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CSRF rejeita planejamento tributário de redução de capital seguida de venda de participação societária por acionistas - Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2018/3711

Desde o ano de 2013, consolidou-se no âmbito do CARF uma corrente no sentido de que, a partir da vigência do art. 22 da Lei n. 9249, de 26.12.1995, o ordenamento jurídico passou a permitir que a devolução de capital fosse feita pela pessoa jurídica mediante a entrega de bens a valor contábil ou de mercado, ficando a cargo da pessoa jurídica decidir. Desse modo, respeitados os ditames da redução de capital, a pessoa jurídica estaria albergada pela previsão contida no artigo acima transcrito, razão pela qual a redução de capital mediante entrega de bens a valor contábil, seguida da alienação dos bens pelos acionistas pessoas físicas, tratar-se-ia de uma opção fiscal do contribuinte[1]. A vantagem obtida nesse tipo de situação era a diferença de alíquota aplicável sobre o ganho de capital (34% x 15%[2]).

A partir de 2017, aquele Conselho começou a proferir decisões contrárias sobre o tema, as quais, em geral, começaram a rechaçar a tese da opção fiscal e, muitas vezes, reconheceram a existência de vícios do negócio jurídico (abuso de direito, simulação etc.) e imputaram a penalidade qualificada com fundamento no parágrafo único do art. 44 da Lei n. 9430, de 27.12.1996. Como exemplos, citam-se os acórdãos n. 1301-002.609, de 19.9.2017, n. 1402-002.772, de 17.10.2017, n. 1401-002.196, de 21.2.2018, e n. 1302-003.286, n. 1302-002.387 e n. 1302-002.388, todos de 12.12.2018[3].

Nesse cenário é que foi proferido o acórdão n. 9101-004.335, de7.8.2019, pela 1ª Turma da CSRF, o qual recebeu a seguinte ementa:

"GANHO DE CAPITAL. CESSÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA A PESSOA JURÍDICA DOMICILIADA NO EXTERIOR. REDUÇÃO DE CAPITAL PROMOVIDA DEPOIS DO RECEBIMENTO DE OFERTA VINCULANTE DE COMPRA DAS AÇÕES.

Não produzem efeitos perante o Fisco as operações realizadas sem propósito negocial, com o único intuito de reduzir a tributação incidente sobre o ganho de capital materializado a partir da estipulação do preço a ser pago pelas ações detidas pelo sujeito passivo.

IRRF SOBRE GANHO DE CAPITAL. DEDUÇÃO DO IRPJ DEVIDO NO PERÍODO.

Deve ser deduzido do imposto devido no período de apuração o imposto pago ou retido na fonte sobre as receitas que integraram a base de cálculo do tributo."

Segundo relato dos fatos retirado do acórdão em comento e do acórdão recorrido, pode-se resumir a operação da seguinte maneira:

i.CPC tinha o interesse de adquirir SPVias, iniciando negociações em dezembro de 2009;

ii.Os acionistas de CPC aceitaram realizar a venda e, em 3.8.2010, foi assinado o contrato;

iii.Em 11.6.2010, Vialco, cotista de Vialco SPE, empresa que detinha ações de SPVias, sai da sociedade, efetua redução de capital - devidamente registrada perante o Banco Central - entregando suas cotas de Vialco SPE para a Interban Sociedad Anônima, empresa sediada no Uruguai;

iv.Interban alienou as cotas de Vialco SPE para CPC. Nessa operação incidiu IRRF à alíquota de 15%.

A fiscalização afirmou que a redução de capital efetuada faria parte de um planejamento tributário abusivo, com o único intuito de reduzir a carga tributária incidente na operação (34% para 15%). A comprovação da ilicitude da operação estaria no fato de que a redução de capital ocorreu no decorrer das negociações entre as partes para realização da venda. Em razão disso, houve a imputação da multa qualificada, com fulcro no art. 44, parágrafo único, da Lei n. 9430, eis que a fiscalização entendeu ter sido caracterizado o cometimento de fraude, a qual estaria "materializada no uso desvirtuado e abusivo do instituto jurídico da redução de capital com animus de auferir economia tributária indevida."

Por sua vez, a pessoa jurídica alega que, do ponto de vista negocial, a redução de capital foi realizada no âmbito de uma grande reorganização societária efetuada pelo grupo empresarial argentino Vialco, após o falecimento do seu principal acionista. Afirma que para essa reorganização foram utilizadas sociedades no Uruguai, como a Interban, as quais possuem, acima delas, uma estrutura fiduciária administrada por trustees profissionais. Consignou, ainda, que já era de interesse do grupo retirar a participação da Vialco SPE da Vialco, para que a participação da SPVias não fosse contaminada por outros negócios da Vialco. No entanto, tal movimento não teria sido implementado antes em razão de questões pessoais e pela burocracia relacionada à obtenção de autorizações de credores e órgãos regulatórios. Assim, a redução de capital no ano de 2010 seria mera decorrência de processo societário iniciado há muito tempo.

Do ponto de vista jurídico, a redução de capital a valor contábil estaria expressamente autorizada pelo art. 22 da Lei n. 9249, como reconhecido pela jurisprudência do CARF. Finalmente, defende o afastamento da multa qualificada, por tratar-se de questão controvertida, com vasta jurisprudência favorável e afirma que na hipótese de manutenção do lançamento, dever-se-ia admitir a compensação do IRRF retido sobre o valor do IRPJ cobrado nos autos.

A 1ª instância administrativa julgou a impugnação parcial procedente, para reconhecer o direito à compensação do IRRF retido com o IRPJ cobrado nos autos. O processo foi remetido ao CARF com recursos de ofício e voluntário. A 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção do CARF deu parcial provimento ao recurso voluntário, cancelando a multa qualificada, e provimento ao recuso de ofício para restabelecer a exigência, afastando a possibilidade de abatimento do IRRF retido.

O contribuinte, então, apresentou recurso especial, ao qual foi dado provimento parcial para admitir o abatimento do IRRF retido do IRPJ lançado nos autos.

O voto vencedor da questão de mérito, de lavra da Conselheira Edeli Pereira Bessa, fez as seguintes ponderações:

- "a redução de capital está prevista em lei e consiste em uma opção dos sócios da pessoa jurídica. Todavia, não se pode admitir que, acordada a venda de ativo da pessoa jurídica, a redução de capital se preste, apenas, a alterar a incidência tributária sobre o ganho de capital daí decorrente";

- a despeito de o contrato ter sido assinado em agosto de 2010, as negociações para venda do investimento já ocorriam desde dezembro de 2009, sendo que nesse foi momento foi apresentada oferta vinculante pela CPC (compradora);

- o preço estabelecido na proposta vinculante teria sido reafirmado em março de 2010 e, posteriormente, em agosto de 2010, no momento da assinatura do contrato de compra e venda;

- em 2011, após a realização da alienação, a Interban teria aumentado o capital da Vialco, em R$ 7milhões, o que representaria o restabelecimento do capital anterior e seria mais uma prova do abuso no planejamento tributário, eis que a redução de capital com entrega das cotas da Vialco SPE representou a redução do capital em R$ 5milhões; tal constatação evidenciaria a ilegitimidade da redução de capital por excessividade;

- no que tange aos argumentos relativos ao intuito do grupo empresarial de isolar a participação na SPVias para proteger tal investimento, a decisão, citando trecho da decisão de 1ª instância, afirmou que tal proteção seria alcançada pela simples venda direta do investimento pela Vialco;

- "para efetivar opção fiscal válida a Contribuinte deveria ter promovido a transferência das ações à INTERBAN antes de receber oferta vinculante de compra das ações em 04/12/2009, até porque já presentes interesse de alienar e oferta não vinculante antes apresentada. Em tais condições, a faculdade prevista no art. 22 da Lei n. 9249/95 poderia ser exercida sem objeção fiscal à reorganização societária que constituísse outra pessoa como titular das participações societárias a serem negociadas. Inadmissível, porém, que, frente a uma oferta vinculante de compra estipulando o preço a ser pago pelas ações pretendidas e materializando o ganho de capital a ser auferido, a Contribuinte invoque aquele permissivo legal para ser substituída a figura de alienante com vistas, apenas, a reduzir a incidência tributária".

A decisão consiste na primeira manifestação de mérito da CSRF sobre o tema, eis que o acórdão n. 9101-004.163, de 7.5.2019, que se debruçou sobre o assunto, decidiu por não conhecer do recurso do contribuinte.

Deve-se destacar que a decisão reconheceu que o art. 22 da Lei n. 9249 concede uma opção ao contribuinte, que pode reduzir o capital social da empresa a valor contábil. Confiram-se os termos do mencionado art. 22:

"Art. 22. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado.

§ 1º No caso de a devolução realizar-se pelo valor de mercado, a diferença entre este e o valor contábil dos bens ou direitos entregues será considerada ganho de capital, que será computado nos resultados da pessoa jurídica tributada com base no lucro real ou na base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido devidos pela pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado.
§ 2º Para o titular, sócio ou acionista, pessoa jurídica, os bens ou direitos recebidos em devolução de sua participação no capital serão registrados pelo valor contábil da participação ou pelo valor de mercado, conforme avaliado pela pessoa jurídica que esteja devolvendo capital.
§ 3º Para o titular, sócio ou acionista, pessoa física, os bens ou direitos recebidos em devolução de sua participação no capital serão informados, na declaração de bens correspondente à declaração de rendimentos do respectivo ano-base, pelo valor contábil ou de mercado, conforme avaliado pela pessoa jurídica.

§ 4º A diferença entre o valor de mercado e o valor constante da declaração de bens, no caso de pessoa física, ou o valor contábil, no caso de pessoa jurídica, não será computada, pelo titular, sócio ou acionista, na base de cálculo do imposto de renda ou da contribuição social sobre o lucro líquido."

No entanto, como visto acima, os aspectos fáticos determinantes para o voto vencedor foram (i) a redução ocorrer após o início das negociações e (ii) ter havido restabelecimento do capital reduzido em 2010 no ano de 2011.

Ademais, a afirmação contida na decisão, no sentido de que a redução de capital deveria ser efetuada antes das negociações, deve ser avaliada com cautela, eis que não existe na lei determinação do momento em que a pessoa jurídica pode realizar a redução de seu capital social. Nesse contexto, o fato de negociar a possível venda do investimento não impede, em tese, que seja realizada a redução, a depender da situação de fato observada em cada caso. Por isso é que não se pode admitir a generalização das hipóteses fáticas para fins de definição da validade ou não de determinada operação. Cada caso deve ser analisado em conformidade com suas peculiaridades, exatamente como se deu na presente situação, na qual as questões de fato foram determinantes.

Por fim, deve-se registrar que, apesar de contrária ao contribuinte, a decisão esteve apegada às peculiaridades de fato do caso em tela, de modo que não houve posicionamento daquela Corte Superior expressamente sobre a possibilidade, em tese, da redução de capital ser realizada pelo contribuinte a valor contábil, inclusive em caso de posterior venda do investimento. Na realidade, o voto vencedor inclusive consignou que, no caso em tela, para efetivar a opção fiscal válida a redução de capital deveria ter sido realizada antes do recebimento da oferta vinculante, quando houve a formalização da negociação. Dessa forma, apesar de negativa ao contribuinte interessado, a decisão não é contrária à tese da opção fiscal[4] do art. 22 da Lei n. 9249.

[1] Nesse sentido, os acórdãos n. 1402-001.472, de 9.10.2013, n. 1301-001.302, de 9.10.2013, n. 1402-001.477, de 9.10.2013, n. 1402-001.252, de 7.11.2012, n. 1402-001.251, de 7.11.2012, n. 1402-001.341, de 5.3.2013, n. 1301-001.864, de 10.12.2015, n. 1201-001.809, de 25.7.2017, n. 1201-001.920, de 18.10.2017, n. 1401-002.347, de 10.4.2018, n. 1301-003.023, de 16.5.2018, n. 1302-003.229, de 21.11.2018, dentre outros.

[2] Importante destacar que, atualmente, essa diferença pode ser menor, tendo em vista as alíquotas progressivas aplicáveis sobre o ganho de capital (15%, 17,5%, 20% e 22,5%).

[3] "GANHO DE CAPITAL. REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA. REDUÇÃO DA TRIBUTAÇÃO. SIMULAÇÃO SUBJETIVA. INOPONÍVEL AO FISCOA transferência das participações societárias detidas pela pessoa jurídica aos seus sócios, por meio de reorganização societária consistindo em cisões do patrimônio, com o objetivo de reduzir a tributação sobre o ganho de capital decorrente das vendas daquelas participações por pessoas físicas, com aplicação da alíquota de 15% ao invés de 34%, constitui planejamento tributário inoponível ao Fisco, por meio da simulação subjetiva.REDUÇÃO DE CAPITAL. ENTREGA DE BENS E ATIVOS AOS SÓCIOS E ACIONISTAS. INEXISTÊNCIA DE NORMA INDUTORA.O artigo 22 da Lei nº 9.249/95 não é um dispositivo legal que autoriza o contribuinte alterar a realidade fática do negócio, por meio de redução de capital e transferência de ativos e bens, tão somente para permitir a tributação do ganho de capital na pessoa física do sócio, e não na pessoa jurídica.RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DE SÓCIOS -ADMINISTRADORES. PRÁTICA DAS INFRAÇÕES. ARTIGO 135 DO CTN. MANUTENÇÃO NO POLO PASSIVO.São responsáveis pelos créditos tributários lançados, com base no art. 135, III, do CTN, os sócios-administradores que comprovadamente atuaram na prática das infrações tributárias apuradas, visando a redução da carga tributária.TRIBUTOS PAGOS INCIDENTES SOBRE DE GANHO DE CAPITAL PESSOAS LIGADAS. DEDUÇÃO NA APURAÇÃO DO GANHO DE CAPITAL PESSOA JURÍDICA.Valores pagos a título de imposto de renda incidentes sobre o ganho de capital da venda das participações, seja da pessoa física sócio ou das retenções na fonte quando o adquirente situa-se no exterior, devem ser considerados na apuração do ganho de capital do imposto de renda pessoa jurídica lançado de ofício.MULTA DE OFÍCIO QUALIFICADA. SIMULAÇÃO SUBJETIVA.CABIMENTO.Cabe a qualificação da multa de ofício quando demonstrado a ocorrência da simulação subjetiva, já que o real propósito da reorganização societária foi transferir o sujeito passivo da obrigação tributária de pagar os tributos devidos sobre o ganho de capital na venda dos empreendimentos imobiliários da pessoa jurídica para seus sócios, para redução da carga tributária."

[4] Sobre o tema, vide: LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direto Tributário. Teoria Geral do Tributo. Barueri: Ed. Marcial Pons, 2007, p. 91.

 
Paulo Covielo Filho é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie