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2ª turma do STJ anula acórdão que fixou honorários contra a Fazenda Pública com fundamento na equidade, mas admite a utilização do instituto de forma fundamentada - Gabriel Laredo Cuentas*
- Henrique Coutinho de Souza*

1. Introdução

O CPC/15 introduziu alterações bastante relevantes no ordenamento jurídico acerca dos critérios de fixação de honorários sucumbenciais nas causas em que a Fazenda Pública é parte.

O intuito do legislador foi conferir mais objetividade ao arbitramento da verba sucumbencial nas causas que envolvam a Fazenda Pública, reduzindo a subjetividade do julgador, mediante a adoção de parâmetros objetivos por meio do artigo 85, parágrafo 3º, do CPC/15, in verbis:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(...)
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

Ocorre que, a despeito dessa alteração da regra processual, os Tribunais têm admitido a possibilidade de que a Fazenda Pública seja condenada a suportar os honorários sucumbenciais com base na equidade, instituto previsto no parágrafo 8º, do artigo 85, abaixo reproduzido:

"§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º."

Assim, em determinados casos têm sido fixados honorários aviltantes em favor dos advogados que litigam contra a Fazenda Pública, em flagrante desrespeito à regra específica do CPC/15.

Não obstante, recentemente, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), ao julgar o RESP n. 1.803.704/SP, anulou acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ("TJSP") que havia fixado honorários sucumbenciais contra a Fazenda Pública de São Paulo no valor de R$ 800,00, mediante aplicação do aludido parágrafo 8º, do artigo 85, do CPC/15.

O acórdão foi relatado pelo Ministro Herman Benjamin, cujo posicionamento foi acompanhado pela Turma, por unanimidade.

2. Breve síntese do RESP n. 1.803.704/SP

No caso concreto, o contribuinte havia apresentado exceção de pré-executividade contra execução fiscal que exigia débitos de ICMS declarado e não pago, correspondente ao período de 2003, no montante histórico de R$ 209.527,45, sustentando: (i) ilegitimidade passiva; e (ii) prescrição para o redirecionamento da execução fiscal.

O Juízo de primeiro grau rejeitou a exceção. Em sede de agravo de instrumento, o TJSP acolheu a tese de prescrição do prazo para redirecionamento da execução fiscal, mas ao fixar os honorários sucumbenciais devidos pela Fazenda Pública os arbitrou o valor de R$ 800,00, sob o fundamento de que esse montante "se revela razoável e atende ao disposto nos §§ 2º e 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil".

Os patronos do contribuinte opuseram embargos de declaração com o intuito de sanar vício do acórdão prolatado pelo TJSP consistente na inobservância do artigo 85, parágrafo 3º, do CPC/15.

Contudo, os embargos de declaração foram rejeitados, sob o fundamento de que o contribuinte apenas pretendia rediscutir matéria que já foi decidida, o que deu ensejo à interposição do recurso especial analisado pelo STJ.

3. O posicionamento do STJ

Ao analisar o caso concreto, a 2ª Turma do STJ entendeu que o acórdão do TJSP deveria ser anulado, pois:

   (i) invocou a razoabilidade de forma genérica para fundamentar a condenação da Fazenda Pública no montante arbitrado (R$ 800,00); e que

   (ii) o acórdão do TJSP apenas estaria correto se "tivesse sido realizado concretamente esse exame (cotejo entre os §§ 3º e 8º do art. 85 do CPC) e, logo após, apresentada fundamentação justificadora da opção pela aplicação de um dispositivo, em detrimento do outro".

O Ministro relator destacou, ainda, que: (i) não são poucos os acórdãos de Cortes Regionais que vêm afastando a aplicação do artigo 85, parágrafo 3º, do CPC/15, nas causas em que a Fazenda Pública é parte; e que (ii) o CPC/15 promoveu alterações significativas na quantificação dos honorários devidos pela Fazenda Pública, reduzindo de forma drástica a liberdade na formação da convicção do Juiz sobre o tema.

4. Breves comentários

A despeito dessas afirmações realizadas pelo Ministro Herman Benjamin, Relator do REsp n. 1.803.704/SP, que, em princípio, parecem favoráveis aos contribuintes, o acórdão prolatado pela 2ª Turma do STJ, por outro lado, traz à tona outros questionamentos.

Isso porque, em que pese o aresto tenha anulado o acórdão prolatado pelo TJSP, a segunda Turma do STJ admitiu que, ao menos em tese, é possível a fixação dos honorários sucumbenciais em face da Fazenda Pública com fundamento na equidade, desde que a decisão que o fizer seja fundamentada por meio do cotejo entre os parágrafos 3º e 8º do artigo 85, do CPC/15.

Tanto é assim, que, ao anular o acórdão do TJSP, a 2ª Turma do STJ determinou que a Corte Regional rejulgue os embargos de declaração do contribuinte, de modo a "proceder à análise dos §§ 3º e 8º do art. 85 do CPC e fundamentar a opção pela aplicabilidade de um, em detrimento do outro".

Significa que, mesmo reconhecendo a existência de regra específica para a situação em concreto, a 2ª Turma do STJ manifestou o entendimento de que, desde que a Corte Regional fundamente a aplicação do artigo 85, parágrafo 8º - sem respaldo em argumentos genéricos - a sua utilização será devida.

A despeito disso, é válido destacar que a 1ª Turma do STJ possui precedentes recentes que reconhecem que a aplicação do artigo 85, parágrafo 8º, do CPC/15 é apenas residual e deve ser feita nas exatas hipóteses previstas por esse dispositivo. Desse modo, tais precedentes reconhecem que nas ações que a Fazenda Pública for parte, a regra inserta no artigo 85, parágrafo 3º, do CPC/15 é de observância obrigatória.

A título exemplificativo, confira-se a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. CAUSA EM QUE A FAZENDA PÚBLICA É PARTE. FIXAÇÃO CONFORME OS §§ 2º. e 3º. DO ART. 85 DO CÓDIGO FUX. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO DESPROVIDO.
(...)
2. O arbitramento da verba honorária por equidade, prevista no art. 85, § 8o. do Código Fux, deve ser aplicado somente de forma subsidiária e excepcional, quando, havendo ou não condenação, o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo. Assim, nas causas em que a Fazenda Pública for parte, se não estiverem configuradas essas hipóteses, os honorários advocatícios devem ser fixados nos termos do art. 85, § 2o., caput, e I a IV do Código Fux, com percentuais delimitados no § 3o. do dispositivo. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas: AgInt no REsp. 1.824.108/DF, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 12.3.2020; AgInt no AREsp. 1.543.880/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 17.3.2020.
3. Agravo Interno da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO desprovido.

(AgInt no REsp 1867453/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/06/2020, DJe 17/06/2020)

Ademais, a 2ª Seção do STJ mantém entendimento de que a aplicação do artigo 85, §8º, do CPC, somente deve ser aplicável nas hipóteses taxativamente previstas nesse dispositivo legal, isto é, apenas nas causas "em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo". Veja-se:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/2015, ART. 85, §§ 2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. O novo Código de Processo Civil - CPC/2015 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido.
2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: (a.I) nas causas de pequeno valor; (a.II) nas de valor inestimável; (a.III) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e (a.IV) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: (b.I) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (b.II) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º).
3. Com isso, o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria.
4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art.
85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).
5. A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo.
6. Primeiro recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido. Segundo recurso especial desprovido.
(REsp 1746072/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019)

Diante dessa dispersão jurisprudencial, é possível que o tema venha a ser levado oportunamente para julgamento pela 1ª Seção do STJ ou ainda pela Corte Especial.

 
*Gabriel Laredo Cuentas
Advogado em São Paulo.
gabriel.laredo@marizadvogados.com.br

 
*Henrique Coutinho de Souza
Advogado em São Paulo.
Henrique.coutinho@marizadvogados.com.br