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Primeira Turma do STJ mantém acórdão que impediu contribuinte de discutir compensação em embargos à execução fiscal - Marcelo Muratori*

Em 1.12.2020, foi publicado o acórdão proferido pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos autos do AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.391.354/RJ[1], em que, por maioria, foi negado provimento ao recurso do contribuinte.

Esse recurso objetivava reformar o acórdão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região que havia impedido o contribuinte de discutir pela via dos embargos à execução fiscal a exigibilidade de débito tributário originado de compensação não homologada pela autoridade fiscal.

Em síntese, a 4ª Turma do TRF da 2ª Região entendeu que na situação analisada estaria configurada a vedação trazida pelo art. 16, parágrafo 3º, da Lei nº 6830, de 22.9.1980, que trata das matérias de defesas a serem arguidas em embargos à execução fiscal e que nessa peça processual não se "admite a arguição de reconvenção, nem compensação". Diante disso, entendeu-se que a via eleita pelo contribuinte para a defesa judicial teria sido inadequada, impossibilitando a análise do mérito da cobrança.

Para melhor compreensão do quanto foi decidido pela 1ª Turma, passemos à análise dos fatos submetidos ao julgamento no AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.391.354/RJ.

I - Síntese do processo analisado pela Primeira Turma do STJ

O contribuinte opôs Embargos à Execução Fiscal com objetivo de anular débito de COFINS originado da não homologação de declaração de compensação em que se utilizou de indébito de estimativas de IRPJ.

O direito creditório objeto da declaração de compensação não foi reconhecido pela Receita Federal do Brasil (RFB) sob o argumento de que o contribuinte deixou de pagar imposto de renda no ano-calendário em questão. Constatou-se, ademais, que não havia saldo disponível de estimativas no DARF informado pelo contribuinte como origem do crédito objeto da compensação.

O Juízo de primeiro grau julgou procedentes os embargos à execução fiscal por entender "que a embargante realmente tinha direito de ver examinada a declaração de compensação que ela havia apresentado, com a análise da existência do direito de crédito alegado e sua aplicação adequada para quitar o tributo informado, e não outro identificado "intempestivamente" pela Receita Federal".

Importante ressaltar que a sentença afastou a preliminar de inadequação da via eleita trazida pela União Federal em sua impugnação aos embargos à execução. Para o magistrado, o contribuinte não pretende realizar a compensação propriamente dita em juízo, mas sim "busca o Poder Judiciário para demonstrar a liquidez e certeza do crédito declarado, sendo perfeitamente possível o exame de tal alegação através dos embargos à execução".

Essa sentença, contudo, foi reformada pela 4ª Turma do TRF da 2ª Região, que deu provimento ao recurso de apelação da União Federal. Confira-se a ementa do acórdão:

"EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 16, §3º DA LEF. MITIGAÇÃO DO DISPOSITIVO PELO STJ NO CASO DE HOMOLOGAÇÃO ADMINISTRATIVA OU RECONHECIMENTO JUDICIAL. COMPENSAÇÃO NÃO HOMOLOGADA. DESCABIMENTO.

1. O art. 16, § 3º, da Lei nº 6.830/80 expressamente veda a possibilidade de alegação de compensação em sede de embargos à execução. Não obstante a expressa redação do artigo, a jurisprudência vem temperando a aplicação do dispositivo, permitindo a alegação de compensação nas hipóteses em que a lei a autoriza e a ela atribui o efeito de extinção do crédito tributário. Precedentes.

2. Para que a compensação possa ser admitida nestes embargos à execução, deve haver um pedido de compensação homologado pela autoridade administrativa, ou o reconhecimento pela via judicial.

3. No caso dos autos, porém, não houve a homologação da compensação na via

administrativa, nem o reconhecimento da mesma pela via judicial. Ora, ao ser notificado da não homologação da compensação requerida administrativamente, o contribuinte deveria ter buscado dela recorrer (administrativa ou judicialmente), ao invés de aguardar o ajuizamento da execução fiscal e trazer tais alegações em sede de embargos.

4. Apelação e remessa necessária providas".

Para dar provimento ao recurso de apelação da União Federal, o Desembargador Relator Luiz Antonio Soares, cujo voto foi acompanhado por unanimidade pelos demais julgadores, sustentou que a prévia homologação da compensação pela autoridade administrativa ou pelo Poder Judicial é condição essencial para que essa matéria possa ser alegada como defesa em embargos à execução fiscal.

Por outras palavras, para a 4ª Turma do TRF da 2ª Região, os embargos à execução somente podem veicular matérias que demonstrem a extinção do crédito tributário. Como, no caso em análise, a compensação foi integralmente não homologada, o débito respectivo não foi extinto e, portanto, a via eleita mostrou-se inadequada.

Ademais, o relator ainda sustentou que o contribuinte deveria ter apresentado recursos administrativos contra o despacho decisório que não homologou a compensação ao invés de aguardar o ajuizamento da execução fiscal. O contribuinte ainda opôs embargos de declaração contra esse acórdão, os quais foram rejeitados pela turma julgadora.

Contra o referido acórdão, o contribuinte interpôs recursos especial e extraordinário. Ambos os recursos foram inadmitidos pela Vice-Presidência do TRF da 2ª Região, cujas decisões foram desafiadas por agravos interpostos pelo contribuinte.

Em seu Agravo em Recurso Especial, o contribuinte sustentou, em síntese, (i) a inaplicabilidade da norma contida no art. 16, parágrafo 3º, da Lei nº 6830 às compensações realizadas anteriormente ao ajuizamento da execução fiscal, mesmo que não homologadas pela RFB; (ii) que as compensações extinguem o crédito tributário de forma imediata, mesmo que sujeitas à ulterior verificação fiscal e, ainda, (iii) a nulidade do acórdão recorrido, por não ter sanado os vícios apontados pelo contribuinte em embargos de declaração.

A relatoria do Agravo em Recurso Especial foi atribuída ao Ministro Gurgel de Faria que em decisão monocrática conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial. Em suma, entendeu o Ministro Relator que não seria possível alterar a premissa fática estabelecida pelo acórdão recorrido de que o contribuinte não possui crédito reconhecido pelo ente fazendário, passível de compensação. Sendo assim, para o relator, aplicar-se-ia, ao caso, a Súmula nº 7 do STJ.

Entendeu-se, ademais, que os argumentos subsidiários trazidos pelo contribuinte em seu agravo não foram objeto de apreciação pelo acórdão recorrido[2], o que atrairia a aplicação das Súmulas nº 282 do STF e 211 do STJ.

Contra essa decisão monocrática, o contribuinte interpôs agravo interno, o qual foi negado provimento pela 1ª Turma.

II - Fundamentos jurídicos do acórdão proferido no AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.391.354/RJ

Levado o agravo interno a julgamento, a 1ª Turma do STJ, por maioria, negou provimento ao recurso especial do contribuinte. Prevaleceu o voto do relator, Ministro Gurgel de Faria, o qual foi acompanhado pela Ministra Regina Helena Costa e pelo Ministro Sérgio Kukina. O Ministro Benedito Gonçalves estava impedido e o Ministro Napoleão Nunes Faria divergiu do relator, apresentando voto-vista.

De acordo com o voto vencedor do Ministro Gurgel de Faria, "as razões do recurso especial não infirmaram a conclusão do acórdão recorrido de que a contribuinte não possui crédito a ser compensado e, por esse motivo, seria correta a incidência da vedação contida no art. 16, § 3º, da Lei n. 6.830/1980, dando ensejo à aplicação das Súmulas 283 e 284 do STF".

Especificamente, decidiu-se que os fatos assentados no acórdão recorrido demonstram que o contribuinte não possui crédito líquido e certo a pleitear em compensação, fato este que não foi impugnado pelo contribuinte em seu recurso. Segundo ainda consta das razões de decidir, a revisão da existência de crédito passível de compensação demandaria o reexame fático-probatório da lide, atraindo, assim, a Súmula nº 7 do STJ.

Como visto, a pretensão do contribuinte, nesse caso, esbarrou em questões processuais que impediram a apreciação do mérito recursal pela Primeira Turma do STJ[3].

Essa constatação quanto à forma de solução da lide mostra-se importante, pois para a maioria dos ministros da 1ª Turma, o acórdão do TRF da 2ª Região, na forma como proferido, não contrariou o entendimento da 1ª Seção do STJ formado no Tema Repetitivo nº 294[4], segundo o qual:

"A compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal, a fim de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário".

De fato, quando do julgamento do recurso vinculado ao Tema Repetitivo nº 294, a 1ª Seção do STJ estabeleceu que com o advento do art. 66 da Lei nº 8383, de 30.12.1991 e dos arts. 74 e seguintes da Lei nº 9430, de 27.12.1996, a compensação adquiriu a natureza de direito subjetivo do contribuinte, podendo ser oponível em sede de embargos à execução fiscal.

Para a 1ª Seção do STJ, nessas situações, é assegurado ao contribuinte o direito de discutir compensação em embargos à execução fiscal, desde que essa tenha sido realizada previamente ao ajuizamento da execução fiscal e, ainda, que estejam presentes os seguintes requisitos objetivos (i) a existência de um crédito e (ii) de um débito, (iii) e de lei específica versando sobre a possibilidade de compensação nesses termos.

Nesse cenário, embora a 4ª Turma do TRF da 2ª Região tenha acrescentado um novo requisito àqueles estabelecidos pela 1ª Seção, qual seja, a necessidade de a compensação ter sido homologada previamente na esfera administrativa, a 1ª Turma do STJ entendeu que o acórdão recorrido não contrariou o entendimento firmado no Tema Repetitivo nº 294:

"Quanto ao mais, consoante se verifica do acórdão recorrido, a Corte Regional não decidiu de forma contrária ao entendimento do STJ no que se refere à interpretação do art. 16, § 3º, da Lei n. 6.830/1980 e do art. 74, § 2º, da Lei n. 9.430/1996, bem quanto ao REsp 1.008.343/SP" (g.n.)

Interessante notar que o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho diverge do voto vencedor exatamente por entender que o entendimento formado pela 1ª Seção do STJ não compreende a necessidade de a compensação ter sido previamente homologada na esfera administrativa. Confira-se o seguinte trecho de seu voto-vista:

"Por tais razões, a compensação voluntária já realizada na esfera administrativa como argumento de defesa não está vinculada à homologação pela Receita Federal, mas também àquelas que não foram homologadas, sob pena se opor obstáculo ao amplo acesso ao Judiciário."

Essa colocação do Ministro Napoleão mostra-se relevante sobretudo para fins de compreensão da jurisprudência do STJ sobre o tema.

Por um lado, é possível extrair do voto vencedor do Ministro Gurgel de Faria que a constatação de que a Corte Regional entendeu não haver crédito líquido e certo a ser utilizado pelo contribuinte faria com que não estivesse presente no caso o requisito "existência de crédito" delineado pela 1ª Seção no REsp nº 1.008.343/SP.

Por outro lado, ao manter o acórdão proferido pela 4ª Turma do TRF da 2ª Região que estabeleceu ser necessária a prévia homologação da compensação para que essa seja discutida em embargos à execução fiscal, a 1ª Turma do STJ, ainda que por questões processuais, chancelou esse entendimento.

Contudo, esse requisito ("prévia homologação da compensação"), como bem posto pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho não consta do entendimento definido pela 1ª Seção em recurso repetitivo. Essa preocupação externada no voto-vista mostra-se bastante relevante, pois o entendimento do acórdão recorrido de que a compensação deve ter sido previamente deferida ou homologada para que possa ser debatida em embargos à execução fiscal tem sido verificado com certa frequência na jurisprudência.

De fato, alguns julgados de outros Tribunais Regionais Federais têm entendido que a necessidade de deferimento ou homologação prévia da compensação na esfera administrativa seria condição indispensável para que essa matéria seja debatida em embargos à execução fiscal[5]. Em muitos desses acórdãos, inclusive, os julgadores consignam que esse requisito suspostamente estaria presente no acórdão proferido pela 1ª Seção no Tema Repetitivo nº 294.

No STJ, esse posicionamento também já foi verificado em julgados da 2ª Turma do STJ posteriores ao julgamento do Tema repetitivo nº 294[6]. No âmbito da 1ª Turma, por seu turno, até o julgamento desse Agravo Interno no ARESP nº 1.391.354 - RJ, mantinha-se o entendimento de que bastaria a verificação dos três requisitos mencionados no Tema nº 294, sem a necessidade de a homologação ter sido realizada na esfera administrativa[7].

Nesse contexto de instabilidade jurisprudencial, a controvérsia em volta desse tema deverá ser dirimida novamente pela 1ª Seção do STJ para que fique claro se o acórdão proferido em sede de recurso repetitivo deverá ser reinterpretado, de forma mais restritiva, adicionando um requisito, qual seja, a necessidade de prévia homologação da compensação.

A propósito do tema, em 26.8.2020, a 1ª Seção do STJ admitiu o processamento dos Embargos de Divergência nº 1.795.347/RJ. Nesse recurso, o contribuinte traz a problemática à 1ª Seção, uma vez que o acórdão recorrido, proferido pela 2ª Turma, destoa do entendimento tradicionalmente defendido pela 1ª Turma de que a compensação ter sido homologada na esfera administrativa não é requisito para que essa matéria possa ser discutida em embargos à execução fiscal.

O julgamento desses Embargos de Divergência ainda não ocorreu e a solução a ser dada pela 1ª Seção poderá definir melhor os contornos do tema, evitando-se, assim, decisões judiciais que desrespeitem o quanto definido no Recurso Repetitivo nº 1.008.343/SP.

 
Notas
[1] AgInt no AREsp 1391354/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 30/11/2020.
[2] "a) impossibilidade de compensação de ofício pela Receita Federal e b) mesmo que se considerasse essa possibilidade, caberia ao contribuinte a indicação de qual tributo deveria ser compensado".
[3] Súmula n. 283 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.
Súmula n. 284 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.
[4] REsp 1008343/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010.
[5] Por exemplo: TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 0018340-50.2017.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 2/10/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/10/2019; TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 0030757-16.2009.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MARCONDES, julgado em 19/06/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/06/2019; TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 0000314-39.2010.4.03.6122 - Juíza Convocada LEILA PAIVA, julgado em 24/11/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/12/2016; TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 0027959-58.2007.4.03.6182 - Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 28/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/10/2017.
[6] Por exemplo: AgInt no REsp 1795347 / RJ | 2018/0242270-8. Rel. Ministro OG FERNANDES (1139). Julgado em 19/05/2020. Publicado em 09/06/2020; AgInt no AREsp | 2018/0176962-0. Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141). Julgado em 13/11/2018. Publicado em 22/11/2018; AgInt no REsp | 2017/0216985-1. Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141). Julgado em 27/02/2018. Publicado em 02/03/2018
[7] Por exemplo: AgRg no AREsp 217561 / PR | 2012/0170955-0. Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133). Julgado em 16/02/2016. Publicado em 26/02/2016; AgRg no REsp n. 2014/0237911-7. Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142). Julgado em 24/11/2015. Publicado em 07/12/2015.)

 
*Marcelo Muratori é advogado. Bacharel e mestre em direito tributário pela PUC-SP; Especialista em direito tributário pela USP; LLM em Finance pela Universidade de Frankfurt, Alemanha. E-mail: marcelo.muratori@marizadvogados.com.br