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CARF afasta condição de não residente de contribuinte que não apresentou declaração de saída definitiva do país. - Paulo Covielo Filho*

Artigo - Federal - 2020/3737

No dia 4.3.2020, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF, por meio do acórdão n. 2301-007.136, apreciou interessante questão a respeito da residência fiscal da pessoa física que se mudou para Portugal após sua aposentadoria no País.

Segundo o relatório da decisão, a objeto da discussão diz respeito à incidência de IRPF sobre rendimentos do trabalho recebidos pelo contribuinte em Portugal. Esse contribuinte mudou-se para aquele país, mas não efetuou a entrega da declaração definitiva de saída, além de ter continuado apresentando a declaração de ajuste anual com a informação de que residia no Brasil.

O fisco exigiu o IRPF justamente sobre os rendimentos recebidos pelo contribuinte em Portugal, alegando, ainda, que os valores eram pagos por empresa do grupo sediada no Brasil, por conta e ordem da sociedade portuguesa. O contribuinte não havia oferecido os rendimentos à tributação, tendo declarado em sua DIRPF que se tratava de rendimentos isentos e não tributáveis.

O voto vencido, que dava provimento ao recurso voluntário do contribuinte, no sentido de afastar a tributação sobre esses rendimentos, consignou que: (i) a documentação apresentada atestava que ele residia no exterior; (ii) a não apresentação da comunicação de saída, bem como a apresentação da declaração de ajuste anual ocorreu por erro do contribuinte, que havia entendido que estava obrigado a apresentar a DIRPF no Brasil, por possuir bens imóveis e terreno com valor total ou superior a R$ 300 mil; e (iii) na condição de residente em Portugal, esse contribuinte submetia-se às leis tributárias daquele Estado, independentemente de o pagamento dos salários ser realizado no Brasil, por sociedade integrante do mesmo grupo econômico, por conta e ordem da empresa portuguesa.

O voto vencedor, por sua vez, entendeu que o contribuinte possuía residência no Brasil e, portanto, deveria ser tributado neste País. Para fundamentar sua posição, o voto vencedor afirmou que o contribuinte descumpriu as obrigações acessórias relativas à alteração da condição de residência fiscal no país, pois não havia apresentado a Comunicação de Saída Definitiva do País no prazo estabelecido pela legislação (art. 11-A, caput e incisos I e II da IN SRF n. 208/2002), tampouco a Declaração de Saída Definitiva do País (art. 11-A, parágrafo 1º, da IN SRF n. 208/2002) [1] . Além disso, destacou que o contribuinte continuou apresentando a DIRPF anualmente, sempre com a informação de que residia no País.

Nesse contexto, o voto vencedor asseverou que o fato de possuir residência fiscal em Portugal não era suficiente para excluir a residência no Brasil, pois ele poderia inclusive manter duas residências fiscais. Nessa hipótese, ainda segundo a decisão, aplicar-se-ia o acordo firmado entre Brasil e Portugal para evitar a dupla tributação da renda, sendo que, com base na cláusula de desempate prevista no art. 4º, parágrafo 2º, o voto vencedor considerou que o contribuinte possuía relações pessoais e econômicas (centro de interesses vitais) mais estreitas com o Brasil. Finalmente, a decisão também afirmou que o contribuinte poderia compensar os tributos pagos naquele país, desde que tivesse apresentado os elementos de prova necessários para tanto.

Tecnicamente, a decisão proferida pelo CARF pode ser examinada tanto sob a perspectiva da lei brasileira, quanto sob o enfoque do acordo de bitributação.

No plano da lei interna, o fato de o contribuinte ter apresentado DIRPFs nesse período não pode ser considerado, por si só, como elemento suficiente para evidenciar a sua condição de residente no Brasil. Além disso, independentemente da não apresentação da declaração de saída definitiva do País, o contribuinte ficou fora do Brasil por período superior a 12 meses, passando a ser considerado não residente. Assim, apesar de a conduta do contribuinte representar um comportamento contraditório, deve-se levar em conta que posteriormente ele não só contestou a autuação fiscal, como também apresentou provas de sua verdadeira situação no período autuado.

Importante destacar a previsão contida no art. 147 do CTN, que admite expressamente a retificação de declarações fiscais, inclusive de ofício pela Administração Tributária. O parágrafo 1º desse dispositivo prevê que, quando essa retificação tiver como objetivo a redução de tributo, ela somente será admitida "mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento". Assim, o Fisco deve tomar como base as informações prestadas pelo contribuinte para efetuar o lançamento, sendo que, em caso de erro, é legítima a sua correção de ofício. Isso é assim porque o lançamento fiscal é um ato administrativo vinculado [2] e, como tal, deve estar sempre pautado nos princípios da estrita legalidade e da verdade material, sendo, pois, vedada a cobrança de tributo baseada em enganos cometidos pelo contribuinte.

Sob o enfoque do acordo de bitributação celebrado entre Brasil e Portugal, o voto vencedor superou de forma açodada o primeiro teste da cláusula de desempate, que examina a existência de habitação permanente à disposição do contribuinte. A habitação permanente não fica caracterizada pela mera existência de bens imóveis próprios alugados para obtenção de renda ou mesmo de imóvel para temporada. Uma análise mais detida desse tema poderia ter contribuído para a solução do caso, tendo em vista que o teste do centro de interesses vitais pode levar a resultados inadequados nos casos de mudança de residência por indivíduos aposentados, pois é natural que seus laços pessoais e econômicos mais próximos sejam com o país no qual ele viveu a maior parte de sua vida e construiu a maior parte do seu patrimônio antes da mudança para o exterior. Isso não significa, porém, que esses vínculos pessoais e econômicos devam prevalecer sobre a decisão de efetivamente mudar para outro país.

Em conclusão, o precedente traz um alerta importante para os contribuintes, destacando a importância da Declaração de Saída Definitiva do País como forma de manifestação do "animus" de transferência definitiva da residência para o exterior.

 
[1]Também se considera não residente aquele que se ausentar do país sem apresentar as obrigações acessórias acima mencionadas, após o decurso de 12 (doze) meses, por meio de interpretação "a contrario sensu" do art. 2º, inciso V, da IN SRF n. 208/2002.
[2]XAVIER, Alberto. Do Lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1997, p. 66.

 
*Paulo Covielo Filho é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie