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Responsabilidade objetiva por infrações tributárias - CARF cancela multa por atraso na transmissão de DIPJ em virtude de erro no sistema SERPRO - Bruno Fajersztajn - Gabriela Amaral de Macedo


Em 27.11.2014 foi disponibilizado o acórdão n. 1102-001.277, o qual reconheceu a inexigibilidade de multa por atraso na entrega de Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica, relativa ao exercício de 2010, ano calendário de 2009, tendo em vista a impossibilidade de cumprimento do dever de envio da declaração, por conta de problemas técnicos relacionados ao sistema eletrônico de remessa das informações.

O contribuinte autuado sustentava que, na época da transmissão da DIPJ 2010, havia se deparado com problemas técnicos no sistema SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados), fato esse que o impediu de efetuar tempestivamente a transmissão de sua declaração.

O contribuinte acostou aos autos algumas cópias de telas, extraídas de seus computadores, onde constavam as tentativas de transmissão, devidamente indicadas com data e hora, bem como a informação de serviço indisponível temporariamente. Além disso, enviou mensagem à Ouvidoria da Receita Federal relatando detalhadamente os problemas encontrados. Também há relato nos autos de que o contribuinte esteve presente em um Centro de Atendimento ao Contribuinte para que pudesse ser aberto um Chamado junto ao SERPRO relatando os problemas encontrados - tendo sido juntado, inclusive, o número do referido Chamado.

A Delegacia da Receita Federal de Julgamento julgou a impugnação improcedente, pois, em seu entendimento, basta o não cumprimento de obrigação acessória dentro de prazo - independente de culpa ou dolo do sujeito passivo - para o lançamento de multa. Aplicou a teoria de que a responsabilidade por infrações é objetiva em matéria tributária. Além disso, atestou que a Receita Federal do Brasil, em outras ocasiões em que problemas similares ao presente ocorreram, prorrogou prazo para cumprimento de obrigação acessória e confirmou determinado erro no sistema e que, no presente caso, não houve qualquer ato administrativo reconhecendo tais fatos em relação à entrega da DIPJ de 2010.

Interposto recurso voluntário, a 2ª Turma Ordinária, da 1ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento do CARF, reformou a decisão da DRJ, cancelando a multa exigida.

O colegiado explica que a multa por atraso na entrega de DIPJ deve incidir nos casos em que o contribuinte, por descuido ou intencionalmente, não apresenta a declaração no prazo legal, o que teria o objetivo de coercitivamente evitar que a obrigação seja cumprida quando o sujeito passivo bem entender, o que tornaria o sistema de controle da Receita Federal um caos. Nesse sentido, concorda com a DRJ quando esta alega que a penalidade independe de constatação de dolo ou culpa do sujeito passivo, bastante a materialização do atraso para a aplicação da multa.

Mesmo concordando com a DRJ quanto a esse ponto, em seu voto, o Conselheiro Relator afirmou que nas situações em que o contribuinte logra comprovar que a infração decorre de problemas cuja responsabilidade não lhe pode ser atribuída, é possível o cancelamento da multa. Por outro lado, destacou que a grande questão é o sujeito passivo comprovar que a culpa pelo atraso, no caso, é do sujeito ativo. E no caso, verificou que essa prova foi produzida.

Explicou, nesse contexto, que geralmente, as falhas no sistema ocorrem no momento em que se aproxima o prazo final para entrega de declarações, face à enorme demanda que sofre o sistema, e que, em casos como esse, quando um grande número de contribuintes é afetado, a Receita Federal emite ato determinando a prorrogação excepcional de prazo para entrega da DIPJ.

E mesmo tendo constatado que, no caso em exame, não houve qualquer ato proferido pela Receita Federal, a decisão entendeu que, ao contrário do entendimento da DRJ, esse fato não é determinante para se concluir que não tenha ocorrido qualquer problema técnico nos sistemas de transmissão de DIPJ.

Prossegue o voto destacando a dificuldade do contribuinte em apresentar prova dos problemas técnicos ocorridos, mas reconhecendo como válidos os meios de prova empregados, tais como a juntada das telas de computador com a mensagem de erro e os comprovantes de sua ida a um CAC para abertura de Chamado perante o SERPRO.

Ao final, o colegiado concluiu que, pelas medidas adotadas pelo contribuinte, não havia dúvidas da ocorrência de um efetivo problema técnico atribuído ao SERPRO, principalmente pelo imenso esforço do contribuinte em cumprir sua obrigação. O relator ainda expõe seu posicionamento de que, se nenhum problema houvesse com o sistema da Receita Federal, o contribuinte teria incorrido em esforço muito menor para providenciar a transmissão de sua declaração com dados incompletos ou incorretos apenas com o fim de cumprir o prazo fatal e evitar multa por atraso, e logo a seguir enviar a retificação de sua declaração.

Ademais, foi citado o art. 5º do Decreto n. 70235, de 6.3.1972, segundo o qual os prazos só se iniciam ou vencem em dia de expediente normal no órgão arrecadador, tendo restado reconhecido que o órgão em questão não deve ser entendido como a repartição física da Receita Federal, mas também o ambiente virtual SERPRO.

Logo, a Turma fixou o entendimento de que a falha técnica ocorrida no sistema de transmissão da DIPJ por período consideravelmente extenso equivale à situação de expediente anormal no último dia de vencimento do prazo de entrega de declaração, o que consequentemente fez com que este fosse postergado para o primeiro dia útil seguinte. Tendo o contribuinte enviado a declaração no dia seguinte, não seria devida a multa em questão.

Restou claro pela decisão que a multa, a despeito de objetivamente devida na literalidade do dispositivo legal que a prevê (art. 7º da Lei n. 10426, de 24.4.2002), foi afastada pela total ausência de culpa por parte do contribuinte, o qual envidou todos os esforços para cumprir a obrigação tempestivamente.

Veja-se que a decisão, embora tenha concordado com a DRJ ao dizer que a penalidade independe de dolo ou culpa por parte do contribuinte, acabou por afastar a multa justamente em razão da ausência de culpa. A despeito de tal fato representar aparente contradição, a melhor interpretação da afirmativa contida no acórdão é no sentido de que, na verdade, existe uma presunção de culpa por parte do contribuinte, a qual pode ser afastada em situações como a julgada no caso em comento, nas quais o contribuinte logra comprovar não ter tido qualquer ingerência na fala ocorrida.

Mesmo sem afirmar categoricamente, o CARF reconhece que a responsabilidade por infrações não é objetiva, podendo ser relevada em situações excepcionais como a analisada no precedente. Segundo constou do voto condutor daquela decisão, proferida pelo Ilustre Conselheiro João Otávio Oppermann Thomé, (...) é  de  senso  comum  e  a  qualquer  cidadão  repele  a  ideia  de  que,  estando o sujeito passivo impossibilitado de cumprir tempestivamente com a sua obrigação, em virtude de falha atribuível ao sujeito ativo da relação, faça-se incidir a multa por atraso.

Vale registrar que, a despeito da existência de divergência doutrinaria a respeito, a posição majoritária dos estudiosos do tema é no sentido de que a responsabilidade por infrações à legislação tributaria não é objetiva.

A decisão é um importante precedente proferido pelo CARF, o qual afastou a aplicação da letra fria da lei e reconheceu, baseada em critérios de boa-fé e equidade, que, em situações excepcionais a punição pelo descumprimento de obrigações acessórias pode ser afastada.


 
Elaborado por:
Bruno Fajersztajn
Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.
E-mail:
bf@marizsiqueira.com.br

Gabriela Amaral de Macedo
Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
gam@marizsiqueira.com.br