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CSRF restabelece a multa qualificada do art. 44 da Lei nº 9430/96 - Bruno Fajersztajn - Paulo Coviello Filho

Recentemente foi disponibilizado o acórdão n. 9101-002049, de 11.11.2014, proferido pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, o qual analisou a aplicação da multa qualificada prevista no art. 44 da Lei n. 9430, de 27.12.1996 (01).

Segundo consta no relatório, o processo em questão decorre de autos de infração de IRPJ e CSL, lavrados em face de determinado contribuinte, com base na acusação de falta de oferecimento à tributação de ganho de capital auferido em alienação de participações societárias. Os fatos que ensejaram a autuação podem ser resumidos da seguinte forma:

- investidores estrangeiros constituíram empresa no Brasil (X), na qual aportaram relevante quantia em dinheiro;

- o contribuinte autuado, que era uma holding controladora (W) de uma empresa operacional (Y), a qual detinha duas atividades (setor de industrialização de fósforos e o setor agroflorestal), cindiu (Y). Nessa operação, a atividade agroflorestal é cindida e incorporada por outra empresa. Com essa operação, (Y) fica apenas com os ativos relativos ao setor de industrialização;

- passo subsequente, (W) constitui uma nova empresa (NEWCO), na qual aporta as ações de (Y) a título de aumento de capital;

- a seguir, empresa (X) aumenta o capital da NEWCO com o dinheiro recebido dos investidores estrangeiros, operação em que é apurado ágio;

- três dias após a operação acima, os acionistas da NEWCO decidem cindir essa empresa, com a saída de (W). Nessa saída, (W) recebe, pelas ações que detinha, a quantia em dinheiro aportada por (Y) a título de aumento de capital;

- finalmente, (Y) incorpora NEWCO e, subsequentemente, (X).

Diante dos fatos acima, a fiscalização, tomando emprestadas as palavras do acórdão de 2ª instância n. 107-08.837, de 6.12.2006, "concluiu que os negócios jurídicos envolvendo as reorganizações societárias de que tratam os fatos, constituem simulação ilícita motivada exclusivamente em afastar a incidência tributária, dissimulando o verdadeiro negócio jurídico pretendido e efetivado pelas partes. As operações foram procedidas para dissimular o verdadeiro negócio jurídico, correspondente à vontade negocial das partes, que era a alienação da empresa (Y), da (W) para o grupo espanhol, envolvendo reorganizações societárias destituídas de causa, cujo único objetivo foi a de evasão fiscal. As diversas operações vieram a mascarar a vontade real de transferência societária." Ainda nos termos do acórdão recorrido, verifica-se que a fiscalização aplicou a multa qualificada do art. 44, da Lei n. 9430/96, pois considerou comprovadas as condutas definidas nos art. 71, 72 e 73, da Lei n. 4502, de 30.11.1964.

O acórdão recorrido houve por bem manter a autuação, mas afastou a multa qualificada, pois considerou inexistente a conduta dolosa. A decisão recorrida destacou que, quando dos fatos, ainda era incipiente a doutrina e jurisprudência sobre o tema, havendo precedentes administrativos que consideravam válidas essas operações, o que, de certa forma, afastaria o conhecimento da ilicitude pelo contribuinte. Também chamou atenção para que "todas as operações realizadas foram devidamente informadas pelo contribuinte, com as devidas declarações e registros contábeis, inclusive a declaração da cisão realizada. O Fisco não teve qualquer dificuldade em apurar os elementos do negócio realizado, e devidamente qualificá-lo, para exigir o tributo devido."

Em face dessa decisão, a Fazenda Nacional apresentou recurso especial apenas com relação à qualificação da multa, visando ao seu restabelecimento. Diante deste cenário, a 1ª Turma da CSRF, em decisão colhida por maioria, deu provimento ao recurso e restabeleceu a multa qualificada.

O voto condutor da referida decisão afirma, de forma resumida, que o conjunto de atos combinados entre as partes teve como único objetivo dar à operação de compra e venda a aparência de constituição de sociedade (seguida de separação entre os sócios), isso com o evidente intuito de obter economia tributária ilícita.

Consignou, ainda, que a existência de diversas correntes jurisprudenciais a respeito, o que, na visão do contribuinte e da decisão recorrida, ensejaria o afastamento da qualificação da multa ante a divergência interpretativa (diversos julgados do Conselho enveredaram nesse sentido), não possui base legal, visto que o Conselho, na formação de sua jurisprudência, exceto no caso de edição de súmulas, não se constitui órgão normativo, de forma que a existência de decisões favoráveis e contrárias não interfeririam no julgamento do processo, tampouco na aferição da conduta dolosa por parte do contribuinte.

A decisão deve ser analisada com cuidado, eis que não enfrentou todos os pontos atinentes à aplicabilidade da multa qualificada de forma profunda. Isso porque a jurisprudência majoritária firmada no âmbito do CARF é no sentido de que o cabimento dessa penalidade depende de evidente comprovação do intuito fraudulento, o que requer, inegavelmente, que haja o conhecimento, por parte do contribuinte, de que a conduta praticada era ilícita.

Esse, contudo, não parece ser o caso da situação fática objeto da autuação em comento. Isso porque, ao final da década de 90, a produção doutrinária e, principalmente, jurisprudencial sobre situações denominadas planejamento tributário era praticamente inexistente. Aliás, diversas eram as decisões que consideravam válidas operações como aquela colocada em prática pelo contribuinte, de forma que o mesmo agiu sem o conhecimento de que os atos poderiam ser taxados como contrários ao ordenamento. Ao contrário, agiu com apoio em decisões do próprio antigo Conselho de Contribuintes, que reputavam como válidas operações desse gênero. Presume-se que o contribuinte tinha a percepção de que era lícita a sua atuação. Além disso, não se pode negar que a publicidade dos atos é mais um fator que demonstra a idoneidade dos envolvidos, como muito bem destacado pela decisão recorrida.

Sendo assim, o resultado do julgamento em comento, com o restabelecimento da multa qualificada, mostra-se em sentido diametralmente oposto à corrente majoritária que até então vinha se formando no âmbito daquela Corte, a qual vinha dando relevância à ausência de dolo e má-fé do contribuinte para fins de graduar as penalidades cabíveis, reconhecendo que a divergência jurisprudencial sobre o tema em debate seria a prova de ausência do evidente intuito de fraude (02). A decisão desconsidera questões importantes, como o princípio do in dubio pro reo positivado no art. 112 do CTN, e do erro de proibição como excludente de dolo em matéria tributária, temas aos quais foi dada relevância em outros precedentes para fins de qualificação da multa.

Vale ressaltar que o recurso especial foi interposto pela Fazenda Nacional, com base no art. 7º, inciso I, do antigo Regimento Interno da antiga Câmara Superior de Recursos Fiscais, que diz respeito à contrariedade à Lei ou à evidência da prova dos autos, razão pela qual, a nosso ver, possibilitou reanálise do conjunto fático-probatório dos autos, o que não é mais permitido na vigência do atual Regimento Interno do CARF, aprovado pela Portaria MF n. 256/2009.

Por fim, cumpre destacar que a ementa do acórdão deve ser desconsiderada, pois repete a ementa do acórdão recorrido, estando em evidente contradição com os termos da decisão.

Notas

(01) Vale ressaltar que o processo em análise decorre de autuação lavrada em 2004, relativa a fatos ocorridos no final da década de 90, quando a multa qualificada em questão era prevista no inciso II do art. 44, da Lei n. 9430/96, sendo que, atualmente, a referida multa está prevista no parágrafo 1º do referido artigo. No entanto, essa alteração legislativa não influi para a decisão do presente processo, razão pela qual não será objeto de comentários.

(02) A respeito da jurisprudência do CARF sobre a multa qualificada: COVIELLO FILHO, Paulo. A Multa Qualificada na Jurisprudência Administrativa. Análise Crítica das Recentes Decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Editora Dialética, n. 218, p. 130-141, Novembro/2013.

 
Elaborado por:
Bruno Fajersztajn*
Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.

Paulo Coviello Filho*
Advogado.