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ITBI na integralização com imóveis do capital de sociedade: uma análise sob a ótica do julgamento do RE nº 796.376/SC São Paulo, 2020 - Jhonytan Mark da Silva*

I. Introdução

O ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), por ocasião da edição do Código Tributário Nacional em 1966, foi inicialmente outorgado aos Estados. Naquela oportunidade, o legislador infraconstitucional contemplou duas hipóteses de não incidência do imposto, previstas nos incisos I e II do artigo 36 do referido diploma:

"Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:

I - quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;

II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra".

Já no artigo 372, foi estabelecida uma exceção à regra de não incidência, para os casos em que a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante (i) a venda ou locação de propriedade imobiliária; ou (ii) a cessão de direitos relativos à sua aquisição.

Em 1988, com a introdução de uma nova constituição (CR/1988), o Código Tributário Nacional (CTN), naquilo que compatível (art. 34, parágrafo 5º do ADCT), foi devidamente recepcionado.
Em matéria de ITBI (artigos 36 e 37 do CTN), apenas em relação à outorga para a sua instituição, houve uma mudança sobre o ente competente. O legislador constituinte conferiu ao Município a competência para a sua exigência, em detrimento do Estado.

1. Adota-se a terminologia "não incidência" em função da redação do disposto, ao tratar das hipóteses em que o imposto "não incide".

2. "Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como ação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição".

No mais, foram mantidas, com pequenas alterações, as hipóteses de não incidência do CTN, inclusive a exceção à regra (art. 37 do CTN). É o que se depreende do inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 156 da Constituição de 1988:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...)

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

(...)

§ 2º. O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.(...)"

A não incidência do ITBI nos casos de bens integralizados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital foi, então, alçada ao nível constitucional, incorporando-se às imunidades.
Essa regra constitucional, relativa à imunidade, suscitou diversas disputas. Dentre elas, merece destaque a discussão sobre o alcance da imunidade nas hipóteses de subscrição do capital quando o bem imóvel integralizado superar o capital subscrito.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal, admitindo a repercussão geral da matéria (Tema nº 376, RE nº 796.376/SC), fixou a seguinte tese:

"A imunidade em relação ao ITBI, prevista no I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado".

Nesse cenário, o presente texto busca examinar os principais aspectos sobre o tema, em especial sob a ótica do julgamento do RE nº 796.376/SC, cuja repercussão geral foi reconhecida.

Em primeiro lugar, para uma melhor compreensão do que foi decidido pela Suprema Corte, passa-se a relatar, de maneira breve, a operação societária objeto de análise e os principais aspectos da decisão do Supremo. Em complemento, também será investigada a função da regra imunizante e as suas limitações.

Não se deve confundir imunidade com não incidência. A primeira traduz uma hipótese de vedação à cobrança do tributo por opção do legislador constitucional. Por outro lado, a segunda diz respeito à própria não ocorrência do fato gerador.

II. Julgamento do RE nº 796.376/SC

A controvérsia que deu origem ao leading case decorre do fato de que, embora o capital social tenha sido fixado em R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais), os sócios integralizaram o capital da empresa com 17 imóveis, avaliados em R$ 802.724,00 (oitocentos e dois mil, setecentos e vinte e quatro reais). A diferença, na quantia de R$ 778.724,00 (setecentos e setenta e oito mil e setecentos e vinte quatro reais), foi registrada como reserva de capital.

Em virtude da norma contida no artigo 156, par. 2º, inciso II, da Constituição, que trata da imunidade do ITBI na hipótese de integralização do capital, a empresa não efetuou o recolhimento do imposto. O Fisco, por outro lado, lavrou um Auto de Infração para exigir o ITBI sobre o valor excedente ao capital integralizado (de R$ 778.724,00).]

O contribuinte, contra esse lançamento, impetrou mandado de segurança, cuja segurança foi concedida em primeiro grau. Já em segunda instância, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) reformou a decisão, para afirmar que a diferença entre o valor do bem e do capital social (reserva de capital) não está compreendida na regra de imunidade.

Esse foi o caso objeto de julgamento pela Suprema Corte no Recurso Extraordinário nº 796.376. Como visto, foi assentada a tese de que "a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado".

Muito embora o julgamento já tenha se encerrado, são necessários alguns esclarecimentos adicionais sobre o tema e o equívoco incorrido pelo Supremo Tribunal Federal.

III. Da regra imunizante e a natureza da reserva de capital

Foi visto que a Constituição, similar ao CTN, estabeleceu que o ITBI não incide sobre a "transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil".

Da redação desse dispositivo, pode-se depreender, basicamente, dois critérios para a aplicação da regra de imunidade. O primeiro deles diz respeito à exigência de que os bens sejam incorporados ao patrimônio da empresa. Além desse requisito de incorporação, a empresa também deve estar em situação de realização de capital, isto é, em momento de constituição.

No que toca ao primeiro critério, vale ressaltar que o artigo 178, par. 2º, inciso III, da Lei nº 6.404/76 (Lei da S.A), define que as contas de reserva de capital integram o patrimônio líquido da empresa:

"Art. 178. No balanço, as contas serão classificadas segundo os elementos do patrimônio que registrem, e agrupadas de modo a facilitar o conhecimento e a análise da situação financeira da companhia.

§ 2º. No passivo, as contas serão classificadas nos seguintes grupos:

III - patrimônio líquido, dividido em capital social, reservas de capital, ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados".

Isso significa dizer que as reservas de capital são incorporadas ao patrimônio da empresa e, caso a empresa também atenda ao segundo critério - em situação de realização de capital - o direito à imunidade não deve ser obstruído.

Somado a isso, vale lembrar que as reservas de capital possuem utilidade limitada, descritas também na Lei nº 6.404/76 (Lei da S.A), por meio do artigo 200. Todas essas funcionalidades, por sua vez, estão intimamente relacionadas à atividade desempenhada pela empresa, não sendo admitido, por exemplo, o uso para pagamento de dividendos, com exceção de ações preferenciais.

É dizer, assim, que assegurar o direito da empresa à regra de imunidade não compreende qualquer benefício ou, ainda, subsídio para um planejamento tributário abusivo. Trata-se de simples aplicação da regra disposta no texto constitucional.

A Constituição exige apenas que o bem imóvel seja incorporado ao patrimônio da empresa, o que, nos termos da legislação societária, compreende a reserva de capital. Vale salientar que a lei tributária não pode alterar definição ou conteúdo dos institutos de direito privado, na tentativa de alargar a competência tributária. Esse é o comando que se retira do artigo 110 do Código Tributário Nacional:

"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias".

Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal deveria ter reconhecido a aplicação da imunidade no caso objeto de análise. Admitir a supressão da imunidade vai na contramão do ordenamento jurídico brasileiro.

O sistema tributário brasileiro pode ser entendido como um complexo de normas jurídicas, sujeitas a relações de coordenação e subordinação determinadas pela Constituição. A Constituição tributária optou por uma estrutura de regras de competência, das quais a atividade legiferante e a do aplicador da norma não podem se afastar. É ver a lição de Humberto Ávila:

"Em primeiro lugar, a Constituição Brasileira prevê regras de competência, e as regras, à diferença dos princípios, constituem razões entrincheiradas que não podemos, simples e puramente, abandonar por qualquer motivo. As regras de competência estabelecem os fatos que podem ser objeto de tributação e esses fatos não podem ser abandonados, inclusive por razões principiológicas de solidariedade social, de função social, etc. Essa é a função das regras. Se houver, no mesmo nível hierárquico, conflito entre regra e princípio, vence a regra.

Em segundo lugar, a Constituição Brasileira estabelece um sistema rígido, em que todos esses elementos - princípios, regras de competência, limitações ao poder de tributar - não podem ser objeto de modificação. pela legislação infraconstitucional, às vezes nem mesmo por emenda constitucional (§ 4º do artigo 60 da CF/88). Em face disso, a estrutura do sistema tributário fica enrijecida na Constituição e o legislador infraconstitucional, inclusive de Direito Civil, por lei ordinária, não pode modificar".

A discriminação de competência, portanto, revela que o constituinte originário optou por conferir a cada uma das pessoas jurídicas (Estados, Municípios e União), um campo próprio para instituir os tributos previamente autorizados no texto constitucional.

O poder de tributar, tal como previsto na carta de competências constitucional, não é irrestrito. Em diversas oportunidades, o legislador constituinte estatuiu limitações a esse poder, as quais, revestidas denatureza constitucional, devem ser observadas.

São essas restrições ao poder de tributar que garantem ao contribuinte uma garantia à arrecadação fiscal do Estado. Por se tratar de garantias individuais, a Constituição as conferiu a natureza de cláusula pétrea, o que impede a supressão ou diminuição dessas garantias mediante propostas de emendas constitucionais.

"Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

IV - os direitos e garantias individuais".

Dentre essas garantias individuais, que, na esfera tributária, representam uma limitação ao poder de tributar, destacam-se as imunidades tributárias. São essas limitações constitucionais que demarcam a competência do ente, excepcionando alguns casos que, embora se amoldem à hipótese de incidência, foram retiradas do campo de exigência por opção do legislador constituinte.

Por assim dizer, a decisão do Supremo Tribunal Federal, ao suprimir a imunidade do ITBI no caso de subscrição do capital social com ágio, viola frontalmente a finalidade e a interpretação teleológica que deve ser conferida à regra imunizante (art. 156, § 2º, inciso II, da Constituição).

Não se desconhece, por outro lado, que alguns intérpretes do direito defendem que a decisão do Supremo Tribunal Federal foi adequada, ao fundamento de que a imunidade se destina à realização do capital social, e não para reserva de capitais. Essa concepção foi consolidada com o voto do Ministro Alexandre de Moraes, redator do acórdão do RE nº 796.376, ao definir que a imunidade do ITBI não alcança o valor do imóvel não destinado "à integralização do capital subscrito, e sim a outro objeto - como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital":

Essa interpretação, todavia, não encontra amparo na Constituição, como demonstrado.

IV. Conclusão

A interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 796.376, ao fixar a tese de que a imunidade em relação ITBI não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado, não encontra amparo na Constituição, tampouco no CTN (artigo 110).

As imunidades são verdadeiras garantias individuais ao poder de tributar, motivo pelo qual não devem ser alvo de supressão. Considerando que as reservas de capital são incorporadas ao patrimônio da empresa, razão não assistiu ao Supremo Tribunal Federal na sua decisão.

Em complemento, a empresa autuada pelo Fisco Municipal não tinha como atividade preponderante a compra e venda de bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Afasta-se, portanto, qualquer afirmação no sentido de que seria aplicável a exceção à imunidade disciplinada na parte final do par. 2º, inciso I, do art. 156 da Constituição.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 181.

GRUMPENMACHER, Betina Treiger (coord.) - Direito tributário e o novo código civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004.

 
*Jhonytan Mark da Silva - Bacharel em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pós-graduando em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET).