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Corte Especial do STJ reafirma entendimento de que se consideram prequestionados os fundamentos invocados em apelação e não analisados no julgamento do recurso, caso sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora - Henrique Coutinho de Souza e Henrique de Queiroz Telles Antonucci*

Em sessão de julgamento realizada em 17.6.2020, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (\"STJ\") apreciou os Embargos de Divergência opostos em face do acórdão proferido pela Primeira Turma do Tribunal Superior nos autos do Agravo em Recurso Especial n. 227.767/RS (\"EAREsp n. 227.767\").

Contextualizando a situação fática enfrentada pela Corte Especial, os contribuintes invocaram diferentes teses jurídicas para sustentar a prescrição da execução fiscal proposta pelo Fisco, tendo sucumbido em primeira instância.

Ao julgar o recurso de Apelação interposto, o Tribunal local acatou uma das teses de prescrição, deixando de se pronunciar em relação às demais. No Recurso Especial interposto, o ente tributante atacou apenas o fundamento jurídico acatado em segunda instância, tendo os contribuintes, em sede de Contrarrazões, reiterado todas as teses jurídicas para sustentar a prescrição.

O Recurso Especial fazendário foi provido, reformando o entendimento adotado pelo Tribunal local em suas razões de decidir. Contudo, os contribuintes insurgiram-se contra a decisão, sustentando que as demais matérias suscitadas nas Contrarrazões ao Recurso Especial deveriam ser examinadas.

Ao examinar a controvérsia, a Primeira Turma do STJ entendeu que aquelas matérias não enfrentadas pelo Tribunal local não poderiam ser examinadas, por ausência de prequestionamento.

Como se sabe, o requisito do prequestionamento é indispensável para o conhecimento de Recursos Especiais direcionados ao STJ, como reconhecido pela Súmula n. 211 do Tribunal Superior:

\"Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo\".

O verbete sumular acima encontra fundamento no texto constitucional, já que a hipótese de cabimento do Recurso Especial, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea ?a?, da Constituição Federal, pressupõe uma ?causa decidida? em que o Tribunal local tenha contrariado ou negado vigência a tratado ou lei federal.

Ademais, o artigo 1.029, inciso II do Código de Processo Civil (\"CPC\"), prevê que os Recursos Especial e Extraordinário devem conter, dentre outros requisitos, \"a demonstração do cabimento do recurso interposto\".

Portanto, tendo em vista as disposições contidas na Súmula n. 211 e no artigo 1.029, inciso II do CPC, a Primeira Turma do STJ deixou de conhecer de determinadas matérias invocadas pelos contribuintes, sob entendimento de que tais matérias \"não foram analisadas pelo tribunal de origem\" e, portanto, não teriam sido devidamente prequestionadas.

Nesse contexto, os contribuintes opuseram Embargos de Divergência, sustentando que o acórdão da Primeira Turma destoaria do entendimento sedimentado pela Corte Especial nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.144.667/RS (\"EREsp n. 1.144.667\" ou \"acórdão paradigma\"), julgados em 7.3.2018.

De acordo com os contribuintes, naquela oportunidade, a Corte Especial assentou que \"uma vez superado o argumento acolhido pelo Tribunal de Origem, cabe a esta Corte Superior, no prosseguimento do julgamento do Recurso Especial, examinar os demais fundamentos suscitados nas contrarrazões, ainda que não anteriormente apreciados\".

Deste modo, dentre as matérias suscitadas no EAREsp n. 227.767, sustentou-se:

- que a Primeira Turma do STJ não poderia reputar como não prequestionados os fundamentos invocados pelos contribuintes em sede de recurso de Apelação e, posteriormente, retomados em Contrarrazões ao Recurso Especial interposto pela União Federal, sob pena de contradizer o entendimento firmado pela Corte Especial nos autos do EREsp n. 1.144.667; e que, ademais,

- não caberia aos contribuintes postularem o pronunciamento expresso do Tribunal de origem acerca de todas as matérias invocadas em seu recurso de Apelação, inclusive por meio de embargos de declaração, tendo em vista que foram vitoriosos na instância a quo e, portanto, não possuiriam interesse recursal, cabendo-lhes tão somente \"suscitar as demais matérias de defesa nas contrarrazões ao recurso especial apresentado pela parte contrária\", o que efetivamente ocorreu.

Nesse cenário, foi proposto o seguinte questionamento à Corte Especial do STJ nos autos do EAREsp n. 227.767: os fundamentos das razões de Apelação desprezados no acórdão que deu integral provimento ao recurso podem ser tidos como prequestionados, de modo a viabilizar a análise, pelo STJ, das teses jurídicas não enfrentadas pelo Tribunal local?

O voto proferido pelo Relator Ministro Francisco Falcão, acompanhado pelos demais ministros da Corte, adotou posicionamento favorável à tese defendida pelos contribuintes. Confira-se:

\"Com efeito, rendendo vênias à C. Primeira Turma, o entendimento correto é o que considera toda a matéria devolvida à segunda instância apreciada quando provido o recurso por apenas um dos fundamentos expostos pela parte, a qual não dispõe de interesse recursal para a oposição de embargos declaratórios.\"

Como se infere do voto do Relator, a despeito do entendimento da Primeira Turma, prevaleceu no âmbito da Corte Especial a tese de que a ausência do interesse recursal da parte vencedora na oposição de embargos de declaração, torna desnecessário o manejo dos aclaratórios, sendo permitido ao STJ que examine as matérias veiculadas nas Contrarrazões, sem que se possa cogitar a ausência do prequestionamento.

De acordo com o voto proferido, \"A questão precisa ser analisada sob a perspectiva da sucumbência e da possibilidade de melhora da situação jurídica do recorrente, critérios de identificação do interesse recursal\".

Nesse sentido, constatada a ausência de interesse recursal da parte vencedora, concluiu a Corte Especial do STJ que, ante a impossibilidade de postular a melhora \"na sua situação jurídica\" - em outras palavras, de opor embargos de declaração em face do acórdão proferido pelo Tribunal a quo -, está igualmente impossibilitada de exigir o pronunciamento expresso do Tribunal de origem acerca de todas os fundamentos da Apelação.

Assim sendo, concluiu a Corte Especial que não há como se negar a análise, pelo STJ, das matérias veiculadas em Contrarrazões ao Recurso Especial, por ausência de prequestionamento: nessa situação específica, reputam-se prequestionados todos os fundamentos trazidos pela parte em sede de Apelação e reiteradas nas Contrarrazões ao Recurso Especial.

Com efeito, o acórdão ora analisado fez uma única ressalva para que se considerem prequestionadas as matérias invocadas pela parte vencedora em seu apelo: tais matérias devem necessariamente ser retomadas pela parte em sede de Contrarrazões ao Recurso Especial. Confira-se:

\"É bastante fácil perceber que os ora embargantes não dispunham, após o julgamento da apelação, de nenhum dos dois requisitos: não eram vencidos (sucumbentes) e não existia perspectiva de melhora na sua situação jurídica. Logo, agiram segundo a ordem e a dogmática jurídicas quando se abstiveram de recorrer.

Se se comportaram corretamente e, mais ainda, se tomaram o cuidado de averbar nas contrarrazões do especial o fundamento descartado no julgamento da apelação (...) não há como deles cobrar algo a mais. Fizeram o que se esperava para manter viva a temática.\" (grifos nossos)

O voto proferido pelo Ministro Relator ainda destacou que o entendimento pela necessidade de oposição de embargos declaratórios para fins de prequestionamento vai de encontro ao que preceitua a atual sistemática processual civil, a qual preza pela celeridade na prestação jurisdicional, de modo a \"desestimular a desnecessária utilização das vias recursais.\".

Por derradeiro, foi reafirmado o entendimento já adotado pela Corte Especial do STJ nos autos do EREsp n. 1.144.667, no sentido de que \"se consideram prequestionados os fundamentos adotados nas razões de apelação e desprezados no julgamento do respectivo recurso, desde que, interposto recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora.\"

Cumpre destacar que a corrente interpretativa que prevaleceu no âmbito da Corte Especial também tem sido adotada pela 2ª Turma do Tribunal Superior. É o que ilustra o recente precedente colacionado abaixo:

\"PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. DOMÍNIO PÚBLICO. RECURSOS MINERAIS. PRESCRIÇÃO. PRAZO. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO FICTO. POSSIBILIDADE ALEGAÇÃO DE INOVAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 6º DA LEI N. 7.990/89 E DOS ARTS. 927 E 944 DO CC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. EXPLORAÇÃO ILEGAL. DEFICIÊNCIA RECURSAL. INCIDÊNCIA POR ANALOGIA DOS ENUNCIADOS SUMULARES N. 823 E 284 DO STF. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO TRIBUNAL A QUO. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE COMPENSAR GASTOS. BOA FÉ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA POR ANALOGIA DOS ENUNCIADOS SUMULARES N. 282 E 356 DO STF. ALEGAÇÃO DE DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. (...)

III - No que diz respeito à inovação recursal, ainda que o Tribunal a quo não se tenha manifestado de forma expressa sobre a tese, o fato é que a recorrente alegou tal matéria em contrarrazões à apelação, renovada nos declaratórios, e o acórdão recorrido foi publicado na vigência do CPC/2015, que possibilitou o prequestionamento ficto. Assim, pode a controvérsia ser debatida nesta Corte, no âmbito do recurso especial, uma vez que a recorrente cuidou de apontar violação do art. 1.022 do CPC/2015.\"

(STJ, AgInt no AgInt no AREsp n. 1.405.865/RJ, Relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10.3.2020)

Nesse sentido, a despeito da divergência jurisprudencial entre a Primeira e Segunda Turma do Tribunal Superior, parece-nos correto o posicionamento adotado pela Corte Especial no julgamento do EAREsp n. 227.767.

Não parece razoável exigir da parte vencedora na instância a quo que postule ao Tribunal de origem que emita carga decisória acerca de todos os seus fundamentos trazidos em sede de Apelação.

Isso porque, ao admitir tal interpretação, estar-se-ia obrigando a parte vencedora a realizar um juízo especulativo sobre a prevalência da decisão judicial obtida em seu favor, caso a discussão eventualmente seja submetida aos Tribunais Superiores pela parte sucumbente.

Por certo que, ante a evidente ausência do interesse recursal da parte vencedora na origem - no caso concreto, dos contribuintes -, deve prevalecer o posicionamento de que os argumentos recursais suscitados em Apelação, e retomados em Contrarrazões ao Recurso Especial interposto pela parte contrária, consideram-se fictamente prequestionados, a fim de viabilizar o conhecimento de recursos eventualmente interpostos perante aos Tribunais Superiores.

Deve-se ressaltar que o entendimento manifestado pela Corte Especial é de observância obrigatória inclusive no âmbito do STJ, nos termos do artigo 927, inciso V do CPC(1)

(1) \"Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...) V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.\"

 
*Henrique Coutinho de Souza e Henrique de Queiroz Telles Antonucci