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CARF admite a dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio pagos pela pessoa jurídica a usufrutuário dos direitos econômicos das ações - Paulo Coviello Filho*

No dia 10.12.2019, a 1ª Turma Ordinária, da 4ª Câmara, da 1ª Seção do CARF, por meio do acórdão n. 1401-004.050, negou provimento a recurso de ofício interposto no processo administrativo n. 16327.721015/2018-08, cuja discussão versava sobre a dedutibilidade de despesas de juros sobre capital próprio (JCP) pagas por pessoa jurídica à usufrutuário de direitos econômicos mantidos após a constituição do usufruto de ações.

No caso, conforme relatório do acórdão, acionistas de determinada pessoa jurídica operacional, representantes de determinado grupo empresarial, em conjunto com outros acionistas dessa mesma pessoa jurídica, constituíram uma sociedade holding e capitalizaram essa sociedade, por meio de integralização da nua propriedade das ações da referida pessoa jurídica operacional, reservando para si o usufruto dos direitos econômicos de tais ações.

Em razão do usufruto constituído, a pessoa jurídica operacional deliberou e pagou JCP aos usufrutuários, deduzindo a referida despesa na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSL, nos termos do art. 9º da Lei n. 9249, de 26.12.1995.

Ao examinar o caso em questão, segundo o referido acórdão, a fiscalização apresentou dois argumentos para a indedutibilidade da despesa com o pagamento de JCP aos usufrutuários, quais sejam, (i) a dedutibilidade da despesa de JCP configuraria benefício fiscal e, consequentemente, deveria ser interpretada de forma restritiva e, finalmente, a norma tributária somente permitiria a dedutibilidade dos montantes pagos aos nu-proprietários (acionistas em sentido estrito); e (ii) tratar-se-ia de planejamento tributário que teria como propósito principal a economia da contribuição ao PIS e da COFINS sobre a receita de JCP na sócia controladora.

O contribuinte se irresignou contra a autuação fiscal, argumentando que o instituto do usufruto, disciplinado nos art. 1.390 a 1.411 do Código Civil, prevê justamente a divisão dos atributos da propriedade. Assim, a sociedade holding teria ficado com a nua-propriedade e os direitos políticos decorrentes das ações da pessoa jurídica operacional, enquanto os antigos acionistas teriam mantido o direito aos frutos, neles incluídos aos JCP.

Destacou, ainda, que a alegação de que essa estrutura visaria a obtenção de economia tributária relativa à contribuição ao PIS e à COFINS não era verdadeira, eis que grande parte dos acionistas anteriores, que mantiveram os direitos econômicos das ações após a constituição do usufruto, também são pessoas jurídicas, o que afastaria a questão relativa à suposta economia tributária.

A 1ª instância administrativa julgou a impugnação procedente, cancelando integralmente a autuação fiscal. Em face dessa decisão, foi interposto recurso de ofício, o qual foi julgado pela 1ª Turma Ordinária, da 4ª Câmara, da 1ª Seção do CARF, por meio do acórdão em questão. A decisão colhida por unanimidade negou provimento ao referido recurso e recebeu a seguinte ementa:

"PAGAMENTO DE JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. USUFRUTUÁRIO. DEDUTIBILIDADE.
Dentro dos limites legais, é dedutível a despesa de JCP pago a usufrutuário de ações.

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ABUSIVO. INOCORRÊNCIA.

Não se configura planejamento tributário abusivo quando não se verifica a economia de tributos como razão única ou preponderante dos atos jurídicos realizados e a organização societária encontra-se fundada em válida razão extratributária e sem a utilização de figuras artificiais."

O voto condutor, de lavra do Conselheiro Carlos André Soares Nogueira, entendeu que o raciocínio da fiscalização não poderia prevalecer, eis que o usufruto é figura típica do direito privado, não havendo nenhuma norma tributária conferindo tratamento diverso aos rendimentos de JCP pagos pelo usufrutuário. Ainda sob o ponto de vista do direito privado, o voto também destacou que os art. 1390 e seguintes admitem expressamente a divisão das faculdades inerentes ao direito de propriedade, em razão do usufruto. Adiante, consignou a decisão que a Lei n. 6404, de 15.12.1976, possui disposições que tratam especificamente sobre a constituição de usufruto de participação societária, citando o art. 205.

Após analisar a legislação aplicável, a decisão reconheceu que o direito de propriedade das ações significa um plexo de direitos sobre os referidos títulos patrimoniais, divididos principalmente nos direitos políticos e econômicos. Assim, o usufruto apenas autoriza a divisão desses direitos, conferindo parte deles ao usufrutuário e parte ao nu-proprietário.

No que tange à alegação de planejamento tributário ilícito, a decisão reconhece que não houve qualquer acusação de fraude ou simulação, tampouco aplicação da multa qualificada. A decisão ainda reconhece que a alegação de que o usufruto estaria buscando economia relativa à contribuição ao PIS e a COFINS não se confirmaria, justamente porque anteriormente as acionistas também eram pessoas jurídicas. Finalmente, reconhece que "é digno de nota que a finalidade de reunir os direitos relativos à gestão da sociedade num ente controlador para conferir estabilidade à gestão, apontada pela contribuinte, é legítima do ponto de vista societário."

A decisão proferida pelo CARF está correta, pois, no caso de usufruto sobre ações, os valores pagos pela pessoa jurídica ao usufrutuário continuam a receber o tratamento jurídico-tributário de JCP, conforme a natureza jurídica do pagamento realizado.

O primeiro destaque a ser feito é que o próprio fisco possui entendimento nesse sentido. Confira-se a Solução de Consulta COSIT n. 38, de 27.3.2018:

"11. A partir dessas definições, é possível concluir que a constituição de usufruto conduz à alteração do beneficiário do rendimento produzido pela coisa, que deixa de ser o proprietário. Contudo, isso não é suficiente para alterar a natureza jurídica do rendimento recebido.

12. Com efeito, na propriedade plena, o proprietário é o titular de todos os atributos inerentes ao domínio, ao passo que, no usufruto, essa titularidade é dividida com o usufrutuário. Apesar disso, não há diferença de substância entre a titularidade de um e de outro em relação a cada uma dessas faculdades. Ou seja, os frutos recebidos mantêm sua natureza, quer sejam devidos ao proprietário, quer ao usufrutuário.

13. Assim, e respondendo ao primeiro questionamento formulado pela consulente, se a receita decorrente do usufruto das ações é lucro ou dividendo, como tal deve ser tratado para fins de tributação."

Como já analisado anteriormente1, o instituto jurídico do usufruto pode ser definido como o direito real que outorga ao usufrutuário o direito de usar e perceber os frutos de coisa alheia, por tempo determinado ou por prazo vitalício. Assim, esse instituto garante ao usufrutuário o direito de usar e de gozar de bem alheio, com a obrigação de conservar a sua substância.

Logo, com a instituição do usufruto, o proprietário mantém apenas a nua-propriedade do bem, que equivale ao domínio, despido dos direitos reservados ao usufrutuário, que passa a usar e desfrutar do bem alheio, sem alterar a sua substância. Assim, os frutos derivados da coisa alheia pertencem diretamente ao usufrutuário, mas sem que isso acarrete qualquer modificação em sua natureza jurídica ou no respectivo tratamento tributário.

Vale ressaltar, ademais, que o entendimento adotado nessa decisão não é inédito, eis que o CARF já se posicionou dessa forma em outras oportunidades, como, por exemplo, o acórdão n. 1402-003.581, de 20.11.2018, que também reconheceu a dedutibilidade de despesas de JCP pagas a usufrutuário. Similarmente, o acórdão n. 2401-004.568, de 7.2.2017, reconheceu que os dividendos e JCP recebidos por usufrutuário de ações deveriam receber o mesmo tratamento tributário conferido nos art. 9º e 10 da Lei n. 9249, ou seja, mantendo a natureza jurídica independentemente do beneficiário não ser o proprietário das ações.

Em resumo, portanto, a decisão conferiu a interpretação correta à legislação tributária, reconhecendo que o regime tributário do JCP não se altera em razão da alteração do beneficiário do rendimento pela constituição de usufruto.

 
*Paulo Covielo Filho é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

 
1 https://www.marizadvogados.com.br/wp-content/uploads/2018/02/NComent-06-2017.pdf