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A aplicação da alíquota majorada de IRRF prevista na Lei nº 9779/99 aos juros decorrentes de contratos de mútuo celebrados antes do início de sua vigência - Análise da decisão proferida pelo STJ no RESP 1.438.876-SP - Bruno Fajersztajn - Ramon Tomazela Santos - Gabriela Amaral de Macedo


O Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente o recurso especial n. 1.438.876-SP, no qual se discutia a aplicação da alíquota majorada de imposto de renda de 25%, prevista no artigo 8º da Lei 9779, de 19.1.1999¹, para os rendimentos pagos a beneficiários residentes em jurisdição com tributação favorecida, aos contratos de empréstimos internacionais celebrados antes de sua entrada em vigor.

No caso em questão, o contribuinte firmou os contratos de mútuo durante a vigência do art. 28 da Lei n. 9249 de 26.12.1995², o qual previa a aplicação da alíquota geral de 15% sobre os rendimentos remetidos ao exterior, independentemente do regime de tributação da renda dos países dos beneficiários. 

Com o advento da Medida Provisória n. 1788, de 29.12.1998, posteriormente convertida na Lei n. 9779/99, houve a majoração da alíquota do imposto de renda para os casos de rendimentos remetidos a beneficiários residentes em países que não tributam a renda ou o fazem a alíquota inferior a 20%. 

Por possuir contratos de mútuo celebrados com credores localizados em jurisdições com tributação favorecida, o contribuinte impetrou mandado de segurança para questionar a possibilidade de aplicação da alíquota majorada de 25% aos juros decorrentes de contratos de mútuos celebrados antes da entrada em vigor da Lei n. 9779/99. 

Em sua defesa, o contribuinte alegou que a majoração da alíquota não poderia retroagir para atingir os rendimentos de contratos de mútuo celebrados na vigência da Lei 9249/95, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei 9779/99, pois tal aplicação infringiria o seu direito adquirido, o ato jurídico perfeito e o princípio da irretroatividade.

Além de tal alegação, o contribuinte ainda invocou precedente do Supremo Tribunal Federal (ADI n. 493-0), que examinou a possibilidade de gradação do nível de retroatividade da lei de acordo com a sua intensidade, que pode ser máxima, média ou mínima. De acordo com o STF, a retroatividade máxima é extremamente ampla, pois permite que a nova lei atinja fatos jurídicos consumados ou protegidos pela coisa julgada, o que traz grave insegurança e incerteza ao ordenamento jurídico. A retroatividade média, por sua vez, permite que a nova lei atinja os efeitos pendentes dos atos jurídicos celebrados antes do início de sua vigência. Na retroatividade média, a lei nova alcança até mesmo as prestações pretéritas, desde que ainda pendentes de adimplemento. Por fim, a retroatividade mínima permite que a lei nova atinja os efeitos futuros dos negócios jurídicos celebrados no passado. Sob a égide da retroatividade mínima, a lei nova alcança tanto os contratos celebrados após o início de sua vigência quanto às prestações futuras de negócios jurídicos celebrados no passado, mas que ainda produzam efeitos.

Assim, partindo do pressuposto que o princípio da irretroatividade da lei tributária não admite qualquer grau de retroatividade, ainda que mínimo, o contribuinte defendeu que o artigo 8º da Lei n. 9779/99 não pode alcançar as prestações futuras (i.e., pagamentos futuros de juros) de contratos celebrados antes do início de sua vigência.

O contribuinte também defendeu que o artigo 105 do Código Tributário Nacional, ao definir que a lei tributária se aplica imediatamente aos fatos geradores futuros e pendentes, não excluiu a aplicação do princípio da irretroatividade. Logo, não haveria antinomia entre o citado dispositivo e o artigo 6º, caput, e parágrafo 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, de modo que a aplicação da lei tributária não poderia modificar os efeitos de situação jurídica constituída na vigência da lei anterior.

Reafirmando a posição do STJ a respeito do tema, o Ministro relator Mauro Campbell Marques, em seu voto, considerou que os rendimentos pagos após a vigência da Lei n. 9779/99, ainda que referentes a contratos celebrados no vigor da Lei n. 9249/95, devem ser submetidos à incidência do imposto de renda à alíquota majorada de 25%.

Na visão do Ministro, a nova lei deve regular os efeitos presentes e futuros de contratos de trato sucessivo. Para justificar a sua posição, o Ministro Mauro Campbell Marques invocou, como precedente, decisão em que se discutia a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ("CDC") aos contratos celebrados antes de sua vigência, sendo que, naquele caso, restou decidido que o CDC não retroage para alcançar efeitos presentes e futuros de contratos celebrados antes de sua vigência, mas pode afetar os contratos de trato sucessivo e de prestação continuada.

Nessa linha, o relator entendeu que a alíquota majorada de imposto de renda prevista na Lei 9779/99 deve incidir sobre os novos fatos geradores ocorridos após o início da sua vigência, tendo em vista que a obrigação de reter o valor relativo ao imposto de renda surge a cada remessa de rendimentos ao exterior.

A decisão em comento é importante porque existem outras discussões relevantes sobre a possibilidade de aplicação de regras anti-elisivas específicas aos contratos de mútuo celebrados antes do início da sua vigência, como nos casos de controle de preços de transferência e de subcapitalização. Apenas a título de exemplo, a Coordenação-Geral do Sistema de Tributação (COSIT), em sua decisão n. 11, 24.9.1999, considerou que os contratos de mútuo celebrados antes da entrada em vigor da Lei n. 9430, de 27.12.1996, não estavam sujeitos ao controle de preços de transferência. Veja-se:

"Assunto: Imposto de Renda Pessoa Jurídica - Preços de Transferência.
Ementa: Contrato de mútuo com empresa vinculada no exterior celebrado antes da eficácia da Lei nº 9.430/96, não está abrangido pelas normas do preço de transferência. Contrato de mútuo celebrado em moeda nacional e sem registro no Banco Central, não autoriza a dedução de despesa a título de variação cambial." (Decisão COSIT 11, de 24/09/1999, processo 13805.003191/98-01).

A decisão examinada representa um forte indício de que, na visão do STJ, o contrato de mútuo celebrado antes da vigência da nova lei, ainda que seja considerado como um ato jurídico perfeito, eis que cumpridos os requisitos legais estabelecidos à época de sua celebração, não garante ao seu contribuinte proteção contra futuras alterações legislativas, que podem atingir os seus efeitos futuros, seja em relação ao aumento de alíquota do IRRF incidente sobre os juros, seja em relação aos requisitos para a dedução das despesas financeiras correspondentes.

De qualquer forma, vale ressaltar que o STJ não examinou o tema sob o enfoque do princípio da segurança jurídica, que visa a assegurar os ideais de confiabilidade e previsibilidade do ordenamento jurídico. A proibição de retroatividade apenas opera quando a lei atinge fato gerador consumado sob a vigência de lei anterior, o que não ocorre no caso em análise, pois o pagamento dos juros, que constitui a obrigação tributária relativa à retenção do IRRF, foi realizado na vigência do artigo 8º da Lei n. 9779/99. Porém, o princípio da segurança jurídica pode ir além da proteção conferida pela irretroatividade, a fim de garantir a chamada "calculabilidade normativa³, pois o contribuinte deve ter a possibilidade de prever, com exatidão, quais serão as consequências futuras do contrato de mútuo celebrado no presente. Assim, embora o STJ provavelmente não tenha sido instado a ser manifestar sobre o tema nesta perspectiva mais ampla, é de se reconhecer que o resultado do julgamento poderia ter sido diferente sob o enfoque da segurança jurídica. 

Além disso, relembre-se que o raciocínio adotado pelo STJ não pode ser imediatamente estendido para outras situações, pois há particularidades que podem influenciar na análise de cada caso concreto. Como exemplo, para fins de aplicação das regras de subcapitalização, há quem defenda que a análise da necessidade dos recursos para a pessoa jurídica deve se reportar à data de celebração do contrato de mútuo, que representa o momento em que o contribuinte efetivamente precisou dos recursos para o financiamento de suas atividades. Por consequência, o controle do limite de endividamento em relação ao patrimônio líquido deveria ser verificado na data da celebração do contrato de mútuo, e não na data da apropriação dos juros. Assim, se na data da celebração do contrato de mútuo o endividamento da pessoa jurídica estivesse dentro das margens aceitas pelo legislador, as regras de subcapitalização seriam aplicáveis apenas aos novos empréstimos contraídos após a superação dos coeficientes de endividamento prefixados pelo legislador. 

Por ora, resta aguardar a futuras decisões do Poder Judiciário a respeito do tema, a fim de verificar se a mesma construção jurídica será estendida para casos semelhantes envolvendo as regras brasileiras de preços de transferência e de subcapitalização, as quais despertam grande interesse para as pessoas jurídicas que possuem contratos de mútuo com partes residentes no exterior. 
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¹ Confira-se a redação do texto legal: "Art. 8o  Ressalvadas as hipóteses a que se referem os incisos V, VIII, IX, X e XI do art. 1o da Lei no 9.481, de 1997, os rendimentos decorrentes de qualquer operação, em que o beneficiário seja residente ou domiciliado em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a vinte por cento, a que se refere o art. 24 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento".

² Art. 28. A alíquota do imposto de renda de que tratam o art. 77 da Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958 e o art. 100 do Decreto-Lei nº 5.844, de 23 de setembro de 1943, com as modificações posteriormente introduzidas, passa, a partir de 1º de janeiro de 1996, a ser de quinze por cento.

³ Para uma análise do princípio da segurança jurídica, conferir: ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica - Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2012.


 
Elaborado por:
Bruno Fajersztajn
Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.
E-mail: bf@marizsiqueira.com.br 

Ramon Tomazela Santos
Advogado. Formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).
E-mail: rts@marizsiqueira.com.br  

Gabriela Amaral de Macedo
Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie