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Primeira Turma do STJ decide que não cabe condenação em honorários na cautelar de caução prévia à execução fiscal - Henrique Coutinho de Souza, Natália Molina e Marina Dombrauskas Barroso*

Em setembro de 2020, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") julgou o Agravo Interno interposto nos autos do Agravo em Recurso Especial ("ARESP") nº 1.521.312/MS, mantendo a decisão monocrática que afastou a condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios em cautelar de caução prévia à execução fiscal, por entender que a ação possui natureza jurídica de "incidente processual inerente à execução fiscal", "não guardando autonomia a ensejar a condenação em honorários em desfavor de qualquer das partes".

Sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 ("CPC/73"), o cabimento dessas medidas cautelares foi reconhecido pelo STJ por meio de Recurso Especial ("RESP") repetitivo nº 1.123.669/RS(1), no qual se firmou a tese de que "é possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa". Trata-se do Tema nº 237 dos repetitivos.

O objetivo de tais medidas era oferecer garantia idônea, a fim de viabilizar a expedição de certidão de regularidade fiscal após o encerramento da discussão na esfera administrativa, com fundamento no art. 206 do Código Tributário Nacional ("CTN")(2).

Encerrado o processo administrativo de modo desfavorável ao contribuinte e extinto o prazo para cobrança amigável, o crédito tributário, então exigível, é encaminhado à dívida ativa. Em seguida, e dentro do prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 174 do CTN(3), é ajuizada a competente execução fiscal, oportunidade em que, garantindo a dívida, o contribuinte poderá discutir judicialmente a cobrança.

Ocorre que, enquanto não ajuizada a execução fiscal para cobrança dos débitos, o contribuinte se vê diante de um "limbo" processual, pois já suporta as restrições decorrentes da cobrança dos débitos pela Fazenda Pública - em especial, se vê impedido de obter a certidão de regularidade fiscal, que pode ser essencial para o desempenho de suas atividades -, mas ainda não pode caucionar a dívida no processo executivo.

O Código de Processo Civil de 2015 ("CPC/15") extinguiu as medidas cautelares, porém expandiu as espécies de tutelas que podem ser requeridas ao Poder Judiciário, previstas a partir do art. 294. Nesse contexto, pela nova legislação processual, os contribuintes possuem como meio hábil ao pleito da antecipação dos efeitos da penhora o ajuizamento de ação pelo procedimento comum, com pedido de tutela provisória de urgência, ou mesmo a tutela provisória requerida em caráter antecedente, que vem sendo aceita pelos Tribunais.

Vale destacar que, como o direito em questão foi reconhecido e pacificado pelo STJ em sede de repetitivo (Tema nº 237), a própria tutela de evidência, prevista no art. 311, inciso II, do CPC/15(4), pode ser aplicável a tal pretensão, desde que comprovado que o contribuinte não consegue renovar a sua certidão de regularidade fiscal em razão de o débito constar como pendência, por exemplo, em seu relatório de situação fiscal.

No caso analisado pelo STJ, o juízo de primeiro grau acolheu a caução prestada pelo contribuinte, com base no repetitivo acima mencionado, e condenou-o ao pagamento de honorários advocatícios à Fazenda Pública, com base no art. 85 do CPC(5), por entender que o mesmo poderia se valer da via administrativa para a obtenção de certidão de regularidade fiscal, razão pela qual a via judicial, apesar de cabível, não seria necessária.

Ao julgar o recurso de apelação do contribuinte, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul ("TJMS") decidiu inverter o ônus da sucumbência, à luz do princípio da causalidade, por entender que quem deu causa ao ajuizamento da ação foi a Fazenda Pública, tendo em vista a demora para cobrança judicial do débito. Em face do acórdão prolatado, a Fazenda interpôs Recurso Especial.

A Vice-Presidência do Tribunal originário negou seguimento ao apelo fazendário por entender que, para o deslinde da discussão, seria necessária a rediscussão de provas, o que é vedado pela Súmula nº 7(6) do STJ. Nesse contexto, foi interposto Agravo em Recurso Especial, distribuído sob o nº 1.521.312/MS, perante o STJ.

A Fazenda postulou em seu Agravo o afastamento do óbice previsto na Súmula nº 7 do STJ e, consequentemente, o conhecimento e provimento integral do Recurso Especial, para reformar o acórdão proferido pelo TJMS.

Alegou não poder ser responsabilizada a arcar com o ônus sucumbencial em função da demora no ajuizamento da Execução Fiscal, dado que possui a faculdade de ajuizá-la em qualquer tempo, desde que cumprido o prazo prescricional de cinco anos.

Ao analisar a controvérsia, o Ministro Gurgel de Faria, relator do caso, superou a admissibilidade - porquanto os fatos estavam assentados no acórdão recorrido - e deu parcial provimento ao apelo fazendário, por entender que a decisão proferida pelo Tribunal local não encontra amparo na jurisprudência do STJ.

De acordo com o voto proferido pelo Ministro, o STJ já se manifestou, em outras oportunidades, no sentido de que não pode ser imputada ao ente federativo a responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios sob o argumento da demora no ajuizamento de Execução Fiscal. Confira-se um dos precedentes citados como exemplo nesse sentido:

"(...) esta conclusão não encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior, que tem orientado o entendimento segundo o qual ?não pode ser imputado ao ente federativo, à luz do princípio da causalidade, a responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios em razão do não ajuizamento da execução em prazo inferior ao limite legal. Falta-lhe causalidade, decorrendo a ação de interesse exclusivo da parte autora sem responsabilidade culposa imputável à Fazenda Pública?. (REsp 1.703.125/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 21/11/2017, DJe 19/12/2017)."

Como alegado no voto, "a cautelar prévia de caução configura-se como mera antecipação de fase de penhora na execução fiscal e, via de regra, é promovida no exclusivo interesse do devedor".

Na mesma linha, o Ministro afirmou que "atribuir ao fisco a causalidade pela cautelar de caução prévia à execução fiscal representa imputar ao credor a obrigatoriedade da propositura imediata da ação executiva, retirando-se dele a discricionariedade da escolha do momento oportuno para a sua proposição e influindo diretamente na liberdade de exercício de seu direito de ação".

E, ainda, que "a questão decidida nesta ação cautelar tem natureza jurídica de incidente processual inerente à execução fiscal, não guardando autonomia a ensejar condenação em honorários advocatícios em desfavor de qualquer das partes".

Por fim, o Ministro reafirmou o direito do contribuinte de antecipar os efeitos da penhora de modo a obter certidão de regularidade fiscal, tal como havia sido definido em sede de repetitivo (Tema nº 237).

O voto do Ministro Gurgel de Faria foi acompanhado pelos Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa.

O Ministro Napoleão Nunes Maia Filho foi o único que divergiu do voto vencedor, afirmando que os advogados devem ser remunerados pelo trabalho realizado, ainda que por um valor módico, e concluindo pela condenação do contribuinte ao pagamento de quatro mil reais em favor da Fazenda Pública. Todavia, o voto restou vencido.

Vale pontuar que, em algumas situações similares à do ARESP nº 1.521.312/MS, o tema relativo à condenação em honorários deixa de ser analisado pela Corte Superior em razão do óbice da Súmula nº 7.

Isso porque o STJ entende que "a revisão do que foi decidido pelas instâncias ordinárias acerca da aplicação do princípio da causalidade só seria possível mediante reexame do acervo probatório dos autos, o que não é adequado em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ"(7). Assim, para a revisão da condenação em honorários advocatícios é imprescindível que o Tribunal de origem assente na decisão o contexto fático necessário à análise da causalidade.

A despeito de o ARESP nº 1.521.312/MS ter sido interposto nos autos de medida cautelar, ajuizada com fundamento no CPC/73, os fundamentos empregados no acórdão da Primeira Turma quanto à condenação em honorários advocatícios poderão nortear as ações e tutelas pleiteadas pelos contribuintes já sob a égide do CPC/15.

Isso porque, da mesma maneira, pode-se entender que, pelo princípio da causalidade, nem o contribuinte e nem a Fazenda Pública deram causa à propositura da ação, a razão pela qual não poderia haver a condenação em honorários em desfavor de qualquer das partes.

 
(1) Vide a ementa: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. AÇÃO CAUTELAR PARA ASSEGURAR A EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA.POSSIBILIDADE. INSUFICIÊNCIA DA CAUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O contribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa. (...). 2. Dispõe o artigo 206 do CTN que: "tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa." A caução oferecida pelo contribuinte, antes da propositura da execução fiscal é equiparável à penhora antecipada e viabiliza a certidão pretendida, desde que prestada em valor suficiente à garantia do juízo. 3. É viável a antecipação dos efeitos que seriam obtidos com a penhora no executivo fiscal, através de caução de eficácia semelhante. (...)"
(2) "Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa."
(3) "Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva."
(4) "Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (...) II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;"
(5) "Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor."
(6) Súmula n. 7 do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
(7) Nesse sentido: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA EM HONORÁRIOS. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE ATESTA A AUSÊNCIA DE CAUSALIDADE. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. (...) 3. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido concluiu que nenhuma das partes deveria ser condenada em honorários, tem-se que a revisão a que chegou o Tribunal de origem sobre a ausência de causalidade demanda o reexame dos fatos e provas constantes nos autos, o que é vedado no âmbito do recurso especial. Incide ao caso a Súmula 7/STJ. 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a revisão do que foi decidido pelas instâncias ordinárias acerca da aplicação do princípio da causalidade só seria possível mediante reexame do acervo probatório dos autos, o que não é adequado em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ. Precedentes: AgInt no REsp 1.651.454/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 9/3/2018; AgInt no AREsp 830.049/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 19/12/2017; AgRg no REsp 1.406.186/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 29/10/2015;AgInt no REsp 1.510.063/SP, Rel. Ministra Assussete Magalhães, Segunda Turma, DJe 18/12/2017. (...) 6. Agravo interno não provido." (AgInt no REsp 1768535/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/09/2019, DJe 25/09/2019)

 
*Henrique Coutinho de Souza, Natália Molina e Marina Dombrauskas Barroso.