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CARF mantém autuação que desconsiderou planejamento tributário envolvendo operação de "sale and leaseback" -

Bruno Fajersztajn 

Paulo Coviello Filho 

Gabriela Amaral de Macedo



Foi publicado recentemente o acórdão n. 1102-001.029, de 11.3.2014, proferido pela 2ª Turma Ordinária, da 1ª Câmara, da 1ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o qual analisou interessante situação, a qual foi classificada pela fiscalização da Receita Federal do Brasil como planejamento tributário realizado de forma abusiva e ilícita, por meio do qual o contribuinte teria obtido economia tributária a partir da dedução de despesas com aluguel em operação geralmente chamada de "sale and leaseback".

A situação fática analisada pode ser resumida de forma bastante simples: Determinada pessoa jurídica (A) vendeu bens (imóveis e móveis) a duas pessoas jurídicas (B) e (C) constituídas pelos mesmos sócios da pessoa jurídica (A). Após a referida alienação, a pessoa jurídica (A) passou a pagar aluguel pela utilização destes bens às pessoas jurídicas (B) e (C), tributadas pelo lucro presumido. Assim, as despesas de aluguel eram deduzidas na apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSL, ao passo que eram tributadas com base no regime do lucro presumido, implicando sensível economia tributária.

A fiscalização desconsiderou a operação, lavrando autos de infração contra a pessoa jurídica (A), cobrando o imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSL), supostamente devidos em decorrência da glosa das despesas com aluguel em comento e de suposta omissão de receita de aluguéis, tendo em vista que parte dos bens em comento era alugada para terceiros. Não há notícia no acórdão acerca de eventual dedução dos tributos pagos pelas empresas (B) e (C) para efeito de quantificação da exigência lavrada contra (A), o que seria de rigor, tendo em vista a acusação fiscal.

Além disso, aplicou a multa qualificada, com base nos artigos 71, 72 e 73 da Lei 4502, de 30.11.1964. As pessoas jurídicas (B) e (C) e os sócios da pessoa jurídica (A) foram arrolados como responsáveis, com base nos art. 124 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN).

Na autuação, a fiscalização classificou as operações efetuadas como fraude e sonegação, sob a alegação de que não houve motivação comercial efetiva, principalmente em vista a constituição das sociedades (B) e (C), que, segundo a fiscalização, funcionavam apenas para atender ao objetivo de economia tributária, não possuindo efetiva atividade econômica. Além disso, a fiscalização também destacou o fato de a venda ter gerado ganho de capital (diferença do valor da venda para o valor contábil) para a pessoa jurídica (A), o qual não foi oferecido à tributação. Constatou-se também que as referidas vendas não haviam sido liquidadas financeiramente até o momento da fiscalização.

As defesas apresentadas pela pessoa jurídica (A) e pelos responsáveis solidários pessoas físicas pautaram-se, inicialmente, na argumentação de que havia plena autonomia negocial entre as sociedades, o que seria comprovado por documentos de operações das sociedades (B) e (C) com terceiros. Também destacou que a pessoa jurídica (A) aproveitou créditos da contribuição ao PIS e da COFINS, no regime da não-cumulatividade, calculados sobre os dispêndios mensais com aluguéis, créditos esses que não haviam sido contestados pela fiscalização, que manteve intactos tais créditos, glosando apenas as despesas referentes a estes aluguéis para efeito de apuração do IRPJ e da CSL. Na visão do contribuinte, haveria incoerência do raciocínio fiscal.

Por fim, pleiteou a não aplicação da multa qualificada de 150%, uma vez que não estaria comprovado o intuito da contribuinte de cometer ato ilícito, não podendo o dolo ser presumido. Além disso, sustentou que não deveria haver a aplicação concomitante da multa isolada com a multa qualificada.

Os responsáveis solidários arrolados pela fiscalização defenderam que o enquadramento no dispositivo utilizado pela fiscalização, qual seja, o art. 124, inciso I e art. 135, do CTN, requer comprovação cabal da efetiva participação ou contribuição da pessoa supostamente solidária na prática da infração, o que não teria ocorrido na situação em análise.

O CARF deu parcial provimento ao recurso voluntário dos contribuintes, apenas para afastar as multas isoladas aplicadas em concomitância com a multa de ofício. No mérito, contudo, manteve a autuação, inclusive a multa qualificada, bem como a responsabilidade dos responsáveis arrolados, em decisão colhida por maioria no mérito, sendo que o Relator foi acompanhado pelas conclusões.

Em seu voto, o Relator consignou entendimento de que de fato existe uma norma antielisiva no ordenamento jurídico brasileiro, a qual estaria prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN, e que esta prescinde de regulamentação, podendo ser aplicada para desconsideração de negócios jurídicos.

Salientou, ainda, que nas escrituras de transferência dos bens à empresa (B), foi firmada falsa declaração de que os preços ora pactuados haviam sido quitados, contudo, na escrituração contábil constava que os valores haviam sido lançados como crédito da empresa (A) contra a empresa (B), adquirente, sendo que tal passivo somente foi liquidado por meio de cheque da empresa (B) emitido durante a fiscalização.

Afirmou que o propósito preponderante de todos os negócios jurídicos entre as três empresas seria apenas a economia tributária, principalmente pelo fato de que tais empresas locadoras não foram criadas para atuar no ramo imobiliário, o que se comprovava por elas não terem efetiva atuação no mercado, com exceção da atividade relativa aos bens em questão, aspecto que invalidaria os atos praticados.

Quanto à alegação da contribuinte sobre a contradição do fisco de não glosar os créditos de PIS e de COFINS tomados pela contribuinte no regime da não-cumulatividade sobre os valores pagos a título de aluguéis, o relator refutou tal alegação sobre a justificativa de que o auditor fiscal não está vinculado a efetuar autuações relativamente a todos os tributos.

Em declaração de voto, o Conselheiro Antonio Carlos Guidoni Filho, embora tenha concordado com as conclusões do Relator, discordou dos fundamentos adotados. Inicialmente, apresentou sua opinião de que o fato da contribuinte, optante pelo lucro real, ter alienado seus imóveis a empresa optante pelo lucro presumido não justifica a glosa das despesas de aluguel, sendo a contribuinte livre para efetivar esse tipo de movimento, desde que os atos sejam efetivamente praticados. Ainda nessa linha, ressaltou que, em seu entendimento, a eficiência tributária não é direito, mas sim dever do administrador, devendo ser sempre perseguida pelos contribuintes. A inadmissibilidade do planejamento em comento, contudo, decorreria da artificialidade dos atos praticados.

Elencou a declaração de voto alguns aspectos que, a seu ver, comprovavam a artificialidade da operação, dentre os quais se destacam: (i) o fato de a venda dos bens ter ocorrido por valor inferior ao de mercado, não tendo havido a quitação do preço estipulado; e (ii) não ter ocorrido pagamento de tributo sobre o ganho de capital apurado na alienação. Concluiu, por fim, que houve uma instrumentalização das operações para que se atingisse redução da carga tributária, sem que os atos fossem efetivamente respeitados. Em suma, a operação, embora em tese fosse possível, no caso concreto era artificial, simulada, e sua invalidade no plano do Direito Privado não lhe permitiria surtir os efeitos tributários desejados. 

A diferença da declaração de voto para a posição manifestada pelo Relator reside no fato de que, enquanto na referida declaração a invalidação da operação se deu em virtude de vícios nos negócios jurídicos praticados, na visão do Relator a economia tributária seria inválida em virtude da aplicação do art. 116, parágrafo único, do CTN, sendo que falta de propósito negocial ou razão extra tributária seria suficiente para motivar a desconsideração dos atos e negócios jurídicos em questão.

É importante ressaltar que o ordenamento jurídico não incorporou a existência de propósito negocial como requisito para a validade de negócios jurídicos, de forma que este fato, por si só, não poderia motivar a desconsideração dos atos validamente praticados. Sobre o tema, aliás, vale destacar que a Medida Provisória n. 66, de 29.8.2002, nos art. 13 a 19, pretendeu disciplinar a aplicação do parágrafo único do art. 116 do CTN, prevendo, inclusive, a possibilidade de desconsideração de atos ou negócios jurídicos sem propósito negocial. Mas os referidos artigos não se converteram em lei, o que significa que a referida regra, que constou da MP n. 66, foi expulsa do ordenamento jurídico, não havendo, pois, qualquer previsão legal neste sentido. Tanto é assim que foi editado recentemente o Projeto de Lei n. 537/15, que trata da regulamentação do parágrafo único do art. 116 do CTN, e, entre as razões para desconsideração de atos jurídicos, está justamente a falta de propósito negocial. Nesse sentido, aliás, acolhendo a linha de que não há norma em vigor que condicione a economia tributária à existência de razões extra tributárias, veja-se o acórdão n. 1302-001150¹.

Outro ponto digno de nota diz respeito á exigência da multa agravada. No caso, ela parece ter restado mantida, assim como a responsabilidade dos terceiros envolvidos, justamente em virtude das ilicitudes cometidas no plano do Direito Privado, o que faz sentido, eis que a operação, tal como posta no acórdão, parece possuir características fraudulentas. Contudo, não fosse pela questão da ilicitude no plano privado, seria bastante questionável a exigência de multa agravada caso a manutenção da autuação estivesse baseada exclusivamente na ausência de propósito negocial e na aplicação do parágrafo único do art. 116 do CTN como norma antielisiva. Isso porque existe grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial a respeito desse tema e tal indefinição permite concluir que não há conduta dolosa do contribuinte que age de acordo com uma das linhas jurídicas existentes, como já reconheceram os acórdãos n. 2202-002165, de 19.2.2013, e 2201-002638, de 20.1.2015, dentre outros, do CARF.

Em suma, a decisão em comento é relevante e demonstra que o tema envolvendo os limites do planejamento tributário no Brasil continua controvertido e cercado de incertezas. Um caso que poderia ter sido resolvido no plano da invalidade dos atos jurídicos perante o Direito Privado, na perspectiva da simulação, e que dispensaria qualquer consideração a propósito do parágrafo único do art. 116 do CTN, contou com manifestação bastante restritiva em relação à liberdade que possuem os indivíduos e sociedades na busca da economia tributária.

A questão, portanto, deve ser analisada com a devida cautela, nos moldes do que restou consignado na declaração de voto do Conselheiro Antonio Carlos Guidoni Filho. Em outras palavras, o simples fato de possuir como objetivo principal a economia tributária não justificaria a glosa das despesas de aluguel em uma operação de "sale and leaseback". É necessário analisar as circunstâncias específicas do caso para se concluir se a economia tributária pretendida é válida, sendo importante registrar que, muitas vezes, a operação em questão configura importante instrumento de financiamento das empresas. 

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¹ "Os julgadores do CARF prestarão um grande serviço ao Estado e a sociedade brasileiras se imprimirem segurança jurídica e isonomia ao sistema, evitando que suas decisões fiquem ao sabor lotérico do entendimento de cada conselheiro sobre conceitos vagos não positivados como, por exemplo, falta de propósito negocial, que não passa de uma construção jurisprudencial alienígena sem respaldo no ordenamento jurídico pátrio."


 
Elaborado por:

Bruno Fajersztajn
Mestrando em Direito Tributário pela USP e Advogado em São Paulo. 
Email: bf@marizsiqueira.com.br

Paulo Coviello Filho
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Email:
pcf@marizsiqueira.com.br

Gabriela Amaral de Macedo
Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.