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A validade da quebra de sigilo bancário nos procedimentos administrativos fiscais - Julia Mariz*


A Constituição da República define diversos princípios que devem ser assegurados aos cidadãos. Entre esses princípios há aqueles que resguardam a intimidade e a vida privada do indivíduo, definidos, em especial, no art. 5º, incisos X e XX, da Carta Magna.

Entretanto, como é sabido, as autoridades públicas, no exercício de seus ofícios, por vezes se sentem na necessidade de obterem maiores informações sobre determinado fato jurídico sob investigação, e terminam por esbarrar nas garantias individuais mencionadas. Desse modo, não raras as vezes, quando há investigação criminal em curso, é mais do que assente que a Autoridade Judicial deve permitir que sejam restringidos os direitos constitucionais ao sigilo fiscal, bancário e, também, das conversas telefônicas dos investigados.

Todavia, como dito, é a Autoridade Judicial que autorizará que os princípios constitucionais sejam restringidos, mediante decisão devidamente fundamentada.

Isso porque, justamente por se tratar de garantias extraídas da Carta Magna é que a cautela deve ser maior, e deve ser realizada pelo órgão estatal que, por ofício, deve ser imparcial e distante das partes. Caso contrário, estaria permitida a devassa generalizada, na qual qualquer agente público teria acesso a questões da vida privada do indivíduo irrestritamente, já que diretamente interessada no resultado das apurações.

Nesse sentido, acerca da proteção ao sigilo bancário, o legislador criou a Lei Complementar nº. 105/2001, que dispõe sobre os sigilos das operações de instituições financeiras, prevê os crimes nos quais, quando apurados, a quebra pode ser autorizada e, ainda define os requisitos de autorização.

Ocorre que a lei possui diversas lacunas, entre elas, a própria questão dos requisitos da autorização para a quebra de sigilo bancário. Isso porque, o art. 6º da referida lei descreve que: "as autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente".

Da mera leitura do dispositivo, poder-se-ia concluir que a Autoridade Fiscal possui poderes para violar o sigilo bancário do indivíduo, visto que a lei não restringe a violação apenas com autorização judicial.

Contudo, é uníssono o entendimento de que a ausência de decisão judicial acarreta em violação do próprio Estado Democrático de Direito, na medida em que a restrição dos direitos individuais somente pode ocorrer se estiver em consonância com a ordem pública, mediante análise que se paute nos critérios de proporcionalidade. Assim, se houver a afronta a princípios constitucionais de maneira indiscriminada, ou seja, sem que haja um padrão e uma fiscalização, a medida será ilegal.

Desse modo, a obtenção de provas que não se coadunam com o processo legal se torna ilícita e, assim sendo, não pode ser utilizada no processo penal.

Em outras palavras, se no curso de um procedimento fiscal for determinada a quebra de sigilo bancário de um indivíduo sem a devida autorização judicial e, posteriormente, esse procedimento indicar o cometimento de algum ilícito penal, a prova ali obtida não poderá ser utilizada, eis que obtida em desacordo legal.

Nesse sentido, vale transcrever o disposto no art. 157 do Código de Processo Penal: "são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas assim entendidas as obtidas nem violação a normas constitucionais ou legais.". 

Sobre o tema, o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na Apelação em Mandado de Segurança nº. 0015152-82.2012.4.03.6100, em 10 de fevereiro do corrente ano afirmou que os dados bancários obtidos por Delegado da Receita Federal do Brasil sem prévia autorização judicial não prestam como prova para o processo penal.

Nas palavras do Juiz Federal Convocado Ciro Brandani: "não se pretende olvidar que os direitos fundamentais não são ilimitados, podendo ser restringidos pelos demais direitos consagrados na Constituição, especialmente quando invocados para acobertar atividades ilícitas praticadas por seus titulares. Ocorre que, em casos que tais, a garantia constitucional somente pode ser afastada pelo Poder Judiciário, o qual é dotado da imparcialidade indispensável para avaliar os fatos e a necessidade da medida. Destarte, desrespeita o Estado Democrático de Direito a norma infraconstitucional que permite a violação aos dados bancários do contribuinte por mera requisição unilateral feita pela autoridade administrativa". 

Ainda, o E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na Apelação nº. 0008619-47.2011.4.01.3340, julgada em 4 de agosto último, absolveu réus denunciados com base em provas ilícitas - tidas assim, pois obtidas por meio da quebra de sigilo bancário requisitada diretamente pela Delegacia da Receita Federal do Brasil.

De acordo com o eminente Desembargador Mário César Ribeiro, "a legalidade das informações bancárias recebidas pelo Fisco sem prévio pronunciamento judicial não leva à conclusão de que a quebra de sigilo possa ser realizada sem prévia autorização do Poder Judiciário (...)".

Como se vê, as provas obtidas de forma leviana, sem análise profunda da matéria, ainda mais quando se tratar de direito constitucional, como é o caso da quebra de sigilo bancário, é rechaçada pelo ordenamento jurídico brasileiro.  

Fontes:
MORAES, Alexandre de, "Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional", 9ª edição - São Paulo, Editora Atlas, 2013.

BELLOQUE, Juliana Garcia, "Sigilo Bancário - Análise Crítica da LC 105/2001", São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2003.

 

 
Elaborado por:
Julia Mariz
Advogada Criminalista. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Participante do VII Curso de Pós Graduação em Direito Penal Econômico e Europeu do Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra/PT e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pós Graduada em Direito Penal pela Escola Paulista de Magistratura.
E-mail:
julia@vannioliveira.com.br