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STJ decide pela tributação dos rendimentos provenientes de aplicações financeiras, inclusive a correção monetária - Larissa Gimenez Martins* - Maria Eugênia Martini Mariz de Oliveira*

Em 11.5.2021, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") apreciou o Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.660.363/SC, no qual restou decidido que os rendimentos e ganhos líquidos provenientes de aplicações financeiras, inclusive sobre a correção monetária apurada no período, sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda.

Na ação, determinada empresa buscava afastar a incidência do imposto sobre a correção monetária das aplicações financeiras, argumentando que tal montante não representa acréscimo patrimonial, mas mera recomposição da perda de valor da moeda pela inflação.

A União Federal, por sua vez, sustentou que os rendimentos provenientes de aplicação financeira provocam acréscimo ao patrimônio da empresa, consubstanciando o fato jurídico-tributário determinante para a incidência do Imposto de Renda.

Além disso, defendeu que ainda que fosse possível destacar a parcela da correção monetária dos rendimentos de aplicação financeira, o montante seria considerado receita financeira e integraria a base de cálculo do IRPJ, nos termos do artigo 9º da Lei n. 9.718, de 27.11.1998.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região concluiu pela possibilidade de tributação da correção monetária das aplicações financeiras, em razão da ausência de previsão legal para a dedução pretendida. Diante disso, a empresa recorreu ao STJ sustentando violação ao artigo 43 do Código Tributário Nacional bem como a legislação federal acerca da matéria.

Ao enfrentar o mérito da questão, o Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, em decisão monocrática, entendeu que a correção monetária computada nos rendimentos de aplicações financeiras não deve sofrer a incidência do IRPJ, porquanto esta não representa acréscimo patrimonial, necessário à incidência do imposto nos termos do artigo 43 do CTN, mas mera recomposição do poder de compra. Destacou, ainda, que o seu entendimento estava em linha com a jurisprudência do STJ.

Nesse contexto, a Fazenda Nacional interpôs Agravo Interno, visando a reforma do entendimento adotado pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho em sua decisão.

Assim, a questão que foi colocada à Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça era a seguinte: a inflação embutida nos rendimentos de aplicações financeiras deve compor a base de cálculo do Imposto sobre a Renda?

O Min. Napoleão Nunes Maia Filho, relator do caso, manteve sua posição ao apreciar o Agravo Interno interposto pela Fazenda Nacional, adotando como fundamento acórdãos anteriores do STJ (i.e., AgInt no AgInt no REsp n. 1.667.090/RS; REsp n. 1.505.719/SC; AgRg no REsp n. 1.452.725/AL).

Ocorre que, como bem pontuou a Fazenda Nacional, os precedentes citados pelo ministro relator como fundamento para a sua decisão referem-se à incidência do Imposto de Renda sobre o lucro inflacionário, de modo que se distanciam da matéria discutida no caso em análise pelo tribunal. Tendo isso em vista, cabe aqui uma pequena digressão a respeito da tributação do mencionado "lucro inflacionário".

Como se sabe, previamente à instauração do Plano Real, o Brasil passou por um cenário de instabilidade da moeda nacional e extrema inflação. Nesse contexto, foi editada a Lei n. 7.799, de 10.7.1989 definindo a forma de correção monetária das demonstrações financeiras, para que estas refletissem, na medida do possível, a real situação das empresas. O referido diploma legal previa, então, a obrigatoriedade de correção do resultado do exercício, o qual serviria de base à apuração do montante tributável. Tal situação perdurou até o advento da Lei n. 9.249, de 26.12.1995, responsável pela revogação da correção monetária das demonstrações financeiras.

Diante desse cenário, a jurisprudência reconheceu, na linha dos precedentes citados pelo ministro relator, a impossibilidade de o lucro inflacionário integrar a base de cálculo do IRPJ, uma vez que este configuraria mera atualização monetária, e não efetivo acréscimo patrimonial tributável.

Ocorre que, a despeito do entendimento sustentado pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho, as conclusões adotadas pelos tribunais naqueles casos não se aplicam à matéria debatida no bojo do Recurso Especial n. 1.660.363/SC, na medida em que não se discute, nesse caso, a incidência do IRPJ sobre o lucro inflacionário, mas sim sobre a correção monetária computada nos rendimentos de aplicações financeiras.

Foi justamente esse ponto que norteou o voto do Min. Gurgel de Faria, que inaugurou a divergência. Segundo o ministro, com a edição da Lei n. 9249/1995 que, em seu art. 4º, passou a vedar a utilização de qualquer sistema de correção monetária das demonstrações financeiras, não há que se falar em lucro inflacionário sendo adicionado à base de cálculo do IRPJ.

Ademais, pontuou o ministro que a Lei n. 9718/98, passou a prever expressamente, em seu art. 9º, que as variações monetárias dos direitos de crédito deveriam ser consideradas, para efeitos da legislação do Imposto de Renda, como receitas ou despesas financeiras.

Assim, concluiu o Min. Gurgel de Faria que resta caracterizado o acréscimo patrimonial quando apurados rendimentos de aplicações financeiras, os quais devem ser submetidos à incidência do IRPJ na forma do supracitado art. 9º da Lei n. 9718/98, não havendo amparo legal à pretensão de dedução de valores correspondentes à correção monetária.

Destaca-se que tal entendimento, inclusive, já havia sido adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 5.10.2020, conforme se verifica do Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.581.332/RS. Confira-se:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO. INFLAÇÃO NOS RENDIMENTOS DE APLICAÇÃO FINANCEIRA. AUMENTO DO LUCRO REAL. INCIDÊNCIA DAS EXAÇÕES. LEI 8.981/1995. AGRAVO INTERNO DO CONTRIBUINTE A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A parte recorrente não indicou, em suas razões recursais, quais seriam os dispositivos de Lei Federal de interpretação controvertida nos Tribunais, providência exigida por esta Corte Superior para o conhecimento dos Recursos Especiais interpostos tanto com fundamento na alínea a quanto na alínea c do art. 105, III da CF/1988. Incide ao caso, assim, a Súmula 284/STF.
2. O acórdão impugnado encontra apoio na jurisprudência dominante nesta Corte Superior de que é legítima a incidência do Imposto de Renda retido na fonte e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido do total dos rendimentos e ganhos líquidos de operações financeiras, ainda que se trate de variações patrimoniais decorrentes de diferença de correção monetária. Isso porque se trata de disponibilidade econômica decorrente do capital, acrescentando valor nominal da moeda. Precedentes: AgInt no REsp. 1.446.072/SP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 26.9.2018; AgInt no REsp. 1.458.810/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 29.11.2016; REsp. 842.831/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 6.10.2008.
3. Agravo Interno do Contribuinte a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1581332/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2020, DJe 08/10/2020)"

O entendimento do Min. Gurgel de Faria foi acompanhado pelo Min. Benedito Gonçalves, que acrescentou que, tendo em vista o regime oficial de metas de inflação adotado pelo Brasil - segundo o qual é estabelecido um alvo para a inflação desejável em determinado ano, bem como um intervalo de tolerância - todos os montantes investidos estão sujeitos ao fenômeno inflacionário, sem que isso, no entanto, retire dos rendimentos a condição de fato gerador do Imposto sobre a Renda. Afirma o ministro que, considerando a política monetária do Brasil, toda e qualquer riqueza está sujeita à depreciação de seu poder de conversão em bens; não obstante, aquilo que se acresce a título de recomposição financeiras, como elemento novo, poderá constituir renda tributável.

Finalmente, também o Min. Sérgio Kukina acompanhou a posição adotada pelo Min. Gurgel de Faria, sustentando que a legislação aplicável ao caso não exclui da incidência do Imposto de Renda o total dos rendimentos e ganhos líquidos provenientes de aplicações financeiras, incluído o acréscimo patrimonial decorrente da atualização monetária.

Assim, em que pese a Min. Regina Helena Costa tenha adotado entendimento alinhado ao do relator, foi dado provimento, por maioria, ao Agravo Interno interposto pela Fazenda Nacional para negar provimento ao Recuso Especial do contribuinte, fixando-se, portanto, o entendimento de que os rendimentos e ganhos líquidos provenientes de aplicações financeiras, inclusive sobre a correção monetária apurada no período, sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda.

A decisão não foi proferida sob a sistemática dos recursos repetitivos, de modo que não tem aplicação obrigatória a outros processos. No entanto, é um importante indicativo do entendimento daquela Corte e pode balizar a decisão de outros casos semelhantes.

 
Larissa Gimenez Martins (Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo IBDT) e;
Maria Eugênia Martini Mariz de Oliveira (Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduanda em Direito Tributário Internacional pelo IBDT).