo administrativo, concluído ou não, até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito;

(iv) as ações judiciais atinentes à controvérsia e pendentes de conclusão até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito.

Em conclusão, vale lembrar ainda que, ao analisar a questão da tributação dos serviços farmacêuticos, a decisão da Suprema Corte restringiu-se apenas às operações envolvendo a manipulação de fórmulas para a produção de um medicamento.

Contudo, o campo material de incidência do ISSQN, com relação aos serviços farmacêuticos, possui uma abrangência muito maior e a sua fixação será extraída do direito privado, ou seja, da legislação reguladora desta atividade profissional.

Neste sentido, o art. 6º da Resolução nº 357/2001, do Conselho Federal de Farmácia, define serviços farmacêuticos como sendo: "serviços de atenção à saúde prestados pelo farmacêutico".

No Brasil, o exercício da profissão farmacêutica é regulado pelo decreto nº 20.377/1931.

Portanto, além do entendimento manifestado pela Suprema Corte, também estão no campo de incidência do ISSQN, como serviços farmacêuticos, todos os demais serviços prestados pelos farmacêuticos e que estão definidos na legislação de regência desta atividade profissional.

 
*José Antônio Patrocínio é Advogado, Consultor Tributário da Thomson Reuters, Professor de ISSQN em Cursos de Pós Graduação e Autor do Livro: "ISS - Teoria, Prática e Jurisprudência - 5º Edição".