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O STF e o compartilhamento de informações bancárias e fiscais - Fernando Barboza Dias*

Já escrevemos, nesse canal, sobre a discussão judicial que analisa a legalidade de informações e materiais oriundos de quebra de sigilo bancário e fiscal por autoridades administrativas ser compartilhado com autoridades de persecução penal sem prévia autorização judicial para essa providência.

Essa questão é suscitada por advogados de defesa, pois informações e materiais obtidos por meio de quebras de sigilo bancário e fiscal, na esfera processual penal, sempre estiveram sujeitas à reserva jurisdicional (STF, MS 23452/RJ).

No final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 1.055.941, com repercussão geral reconhecida, voltou a essa discussão com ânimo de firmar seu entendimento acerca da matéria . O julgamento também abrangeu a possibilidade de a Unidade de Inteligência Financeira, o Banco Central e a Receita Federal do Brasil compartilharem informações e materiais desse jaez com autoridades de persecução penal. Daí a relevância de se regressar ao tema e buscar entender os votos proferidos.

No caso concreto, vale destacar, um indivíduo havia sido condenado em primeira instância por crime contra a ordem tributária e o Tribunal Regional Federal reverteu a decisão de primeiro grau, por entender ilegal a obtenção de dados bancários do contribuinte pela Receita Federal do Brasil com a consequente representação fiscal para fins penais, sem que houvesse reserva de jurisdição, de modo que a prova dos fatos era nula. Dessa decisão, o Ministério Público Federal recorreu ao Supremo Tribunal Federal.

Aliás, rememoremos que, em julho de 2019, o Ministro Dias Toffoli, atendendo ao pedido do filho do Presidente da República, determinou "a suspensão do processamento de todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal (PIC's), atinentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais, em trâmite no território nacional, que foram instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, COAF e BACEN)". Não se tem o número exato de feitos suspendidos por essa decisão, mas há segurança para se afirmar que foram milhares de casos, surtindo efeitos também naqueles de menor repercussão social.

O Ministério Público Federal, recorrente do aresto levado à Corte Suprema, alegou que i) o compartilhamento constituiria mera transferência de dados, como se essas duas ações fossem diferentes entre si, e não sinônimos da mesma ação; ii) ausência de vedação legal para essa providência; e iii) o dever de administração pública em reportar ilícitos penais que tiver conhecimento. O sigilo dos dados compartilhados seria preservado pelo Ministério Público, Estadual ou Federal, de modo a não haver problema algum, prático ou jurídico, nessa forma de proceder .

O julgamento durou mais de três sessões e a Corte Suprema decidiu, por maioria de votos, acolher a tese jurídica do Ministério Público Federal e entender ser possível o compartilhamento de informações bancárias e fiscais com os órgão de investigação penal, pouco importando a instituição compartilhante, sem que para isso seja necessária a prévia intervenção judicial.

Os argumentos do recorrente pautaram o voto vencedor do Min. Alexandre de Moraes, ele próprio egresso da carreira do Ministério Público. Esses fundamentos, porém, são inconsistentes.

Por exemplo, alega-se não haver vedação legal ao compartilhamento, quando, em realidade, o órgão remetente deve observar o princípio da legalidade, premissa que, de tão óbvia, parece ser esquecida por vezes, de modo que ele somente pode agir havendo permissão legal para tanto, e não o contrário, como impera para os entes privados (se não há vedação, há liberdade).

No mais, a existência de dever de reportar ilícitos penais não significa que se possa romper o dever de sigilo e dar-lhe as costas por completo. O ato de noticiar a ocorrência de ilícito penal pode muito bem ocorrer sem que haja a necessidade de apresentar todos os materiais que dariam suporte à constatação do ilícito penal.

Por que isso é importante? Pois impede que os órgãos de acusação promovam atos de "captação" de crimes, ou, nas eloquentes palavras do Ministro Celso de Mello, cujo voto foi vencido, impede " aventuras irresponsáveis e atitudes temerárias dos órgãos e agentes fiscais, do Ministério Público e da Polícia Judiciária, impedindo-os de proceder a verdadeiras e lesivas 'fishing expeditions', medidas que se traduzem em ilícitas investigaçoes meramente especulativas ou randômicas, de caráter exploratória, também conhecidas como diligências de prospecção, simplesmente vedadas pelo ordenamento jurídico." (página de voto ainda não publicado).

Por sua vez, o voto do Min. Relator Dias Toffoli começa pela análise da conformidade das regras brasileiras aos parâmetros do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF). Depois, o voto descreve as atividades da UIF e expõe que os relatórios dessa instituição, os quais não contêm extratos bancários nem dependem deles para sua elaboração, não deveriam ser encartados em procedimentos de investigação para proteção das fontes que informaram o fato suspeito. Ainda, concluiu que as representações finais para fins penais da Receita Federal do Brasil devem ser elaboradas apenas com os limites das informações sigilosas necessárias, sem o compartilhamento de extratos bancários.

Por fim, o voto vencedor do julgamento foi o do Min. Alexandre de Moraes, que repousa seus fundamentos naqueles invocados pelo Ministério Público Federal. O posicionamento adotado pela corte enfoca aspectos de lógica utilitária, traduzido na suposta prevalência do "interesse público" e da necessidade de os órgãos penais poderem receber todas as informações imprescindíveis ao seu trabalho. E prova disso seriam as múltipas investigações densas dos últimos anos.

Em suma, depreende-se do julgamento do Supremo Tribunal Federal (ainda sem acórdão publicado) que, uma vez mais, prevaleceu o interesse do poder de investigação do Estado ante as possíveis violações que o indivíduo possa vir a sofrer em sua esfera íntima, sem nem ao menos haver qualquer controle judicial.

 
1 A validade da quebra de sigilo bancário nos procedimentos administrativos fiscais.
2 Aqui, vale frisar que a discussão posta no Plenário não foi sobre a (in) constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar 105/2001 - questão que já havia sido decidida pelo Supremo Tribunal Federal em 2016 numa ADIN, em que "prevaleceu o entendimento de que a norma não resulta em quebra de sigilo bancário, mas sim em transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros. A transferência de informações é feita dos bancos ao Fisco, que tem o dever de preservar o sigilo dos dados, portanto não há ofensa à Constituição Federal"-, mas sim sobre a possibilidade de a Autoridade Fiscal ter acesso aos dados bancários e fiscais e repassá-las sem a respectiva autorização judicial.