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Parecer Normativo COSIT nº 11/2014 - Importantes considerações sobre a compensação de créditos reconhecidos por decisão judicial - Bruno Fajersztajn - Gabriel Laredo Cuentas

A Receita Federal do Brasil (RFB), em 19.12.2014, publicou o Parecer Normativo COSIT n. 11, no qual analisa a compensação de créditos decorrentes de ações judiciais, enfrentando e esclarecendo alguns pontos relevantes sobre o tema, dentre os quais podem ser destacados: (i) a natureza jurídica da compensação administrativa, quando decorrente de decisão judicial transitada em julgado; (ii) a validade da Instrução Normativa RFB n. 1300, de 20.11.2012, ao condicionar a compensação à prévia habilitação; e (iii) o prazo para a apresentação da declaração de compensação e a suspensão e/ou interrupção da prescrição na utilização dos referidos créditos.

Em análise detida desse parecer normativo, é possível verificar que os auditores fiscais que o elaboraram verdadeiramente se debruçaram sobre o tema, analisando suas diversas questões, apresentando trabalho bastante fundamentado e de conteúdo jurídico sólido.

O parecer enfrenta a questão da compensação administrativa dos créditos reconhecidos judicialmente, desde a sua validade no plano normativo até o prazo extintivo para a utilização de referidos créditos em compensação administrativa, apoiando-se, para tanto, na legislação de regência, nos princípios gerais do direito, na analogia, nas técnicas de hermenêutica e também na doutrina e jurisprudência (administrativa e judicial). O ato normativo cumpre com sua função de norma complementar da legislação tributária, nos termos do art. 100 do Código Tributário Nacional, esclarecendo com precisão alguns pontos de dúvida existentes na legislação.

Isto posto, cumpre-nos fazer breve análise do conteúdo de referido parecer normativo.

Como se sabe, a compensação de créditos reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado é regida pelo art. 74 da Lei n. 9430, de 27.12.1996, com alterações posteriores, sendo que o seu parágrafo 14 autoriza que a Secretaria da Receita Federal do Brasil regulamente a matéria (01).

Esta, por sua vez, editou a Instrução Normativa RFB n. 1300, que em seu Capítulo VIII estabeleceu as condições para que os contribuintes possam utilizar os créditos decorrentes de ação judicial.

O parecer inicia suas ponderações esclarecendo que a compensação é forma alternativa de execução do julgado, prevista em lei, e que pode ser considerada válida se interpretada como uma opção do contribuinte titular de créditos reconhecidos por decisão judicial. O fisco sugere assim uma interpretação do art. 74 conforme a Constituição, especialmente o seu art. 100, fazendo alusão a julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça nesse sentido (02). Sustenta assim a validade jurídica dessa opção, pois:

(i) a compensação administrativa apenas representaria mais uma opção ao contribuinte para buscar a satisfação de seu crédito, sem prejuízo do exercício do direito à expedição de precatório;

(ii) o procedimento de compensação, assim como no processo civil, deve ser revestido de todas as garantias que lhe são próprias, e por fim,

(iii) a Fazenda Nacional tem interesse de ver seus créditos tributários satisfeitos, principalmente quando também possui "débitos" para com os Contribuintes, em nome do princípio da eficiência administrativa e do interesse público.

Após reconhecer a validade da opção pela compensação administrativa, a COSIT passa a elencar os procedimentos necessários para a compensação, destacando que o pedido de habilitação de créditos representa condição sine qua non para tanto.

Acerca desse "requisito", o parecer foi categórico ao defini-lo como sendo a forma que a Receita Federal do Brasil possui de dar efetividade ao seu poder de polícia, não no sentido de limitar o direito dos contribuintes, mas sim no sentido de fazer com que ele seja exercido nos limites da lei e da decisão judicial que reconhece o crédito, comparando tal procedimento à verificação das condições da ação numa eventual execução contra a Fazenda Pública.

Sustenta o parecer que os fundamentos de validade do procedimento de habilitação são: (1) a delegação à Receita Federal para regulamentar o exercício do direito à compensação, prevista no já referido parágrafo 14 do art. 74; (2) o exercício do poder de polícia, que permite ao fisco coibir a prática de compensações ilícitas, abusivas ou fraudulentas; (3) o princípio da razoabilidade, que teria sido observado, dado que as informações exigidas não são de difícil obtenção e que a implantação do procedimento habilitação reduziu sensivelmente as fraudes.

Após essas considerações, o parecer em tela passou à análise do prazo prescricional para a apresentação da declaração de compensação pelos contribuintes, uma vez que a Lei n. 9430 foi omissa nesse ponto.

A COSIT afasta, acertadamente, a ideia de que a ausência de norma expressa justificaria a inexistência de prazo, destacando que somente em situações muito específicas e excepcionais a Constituição Federal admite a imprescritibilidade. Destaca o parecer que a inexistência de prazo fere o princípio da segurança jurídica. Sugere então, corretamente, o emprego da analogia, nos termos do art. 108 do CTN, para a solução da questão.

Ao analisar a legislação, o parecer acabou por concluir que o prazo prescricional para a apresentação da declaração de compensação pelo contribuinte é de cinco anos, contados do trânsito em julgado da decisão que reconheceu o crédito, ou da homologação da desistência da execução do indébito. Para tanto, apoia-se na interpretação conjunta dos art. 168, do Código Tributário Nacional e art. 1º do Decreto n. 20910, de 6.1.1932.

Na visão da COSIT, se o próprio STJ reconhece que é de cinco anos o prazo para que o contribuinte proponha execução contra a Fazenda Pública (03), nada mais razoável seria a aplicação análoga desse entendimento à compensação administrativa dos créditos reconhecidos por decisão judicial, uma vez que a compensação nada mais é do que uma forma alternativa de execução do julgado.

Ainda sobre a análise da questão referente ao prazo prescricional para o exercício de referido direito, o parecer aborda a celeuma acerca da possível suspensão, ou não, desse prazo quinquenal pelo pedido de habilitação de crédito que antecede a compensação.

Sobre o assunto, o parecer normativo, mais do que acertadamente, concluiu que o pedido de habilitação dos créditos suspende o prazo prescricional, fundamentando-se nas disposições do art. 4 (04) do Decreto n. 20910, bem como levando em conta o princípio da segurança jurídica. Ressaltou ainda que a suspensão do prazo prescricional fica prejudicada caso o contribuinte deixe de atender tempestivamente a alguma intimação ou notificação decorrente do pedido de habilitação, nos termos do artigo 5 (05) do mesmo Decreto, indicando, ademais, que caso o contribuinte não consiga cumprir a intimação no prazo estabelecido, este deverá solicitar a sua dilação, nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei n. 9784, de 29.1.1999, também aplicado analogamente à matéria em foco.

Pois bem, até então o parecer, irretocavelmente, tratou de forma escorreita do instituto da compensação de créditos reconhecidos judicialmente.

No entanto, a nosso ver, o fisco cometeu pequeno deslize ao analisar o tema relativo à fluência do prazo prescricional nos casos em que a compensação é feita em vários pedidos sequenciais, com datas diferentes, notadamente quando o contribuinte não possui débitos suficientes para compensar seus créditos em uma única oportunidade.

O parecer trata de três hipóteses fáticas distintas, quais sejam, (i) o contribuinte possui crédito igual aos débitos que detém junto à RFB, (ii) o contribuinte possui crédito menor que os débitos detidos junto à RFB, ou (iii) o contribuinte possui créditos superiores aos débitos detidos junto à RFB.

Ao analisar essas hipóteses, reconhecendo a aplicação do conceito teórico de compensação, contido no art. 368 do Código Civil (06), o parecer estabelece que, no primeiro caso, crédito e débito se extinguem na mesma proporção, não restando saldo remanescente para nenhuma das partes. No segundo caso acima, o crédito é compensado com o débito em sua devida proporção, restando em aberto saldo remanescente em favor da Fazenda.

Já com relação à terceira hipótese, o parecer estabelece que, não obstante o contribuinte não detenha débitos suficientes para serem utilizados na sobredita compensação, o prazo prescricional não seria interrompido, tendo fluência contínua durante os cinco anos que seguem o trânsito em julgado da decisão que reconheceu seus créditos ou da decisão homologatória da desistência da execução judicial desses valores, fazendo alusão a julgamento do CARF nesse sentido (07).

É justamente nesse aspecto que reside o deslize do parecer em análise, pois, não obstante ele esteja correto em dizer que é inadmissível o entendimento de que há imprescritibilidade do direito de compensação, peca em sustentar que o prazo para seu exercício flui independentemente da existência de débitos compensáveis ou não.

Ora, o prazo prescricional em voga apenas pode fluir no momento em que o contribuinte tem a possibilidade efetiva de exercer seu direito.

Ademais, é de se ressaltar que no mesmo sentido foi o entendimento emanado pela Receita Federal do Brasil quando da edição do Parecer Normativo COSIT n. 6, de 4.8.2014, no bojo do qual era analisado o termo inicial para a contagem do prazo para que o contribuinte possa retificar a sua Declaração de Ajuste Anual, a fim de compensar imposto de renda retido na fonte - IRF, relativo a rendimento considerado isento ou não tributável.

Naquele parecer normativo anterior, restou decidido que o prazo decadencial de cinco anos para pleitear a restituição do IRF retido indevidamente somente tem início a partir do momento em que é possível o exercício do direito à restituição, ou seja, a partir da apresentação da DIRPF original ou retificadora, e não a partir da data da retenção indevidamente realizada. É o que se depreende do seguinte excerto:

"24.4. Mesmo porque é consabido que o instituto da decadência está relacionado com a inércia daquele contra quem corre o prazo, ou seja, não há como se configurar a inércia antes da possibilidade de ação. Observe-se, neste ponto, como se posiciona a doutrina (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo, 2010. p. 529.):
Quem tenha pago tributo indevidamente dispõe do prazo de cinco anos para requerer sua devolução. É um prazo de decadência, que fulmina o direito de pleitear o retorno. Manifestada a inércia do administrado, durante aquele período, acontece, inapelavelmente, o fato jurídico da decadência ou caducidade, extintivo do seu direito". (grifamos)

Ainda que o parecer anterior trate de restituição de tributo e do prazo decadencial desse direito, é inegável a aplicabilidade da teleologia nele adotada ao presente caso. Prescrição e decadência são institutos que prestigiam a segurança jurídica e punem a inércia dos titulares dos respectivos direitos. Mas não há como punir por inércia aqueles que não conseguem exercer os direitos detidos. Se o contribuinte não tem como proceder às compensações por ausência de débitos, não faz sentido que contra ele corram prazos prescricionais ou decadenciais.

Sobre o assunto, o parecer em comento chega a sustentar que o contribuinte deve fazer um planejamento a fim de identificar em quanto tempo escoaria seus débitos, evitando com isso eventual decurso de prazo. Embora essa seja uma medida recomendável pragmaticamente, sem dúvida alguma, a fim de evitar possíveis embates com o fisco no futuro, o fato é que, juridicamente, o contribuinte que não tem débitos a compensar não pode ter contra si a contagem de prazo prescricional, medida que é em tudo antijurídica.

Em suma, feita a pequena ressalva final, acerca da fluência do prazo prescricional para a compensação dos créditos reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado, independentemente da existência de débitos compensáveis, no mais, o parecer normativo analisado é digno de nota e elogios, dado o aprofundamento do tema e a vasta fundamentação utilizada para sustentar suas conclusões.

Notas

(01) "Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. (...) § 14. A Secretaria da Receita Federal - SRF disciplinará o disposto neste artigo, inclusive quanto à fixação de critérios de prioridade para apreciação de processos de restituição, de ressarcimento e de compensação."

(02) Vide EResp n. 653.181/RS, Relator: Ministro João Otávio de Noronha, DJ 11.10.2004.

(03) Nesse sentido, veja-se a Súmula 150, do Superior Tribunal de Justiça, bem como o Resp n. 1.248.517/PR, Relator Ministro Mauro Campbell Marques - Dje 9.6.2011, dentre tantos outros no mesmo sentido.

(04) "Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.

Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano."

(05) "Art. 5º Não tem efeito de suspender a prescrição a demora do titular do direito ou do crédito ou do seu representante em prestar os esclarecimentos que lhe forem reclamados ou o fato de não promover o andamento do feito judicial ou do processo administrativo durante os prazos respectivamente estabelecidos para extinção do seu direito à ação ou reclamação."

(06) "Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem."

(07) Acórdão n. 1402-001.790, de 27.8.2014, da Quarta Câmara da Segunda Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

 
Elaborado por:
Bruno Fajersztajn. Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.

Gabriel Laredo Cuentas. Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014); Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT)
E-mail: glc@marizsiqueira.com.br