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ICMS/SP - Vendas interestaduais a não contribuintes - Lei Paulista 15.856/2015 e a Emenda Constitucional 87/2015 - José Antonio Pachecco

Introdução

Após muitas discussões na Assembleia Constituinte em 1988 para se encontrar uma forma de repartir as receitas do principal imposto estadual, (pagamento na origem ou no destino), foi promulgado o texto constitucional contendo uma regra hibrida (parte na origem e parte no destino). Manteve-se o formato anterior que já distribuía o antigo ICM para os Estados e Distrito Federal. A exceção ficou nas operações com energia elétrica, petróleo e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados marcados pela não incidência do ICMS nas operações interestaduais - artigo 155, parágrafo 2º, inciso X, alínea "b" da CF/88 - fazendo com que o imposto gerado fique integralmente no Estado destinatário. (parágrafo 4º do artigo 155 da CF/88 - redação dada pela EC 33/2001).

Desta forma, a regra de distribuição das receitas dos Estados e do Distrito Federal, combinada com a Resolução do Senado nº 22 de 19.05.1989, estabeleceu que nas operações entre contribuintes do ICMS compete ao Estado remetente a alíquota de 12% e o Estado destinatário fica com a diferença dessa alíquota para a carga tributária que grava internamente o produto ou serviço. Essa é a regra geral, exceto para as operações iniciadas em Estados da Região Sul e Sudeste (excluído o Estado do Espirito Santo) destinadas às demais regiões do país, (inclusive o Estado do Espirito Santo), cuja alíquota interestadual ficou fixada em 7%. Desta forma, o constituinte e o Senado criaram o mecanismo necessário à transferência de renda dos Estados desenvolvidos para as regiões que necessitam mais recursos para alavancarem seu desenvolvimento econômico e social.

Essas alíquotas interestaduais de 7 e 12% perduraram até o Senado publicar a Resolução 13/2012, uniformizando em 4% a alíquota em todas as operações interestaduais entre contribuintes com produtos importados ou que contenha conteúdo importado superior a 40%. (exceto algumas operações: ZF Manaus, produtos sem similar nacional etc que não cabem neste texto detalhar).

No entanto essa divisão de receita entre as unidades da federação só ocorre, na forma prevista originalmente pela CF/88, nas operações realizadas entre contribuintes do ICMS. Se o destinatário for "não contribuinte" desse imposto, o comando constitucional determina a aplicação da alíquota interna a ser recolhida para o estado remetente da mercadoria ou serviço. (redação original do artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII).

Com a mudança da forma de se promover a comercialização pelo varejo no país (lojas virtuais na internet, ou lojas físicas só com amostras com faturamento direto do centro de distribuição) as operações com mercadorias destinadas aos consumidores (NÃO CONTRIBUINTES) passaram a ser realizadas por estabelecimento central localizado em um só Estado, concentrando a arrecadação do imposto no Estado no qual está o centro de distribuição. A diminuição do varejo tradicional nesses estados consumidores provocou retração das suas receitas, culminando no Protocolo 21/2011.

Após a inconstitucionalidade do Protocolo 21/2011 ser declarada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 4628 e 4713 - o Congresso Nacional tratou de acelerar a tramitação da reforma constitucional para modificar a divisão das receitas derivadas do ICMS entre as unidades federadas. Em 17.04.2015 foi publicada a EC Nº 87 alterando os incisos VII e VIII do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal e acrescentando o artigo 99 no Ato das Disposições Transitórias.

A controversa data em que a EC 87 produz efeitos

A Emenda não majora a carga tributária. Ela se limita a distribuir o ICMS entre as unidades federadas, de modo que nas operações interestaduais destinadas a NÃO contribuintes o imposto fique sujeito à mesma divisão observada nas operações que destinem mercadorias ou serviços a contribuintes. No entanto, o artigo 3º da EC 87/2015, ao tratar da data de início da nova regra, veio com a seguinte redação:

"Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos no ano subsequente e após 90 (noventa) dias desta."

Como se não bastasse a confusa redação, difícil de ser interpretada, a regra de transição trazida pelo artigo 2º prevê que já no ano de 2015 a receita seria distribuída de forma que 20% da diferença de alíquota fique para o Estado de destino e 80% dessa diferença permanece para o Estado de origem. Portanto, há uma contradição intransponível entre o artigo 2º e 3º da mesma Emenda Constitucional. Ao mesmo tempo em que o artigo 3º define que a EC produzirá efeitos a partir do ano subsequente o artigo 2º estabelece que 20% da diferença de alíquota já deve ser recolhida em 2015 ao estado de destino da mercadoria na operação com não contribuinte do ICMS.

Por se tratar de regra de distribuição de receitas entre os Estados, esperava-se que o Conselho Nacional de Política Fazendária, por meio de Convênio, pacificasse o procedimento de todos os contribuintes espalhados pelo Brasil e publicasse um ato que alicerçaria as regulamentações internas de cada unidade federada. A EC 87/2015 introduziu uma nova hipótese de incidência, fazendo nascer a obrigação do contribuinte jurisdicionado em um Estado recolher a diferença de alíquota para o Estado destinatário nas operações com não contribuintes. Seria então oportuno a edição de convênio pelo CONFAZ, ratificado por todos os Estados e pelo Distrito Federal definindo os procedimentos e obrigações de todos os contribuintes do ICMS do país, inclusive a data em que a nova divisão da receita do ICMS iniciaria seus efeitos.

Lei Estadual nº 15.856/2015

Como o CONFAZ não se manifestou, o Estado de São Paulo altera sua lei 6.374/89 (regra matriz do ICMS paulista) por meio da Lei Estadual 15.856/2015 para dar amparo legal à divisão de receitas nas operações destinadas a não contribuintes paulistas (entradas) e nas remessas de mercadorias a não contribuintes em outras unidades da federação.

A Lei paulista tangencia a contradição observada na EC 87/2015. Fixa que a nova regra tem vigência a partir de 1º de janeiro de 2016, inclusive a transição começa com 40% em 2016 e não com os 20% em 2015 como previsto no artigo 2º da EC 87/2015. Enfim, o Estado de São Paulo nega vigência ao inciso I do artigo 99 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal. Portanto, para os contribuintes paulistas e para os contribuintes de outros Estados que remeterem mercadorias para não contribuintes residentes no Estado de São Paulo fica suprimida a transição de 20% de diferença de alíquota em 2015. No entanto, parece evidente que o Estado de São Paulo não tem competência para negar vigência ao inciso I do artigo 99 do Ato das Disposições Transitórias. Neste ponto poderá surgir conflito com outra unidade da federação que porventura implemente a mudança trazida pela EC 87/2015 de forma divergente à interpretação paulista. Se o estado destinatário exigir 20% da diferença de alíquota na entrada de mercadoria destinada a não contribuintes, entre o dia 17/07/2015 (90 dias após a publicação da EC 87/2015) estará provocando majoração da carga tributária total sobre a operação pois o Estado de São Paulo continuará exigindo a aplicação da alíquota interna no segundo semestre de 2015.

Se neste final de 2015 ocorrer conflito entre as legislações internas de cada Estado, com majoração da carga tributária, só restará ao contribuinte remetente paulista a busca de proteção do Poder Judiciário, com depósito da parte controversa (20% da diferença das alíquotas).

O contido na Lei Estadual nº 15.856/2015, que suprime o inciso I do artigo 99 do Ato das Disposições Transitórias da CF/88 pode ser sintetizado nas seguintes tabelas:

1) OPERAÇÕES INTERESTADUAIS PROMOVIDAS POR CONTRIBUINTES PAULISTAS PARA NÃO CONTRIBUINTES EM OUTROS ESTADOS.

Dados:

a) alíquota interna em São Paulo = 18%

b) alíquota interna no Estado destinatário = 17%

 
o contribuinte paulista precisará identificar a carga tributária interna no estado destinatário para cada mercadoria vendida para não contribuinte.

Temos:

Exemplo 1 - Primeira linha da coluna 2016 no quadro abaixo:

17% - 4% = 13%

13 % x 60 % = 7,8 %

Alíquota devida para SP: 4 % + 7,8% = 11,8%

Alíquota devida para a UF destinatária: 17% - 11,8% = 5,2%

Exemplo 2 - Terceira linha da coluna 2018.

17% - 12% = 5 %

5% x 20 % = 1%

Alíquota devida para SP : 12% + 1% = 13%

Alíquota devida para a UF destinatária = 4%

Aliquota

Interestadual

20152016

60% = SP 40% = UF Dest

2017

40% = SP 60% UF Dest

2018

20% = SP 80% = UF Dest

2019

0% = SP 100% = UF Dest

 SPUF DestinoSPUF DestinoSPUF DestinoSPUF DestinoSPUF Destino
4 %18 %0%11,8%35,2%9,2 %7,8 %6,6 %10,4 %4 %13 %
7 %18 %0%13 %4%11 %6 %9 %8 %7 %10 %
12%18 %0%15 %2%14%3%13% 4 %12%5 %

3 OPERAÇÕES INTERESTADUAIS PROMOVIDAS POR CONTRIBUINTES DE OUTRAS U.F. PARA NÃO CONTRIBUINTES NO ESTADO DE SÃO PAULO.

Dados:

c) alíquota interna na UF remetente = 17%

d) alíquota interna no Estado de SP = 18%

 
O remetente da outra U.F precisará identificar a carga tributária interna no Estado de São Paulo para cada mercadoria vendida para não contribuinte.

Aliquota

Interestadual

20152016

60 % = UF Remet 40%= SP

2017

40% = UF Remet 60% = SP

2018

20% UF Remet 80% = SP

2019

0% UF Remet 100% = SP

 UF Remet.SPUF Remet.SPUF Remet.SPUF Remet.SPUF Remet.SP
4 %17 %0%12,4 %5,6%9,6 %8,4 %6,8%11,2 %4 %14%
12%17 %0%15,6 %2,4 %14,4 %3,6 %13,2%4,8%12%6%

Temos:

Exemplo 1: Primeira linha da coluna 2016

18% - 4% = 14%

14 % x 60 % = 8,4 %

Alíquota devida para a UF remetente: 4 % + 8,4 % = 12,4%

Alíquota devida para SP: 18% - 12,4% = 5,6%

Exemplo 2: Segunda linha da coluna 2018.

18% - 12% = 6 %

6% x 20 % = 1,2 %

Alíquota devida para UF remetente: 12% + 1,2% = 13,2%

Alíquota devida para SP: 18 - 13,2% = 4,8%

O conceito de não contribuinte

Nas operações interestaduais destinadas a contribuintes do ICMS o contribuinte remetente deverá continuar aplicando a alíquota interestadual. Até 31 de dezembro de 2015, de acordo com a lei estadual 15.856/2015, continuará aplicando a alíquota interna nas operações interestaduais destinadas a não contribuintes. A partir de 1º de janeiro de 2016, ao promover operação interestadual destinada a não contribuintes de ICMS, deverá repartir as receitas conforme revelado nas tabelas acima. Ou seja, a partir de 1º de janeiro de 2016 surge um novo fato gerador do ICMS, nascendo a obrigação para o contribuinte remetente recolher a diferença de alíquota para o estado destinatário da mercadoria em que está localizado o não contribuinte do ICMS.

Portanto, torna-se muito importante o conceito de contribuinte do ICMS para aplicar corretamente a nova norma, pois o fato marcante para distribuição da carga tributária na operação está relacionado ao conceito de contribuinte de ICMS. Nem sempre pessoa natural é não contribuinte do ICMS, bem como é possível que pessoa jurídica com inscrição estadual não seja contribuinte do ICMS. É preciso atenção no momento de aplicar a norma. Produtor rural continua figurando como pessoa natural, no entanto, tem inscrição estadual por ser contribuinte de fato e de direito do ICMS.

Por outro lado, pessoas jurídicas podem estar inscritas como contribuintes do ICMS e não ser de fato contribuinte desse imposto estadual. O caso mais emblemático e muita controvérsia provocou na aplicação da alíquota interestadual está relacionado às operações que destinem mercadorias às empresas de construção civil. Os Estados, reunidos no CONFAZ, nunca conseguiram unanimidade para fixar critérios para a repartição da receita do ICMS nas operações interestaduais destinadas à essas empresas. Maior exemplo dessa divergência se encontra no Convênio ICMS 137/2002, que tentou uniformizar a divisão de receitas entre os Estados nas operações com mercadorias destinadas às empresas de construção civil. Não houve êxito nesta tentativa, pois vários estados não foram signatários do convênio, dentre eles o próprio Estado de São Paulo

A controvérsia só foi pacificada pelo Poder Judiciário. De fato, no Acórdão do Recurso Especial nº 1.135.489 - AL, proferido pelo STJ, em recurso repetitivo, o relator, Ministro Luiz Fux, aponta vasta jurisprudência no sentido de afastar o pagamento das diferenças de alíquotas de ICMS pelas empresas de construção civil.

Dentre essa jurisprudência destaca-se o julgamento do RE 444.885-AgR (rel. min. Gilmar Mendes, DJ de 26.05.2006), na Segunda Turma do STF que firmou a orientação sintetizada na seguinte ementa:

'EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Empresa contribuinte do ISS. Alíquota diferenciada. ICMS. Cobrança de diferença. Impossibilidade. Precedentes"

O mesmo sentido trilhou a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em decisão de 20 de maio de 2014. No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 549.532 - PR, sob a relatoria do ministro Roberto Barroso, foi afastada a cobrança da diferença de alíquota interna para a interestadual nas aquisições realizadas por gráficas, contribuintes do ISSQN, diretamente em outras unidades da federação.

Segundo o Ministro Roberto Barroso, se contribuintes do ISSQN promovem inscrição estadual com o fim de se locupletar da aplicação de alíquotas interestaduais nas aquisições realizadas em outras unidades, mesmo assim não ficam obrigados ao recolhimento do diferencial da alíquota interna. Essa conclusão, segundo o ministro relator, é um imperativo que provém do fato desse contribuinte não ser sujeito passivo do ICMS. Logo, desobrigado do recolhimento do diferencial de alíquotas desse imposto.

Esses acórdãos dos tribunais superiores reforçam a necessidade dos contribuintes de ICMS redobrarem a atenção nas operações interestaduais destinadas a contribuintes do ISSQN e que mantenham inscrição como contribuintes do ICMS. A Emenda Constitucional atribuiu ao contribuinte do ICMS, remetente da mercadoria, a responsabilidade de repartir a receita do ICMS entre os Estado no qual está inscrito e o Estado destinatário nas operações destinadas a NÃO contribuintes. E essa definição, em alguns casos, não é tão simples como parece.

A interrupção do pagamento do ICMS por Substituição Tributária

Por fim é preciso realçar que o novo dispositivo constitucional trará efeitos nas operações em que o ICMS foi pago antecipadamente por substituição tributária. Ao se destinar mercadorias, cujo ICMS já foi pago por substituição tributária ao Estado de São Paulo, para contribuintes ou não do ICMS em outras unidades da federação, irá interromper a presunção da efetiva ocorrência do fato gerador previsto no artigo 150, parágrafo 7 º da Constituição Federal. Essa interrupção ocorre porque a presunção inicial era de que a mercadoria seria consumida no Estado de São Paulo. Ao se destinar a mercadoria, mesmo para não contribuinte em outras unidades da federação, um novo fato gerador do ICMS irá nascer para o Estado destinatário. Com isso, interromperá o pagamento do ICMS para o Estado de São Paulo que se presumia definitivo.

Essa interrupção dos efeitos da substituição tributária provocará o direito do contribuinte remetente ingressar com pedido de ressarcimento do ICMS na forma disciplinada pelo Estado de São Paulo por meio da Portaria CAT 17/99.

Conclusão

Como revelado neste texto, não se trata de mudança simples na forma de operacionalizar o imposto no plano nacional. Não se restringe ao comércio eletrônico como revelado pela grande imprensa. A mudança é mais profunda e abrangente, exigindo atenção para todos os profissionais que operam ICMS no Brasil. Espera-se que até o início da vigência, que o Estado de São Paulo está fixando para 1º de janeiro de 2016, o CONFAZ, por meio de sua Comissão Técnica Permanente (COTEPE) e as administrações tributárias dos Estados e Distrito Federal regulamentem a operacionalização dessa nova obrigação tributária de forma unânime, evitando divergências e conflitos entre as unidades federadas. Fica por fim o alerta para que as empresas que promovem vendas interestaduais a não contribuintes do ICMS já se movimentem para ir organizando seus sistemas para a mudança que virá.

 
Elaborado por:
José Antonio Pachecco. Ex Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil aposentado. Associado do MVO Advocacia Tributária e Empresarial (www.mvo.adv.br). Colaborador do site Decisões.
E-mail: jose.pacheco@mvo.adv.br