COSIT decide que os valores recebidos de trust no exterior, por força de herança, devem ser tributados pelo IRPF - Gustavo Santin*
A Coordenação Geral de Tributação da RFB ("COSIT"), por meio da Solução de Consulta COSIT nº 41, de 31.3.2020, entendeu que os rendimentos auferidos por pessoa física residente no País, oriundos de trust localizado no exterior, estão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física ("IRPF") mediante aplicação da tabela progressiva mensal (carnê-leão), nos termos do art. 8º da Lei nº 7.713, de 22.12.1988.
Naquela ocasião, a Consulente declarou que, por decorrência do falecimento de seu marido, passou a receber, periodicamente, rendimentos de trust localizado nas Bahamas, na condição de beneficiária e herdeira.
Diante disso, a Consulente indagou às autoridades fiscais se os valores recebidos deveriam ser tratados como herança sujeita à incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos ("ITCMD") ou como rendimentos sujeitos à incidência do IRPF.
Em caráter preliminar, a COSIT declarou ineficaz a consulta na parte relativa à eventual incidência de ITCMD sobre tais verbas, por se tratar de matéria tributária de competência dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do art. 18 da Instrução Normativa RFB nº 1396, de 16.9.2013.
Para subsidiar a sua análise, a COSIT inicialmente abordou os aspectos gerais do trust, adotando a definição prevista no art. 2 da Convenção de Haia, que não foi assinada pelo Brasil, segundo o qual "o termo trust se refere a relações jurídicas criadas - inter vivos ou após a morte - por alguém, o outorgande, quando os bens forem colocados sob controle de um curador para obenefício de um beneficiário ou para alguma finalidade específica."
Em seguida, a COSIT pontuou que as informações prestadas pela Consulente sobre o trust não possibilitavam a averiguação de suas condições, conteúdo e finalidade, motivo pelo qual a análise da consulta ficaria restrita aos fatos narrados. Não houve, portanto, uma averiguação detalhada a respeito da periodicidade dos pagamentos, do caráter revogável ou irrevogável do trust e de outros elementos que podem ser relevantes em casos concretos de planejamento sucessório.
No mérito, a COSIT entendeu que a situação narrada estaria submetida ao art. 8º da Lei nº 7.713, de 22.12.1988, que prevê a incidência do IRPF sobre rendimentos e ganhos de capital provenientes de fontes situadas no exterior. Assim, segundo a COSIT, os valores recebidos pela Consulente estariam sujeitos à incidência do IRPF sob a forma de recolhimento mensal obrigatório, via carnê-leão, às alíquotas da tabela progressiva, que variam de zero a 27,5%.
Curiosamente, a COSIT deixou de analisar a possibilidade de aplicação, ao caso concreto, da isenção de IRPF prevista no art. 6º, inciso XVI, da própria Lei n. 7713, que trata dos valores dos bens adquiridos por herança ou doação. Essa omissão é relevante não apenas porque os montantes oriundos do trust foram recebidos pela Consulente em decorrência do falecimento de seu marido, mas também porque esse dispositivo legal constitui norma especial em relação ao art. 8º da Lei n. 7.713.
Em sua essência, o art. 6º, inciso XVI, da Lei nº 7.713 apenas esclarece que as doações e heranças estão fora do campo de incidência do imposto de renda, por envolverem verdadeiras transferências patrimoniais, que não provêm de uma fonte preexistente no patrimônio do seu titular, como exige o art. 43 do Código Tributário Nacional ("CTN"). Logo, a análise de tal dispositivo poderia ser considerada para a adequada solução do caso concreto narrado pela Consulente.
Diante disso, é possível concluir que, embora a Solução de Consulta COSIT nº 41 tenha efeito vinculante no âmbito da Administração Tributária, respaldando os sujeitos passivos que seguem a sua orientação, a posição adotada pela COSIT é passível de crítica e pode gerar futuras discussões a respeito do tema.
*Gustavo Santin é graduado em Direito pela Escola de Direito de São Paulo - FGV Direito SP e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT.