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Securitização de créditos comerciais. Os efeitos retroativos do Parecer Normativo COSIT nº 5/2014 e a segurança jurídica. Solução de Consulta COSIT nº 202/15. Bruno Fajersztajn - Maicon Galafassi

Em 5.8.2015, foi proferida a Solução de Consulta COSIT n. 202, determinando que as pessoas jurídicas cuja atividade principal é a securitização de créditos comerciais estão obrigadas a adotar o regime de apuração do lucro real, não podendo optar pelo regime do lucro presumido, haja vista que a securitização de créditos comerciais estaria enquadrada no inciso VI do art. 14, da Lei n. 9718, de 27.11.1998.

O entendimento do Fisco é discutível, eis que a securitização somente foi contemplada nas hipóteses de vedação à opção pelo lucro presumido a partir de 11.6.2010, quando foi inserido na lista taxativa do referido art. 14 o inciso VII, sendo que tal dispositivo, por outro lado, somente contemplou "(...) as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio".

Vale registrar que, na realidade, a Solução de Consulta n. 202 sequer entrou no mérito da questão, tendo sido julgada, quanto ao mérito, inepta, nos termos do art. 18, inciso VII, da Instrução Normativa RFB n. 1396, de 16.9.2013 (01), haja vista que o Fisco já havia oficializado o entendimento acima descrito por meio do Parecer Normativo COSIT n. 5, de 10.4.2014.

O propósito deste comentário não é discutir o entendimento do Fisco a respeito da vedação em si, mas sim analisar outra relevante questão que foi abordada na Solução de Consulta n. 202, qual seja, a dos efeitos retroativos do referido PN COSIT n. 5/2014, tema bastante interessante.

A COSIT manifestou-se no sentido de que o PN COSIT n. 5/2014, assim como qualquer outro ato normativo interpretativo infra legal, por se tratar de ato que visa interpretar pontos controvertidos da aplicação da legislação tributária, possui natureza declaratória e não constitutiva. Deste modo, ele estaria apto para gerar efeitos ex tunc, isto é, retroativos, conclusão que, segundo consta na solução de consulta em análise, já havia sido manifestada anteriormente, no Parecer Normativo COSIT n. 5, de 25.5.1994.

No caso concreto, isso significa que a obrigatoriedade ao regime do lucro real para a atividade de securitização de créditos comerciais retroagiria à publicação do art. 14, inciso VI da Lei n. 9718, de 27.11.1998.

Adicionalmente, a COSIT invocou o art. 97 do Código Tributário Nacional (CTN) para demonstrar que a referida matéria está submetida ao princípio da legalidade, de tal sorte que os atos normativos infra legais não teriam competência para disciplinar o tema, mas tão somente para interpretar a lei.

Faz sentido que assim o seja. Afinal, o assunto tratado nesse tipo de ato está diretamente vinculado à obrigação tributária, estando sujeita tal relação à legalidade estrita, nos termos do art. 97 do CTN. Além disso, os pareceres normativos são normas complementares da legislação tributária, a teor do art. 100 do CTN. Logo, tais atos normativos não possuem o condão de inovar a legislação, mas apenas interpretar a lei, devendo sempre reportar-se à legislação, produzindo efeitos desde a entrada em vigor dos dispositivos editados.

Embora em princípio a posição manifestada pelo Fisco esteja correta do ponto de vista técnico, no caso concreto, em que se discute a vedação à opção pelo lucro presumido por empresas de securitização de créditos comerciais, alguns comentários adicionais precisam ser feitos.

Ocorre que, no presente caso, houve uma mudança de entendimento da COSIT, a qual, entre a entrada em vigor da lei e a edição do PN COSIT n. 5/2014, já havia se pronunciado, por meio da Solução de Divergência COSIT n. 8, de 13.4.2011, em sentido contrário, isto é, no sentido de que a atividade de securitização de créditos comerciais em geral não estaria enquadrada no rol de atividades sujeitas obrigatoriamente ao regime de apuração do lucro real, ficando a vedação prevista no inciso VII do art. 14 restrita apenas à securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio.

Diante deste cenário, em que pese ser correto afirmar que atos normativos infra legais possuem efeitos retroativos, pois que não criam direitos e apenas interpretam a lei, em caso de mudança de orientação do Fisco a respeito da matéria objeto do ato normativo, como ocorreu no caso em análise, a questão deve também ser analisada na perspectiva da segurança jurídica e à luz do art. 100, parágrafo único do CTN.

Sobre o assunto, a COSIT, na SC n. 202/2015, sustenta que a SD COSIT n. 8/2011 não teria efeitos erga omnes, o que poderia justificar o afastamento da ideia de que teria havido uma mudança de entendimento para outros contribuintes além daqueles que apresentaram o questionamento objeto da decisão de 2011. Contudo, ela não avaliou a matéria sob o ponto de vista do art. 12 da IN RFB n. 740, de 2.5.2007 (02), que determina a observância da Administração Pública ao entendimento ali exarado. Isto significa que, até a edição do PN COSIT n. 5/2014, a própria Receita Federal do Brasil estava vinculada ao entendimento de que as pessoas jurídicas que exerçam a atividade de securitização de créditos comerciais estavam autorizadas a optar pelo regime de apuração do lucro presumido.

Deste modo, inevitável invocar o art. 100, inciso III, combinado com o parágrafo único do CTN (03). Segundo esses dispositivos, deverão ser excluídos os juros de mora e as penalidades de eventuais divergências constatadas na apuração dos tributos correlatos no período anterior à publicação do PN n. 5/2014. Este entendimento decorre do princípio da segurança jurídica (04), previsto na Constituição Federal.

Isto é assim porque a adoção de um posicionamento por meio da SD COSIT n. 8/2011 gerou determinada expectativa por parte dos contribuintes de que essa seria a melhor interpretação da norma e aquela a ser adotada pela fiscalização. Assim, a mudança de entendimento por meio do PN COSIT n. 5/2014 deveria ser analisada levando-se em conta o princípio geral do direito do "venire contra factum proprium", expressão que determina a vedação de comportamento contraditório, aplicáveis também à Administração Pública (05). Este raciocínio baseia-se na boa-fé objetiva dos contribuintes em seguir o posicionamento elaborado pela COSIT por meio da solução de divergência que vincula a fiscalização.

Ademais, importante destacar que o PN COSIT n. 5/2014, que alterou o entendimento da matéria analisada, baseou-se no pressuposto de trazer maior segurança jurídica a respeito do referido tema. Veja-se:

"2. Dúvidas e divergências acerca do tema têm sido suscitadas e a falta de uniformidade na interpretação da matéria em referência tem gerado insegurança jurídica, tanto para os sujeitos passivos como para a Administração Tributária, impondo-se a edição de ato uniformizador acerca da matéria." (grifo nosso)

Importante frisar que a SD COSIT n. 8/2011 já havia sido editada com o intuito uniformizador acima destacado. Portanto, a edição do PN COSIT n. 5/2014, na prática, representou uma mudança significativa no posicionamento da COSIT acerca desta matéria.

Ora, se o pressuposto do ato normativo é trazer segurança jurídica, aplicá-lo de forma retroativa, à revelia do art. 100 do CTN, seria justamente trazer maior insegurança ao sistema, o que seria um enorme contrassenso. Além disso, representaria um desrespeito à Constituição Federal, podendo eventual lesão ou ameaça a direito serem levadas para a apreciação do Poder Judiciário, nos termos do inciso XXXV do art. 5º da Constituição.

Portanto, a posição do Fisco, embora correta quanto aos efeitos retroativos, deve ser analisada e aplicada à luz do art. 100 do CTN e do princípio constitucional da segurança jurídica. Sem prejuízo, o mérito da questão também precisa ser analisado em cada caso concreto, eis que é discutível o entendimento de que as securitizadoras de créditos em geral não podem optar pelo lucro presumido desde 1998, especialmente quando se verifica que a atividade de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio, em particular, somente passou a ser vedada após a edição da Lei n. 12249/2010.

De qualquer maneira, independentemente da aplicação ou não de acréscimos legais ou de outras teses que se possa aventar em relação à retroatividade dos efeitos do PN COSIT n. 5/2014, qualquer diferença de tributo decorrente da mudança de posicionamento tratada neste comentário somente poderá ocorrer dentro do prazo decadencial de que tratam os art. 150, parágrafo 4º, e 173, inciso I, do CTN.

Notas

(01) "Art. 18. Não produz efeitos a consulta formulada:
(...)
VII - quando o fato estiver disciplinado em ato normativo publicado na Imprensa Oficial antes de sua apresentação;".

(02) "Art. 12. Na solução de consulta deverão ser observados os atos normativos expedidos pelas autoridades competentes, bem como as Soluções de Consulta e de Divergência sobre a matéria consultada, proferidas pela Cosit e Coana." (grifo nosso).

(03) "Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
(...)
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo."

(04) "A CF/88, a par de princípios fundamentais, institui princípios administrativos que igualmente repercutem sobre o princípio da segurança jurídica. Entre eles, está o princípio da moralidade administrativa (art. 37). Malgrado a sua amplitude, pode-se inferir, desse princípio, a exigência de comportamentos sérios e leais por parte da Administração Pública: sérios, no sentido de fundamentados e justificados; leais, no sentido de respeitarem a confiança e as expectativas legítimas dos cidadãos. São justamente essas exigências de seriedade e de lealdade que compõem o ideal de segurança jurídica." (grifos nossos); (ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica no Direito Tributário - Entre Permanência, Mudança e Realização, USP, 2009, p. 246).

(05) A título exemplificativo, vale mencionar o Recurso em Mandado de Segurança n. 43.683-DF, de 28.4.2015: "(...) 5. No campo ético, a concessão do pleito importa grave violação ao princípio da boa-fé, e ao subprincípio do venire contra factum proprium, o qual veda o comportamento sinuoso, contraditório, inclusive nas relações entre a Administração Pública e o particular".

 
Elaborado por:
Bruno Fajersztajn.
Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.
E-mail: bf@marizsiqueira.com.br

Maicon Galafassi.
Graduado em Direito pela USP/SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBDT. Advogado em São Paulo.
E-mail: mg@marizsiqueira.com.br