A contribuição social de dez por cento devida ao FGTS na demissão sem justa causa, a repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal e o precedente desfavorável do Superior Tribunal de Justiça - Claudia Vit de Carvalho
O Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário n. 878.313/SC, reconheceu a existência de repercussão geral da matéria relativa à contribuição social geral instituída pela Lei Complementar n. 110/2001 e devida pelas empresas ao FGTS em razão da demissão de empregado sem justa causa e sua inexigibilidade por perda da finalidade para a qual foi instituída.
Apenas rememorando, a Lei Complementar n. 110 instituiu duas contribuições sociais destinadas à formação de recursos necessários ao custeio da devolução de perdas inflacionárias reconhecidas pelo Poder Judiciário suportadas pelos titulares de contas vinculadas ao FGTS. Uma delas, de 0,5% (meio por cento), incidente mensalmente sobre as remunerações pagas aos trabalhadores e devida pelo prazo de 60 meses, já não mais vigente (art. 2º). A segunda, de 10% (dez por cento), em caso de despedida de empregado sem justa causa, sobre o montante de todos os depósitos devidos pelo empregador durante a vigência do contrato de trabalho, exigida até a presente data (art. 1º).
E em que pese a contribuição tenha sido julgada constitucional pelo Plenário do STF, nas ADINs ns. 2556/DF e 2568/DF, a finalidade para a qual foi criada se exauriu com a notória ocorrência da liquidação do passivo do Tesouro Nacional a que alude a Lei Complementar n. 110, admitida até mesmo pela Presidência da República ao vetar o Projeto de Lei Complementar n. 200/2012 que determinava a extinção da sua cobrança pelo atingimento da finalidade, veto esse fundado, dentre outras justificativas, na de que a suspensão da obtenção dos recursos decorrentes da contribuição em foco afetaria a continuidade de projetos sociais importantes, dentre eles o Minha Casa, Minha Vida.
Segundo o Ministro Marco Aurélio, relator do recurso extraordinário n. 878.313/SC em questão, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.556/DF, da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, o Supremo declarou ser harmônica com a Carta de 1988 a contribuição geral prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, destinada ao pagamento dos expurgos inflacionários das contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Não obstante, a controvérsia contemporânea envolve definir se a satisfação do motivo pelo qual foi criada implica a inconstitucionalidade superveniente da obrigação tributária.
De outro lado, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça apreciou o Recurso Especial n. 1.487.505-RS igualmente relacionado a essa discussão, cingindo-se a legitimar o prosseguimento da cobrança sob a singela justificativa de que, diferentemente da contribuição prevista no artigo 2º, da Lei Complementar 110, que tinha prazo determinado para vigorar, a contribuição a que alude o artigo 1º não tinha termo final e, portanto, deve ser cobrada enquanto a lei vigorar, notadamente porque vetado o projeto de lei complementar acima mencionado.
Realmente, afirma-se no bojo desse acórdão que, não se pode inferir do normativo complementar que sua regência é temporária e que sua vigência extingue-se com o cumprimento da finalidade para a qual a contribuição foi instituída. Se assim ofosse, haveria expressa previsão, como tratou a própria Lei Complementar n. 110/2001 de estabelecer quando instituiu a segunda contribuição social, prevista no art. 2º do normativo, que estabeleceu prazo de vigência de sessenta meses, a contar da sua exigibilidade. Portanto, a contribuição instituída pelo art. 1º da Lei Complementar n. 110/2001 ainda é exigível, mormente ante o fato de que sua extinção foi objeto de Lei Complementar n. 200/2012, o qual foi vetado pela Presidência da República e mantido pelo Congresso Nacional em agosto de 2013.
Na verdade, não fosse a ausência de profundidade da decisão em questão, teria o Superior Tribunal de Justiça atinado para o fato de que, na hipótese, o exaurimento da finalidade para a qual a contribuição foi instituída implica na perda da vigência/eficácia da lei instituidora da contribuição ainda que não haja a lei estabelecido um termo final expresso para a sua cobrança.
Com efeito, consoante abalizada doutrina de Teoria Geral do Direito (Caio Mário da Silva Pereira, Arnoldo Wald, Tércio Sampaio Ferraz, por exemplo), cessa a vigência/eficácia de determinada lei não só pelo término ou decurso do prazo nela estabelecido ou pela sua revogação, mas também por conta da realização de sua finalidade, notadamente quando o surgimento da norma decorreu especificamente de uma circunstância de fato cuja cessação definitiva se verificou.
Assim, aguarda-se que o Supremo Tribunal Federal empreste a costumeira profundidade de seus julgados à matéria quando da apreciação do Recurso Extraordinário em que já reconhecida a repercussão geral, não só sob a perspectiva da teoria geral do direito em relação às lei temporárias, ainda que não contendo termo final explicito para vigorar, mas também sob o viés do direito tributário que qualifica a contribuição social como tributo cuja legitimidade depende da afetação do produto da arrecadação a determinada finalidade, no caso finalidade essa considerada constitucional pelo Supremo nas ADIN's acima mencionadas não para qualquer atividade que empregue recursos do FGTS, como o Minha Casa Minha Vida, mas especificamente para saldar as dívidas do fundo atinentes aos acordos firmados para recebimento do saldo de correção monetária das contas vinculadas devidas aos titulares que firmaram mencionado acordo desistindo de suas ações judiciais, inclusive.
Elaborado por: CLAUDIA VIT DE CARVALHO Advogada. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-SP. Professora do curso de Pós-Graduação em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT. crv@marizsiqueira.com.br