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Receita Federal do Brasil divulga Solução de Consulta Cosit acerca do regime tributário aplicável ao setor agropecuário estabelecido pela Lei n. 10925, de 23.7.2004 - Débora Regina March*

Artigo - Federal - 2019/3707

Em 4.10.2019, foi publicada a Solução de Consulta COSIT n. 277, de 26.9.2019. A consulta foi submetida à Receita Federal do Brasil por pessoa jurídica tributada pelo imposto de renda com base no lucro presumido e, portanto, sujeita também ao regime cumulativo da contribuição ao PIS e da COFINS.

A atividade declarada da referida pessoa jurídica, consoante relatório constante da Solução de Consulta objeto de análise, é a fabricação de amidos e féculas de produtos vegetais, não havendo qualquer desenvolvimento da atividade econômica de cultivo de terra.

As incertezas cujos esclarecimentos foram perseguidos por meio da aludida Solução de Consulta n. 277 defluíram da interpretação da Lei n. 10925, de 23 de julho de 2004, especialmente de seus artigos 8º e 9º, assim como da Instrução Normativa n. 660, que regulamentou a matéria.

Preliminarmente, é importante registrar os questionamentos submetidos à apreciação da Receita Federal do Brasil, que delinearam o caso concreto e, portanto, ditaram os limites ao exame efetuado pelas autoridades fiscais acerca das normas citadas.

"a) "Na venda dos produtos industrializados pela empresa, classificados na NCM 1108.1200 - amidos de mandioca; 1108.1400 - fécula de mandioca e polvilho, poderá ser aplicado a suspensão do PIS e da Cofins?

b) Se nossa empresa, incluir na atividade econômica o ramo de cultivo e produção da lavoura de mandioca e passarmos a utilizar esta matéria-prima na produção dos produtos citados anteriormente, poderá aplicar a suspensão do PIS e Cofins prevista na IN 660/2006?

c) Para aplicação da suspensão prevista na IN 660/2006, os produtos vendidos devem ser utilizados pelos adquirentes como insumo, declarados ao fabricante no momento da venda. Essa condição, se aplica a todos os contribuintes adquirentes, ou exclusivamente aqueles tributados pelo Lucro Real?

d) Nas vendas com suspensão do PIS e da Cofins deverá (sic) ser estornados todos os créditos dos insumos adquiridos para fabricar o produto?

e) Como no artigo 9º da Lei 10.925/2004 e no artigo 4º da IN 660/2006, determina que o adquirente deve ser optante pelo lucro real, para fins de aplicabilidade da suspensão do PIS e da Cofins, neste caso se o fabricante dos produtos do capítulo 11 da TIPI, estiver sujeito ao regime cumulativo (Lucro Presumido), também poderá aplicar a suspensão do PIS e da Cofins nas vendas dos referidos produtos?"".

Conforme adiantado, os questionamentos acima reproduzidos foram submetidos à Receita Federal do Brasil por pessoa jurídica tributada pelo imposto de renda com base no lucro presumido e, portanto, sujeita também ao regime cumulativo da contribuição ao PIS/COFINS.

Diante disso, a despeito de qualquer conclusão atinente à apuração da contribuição ao PIS/COFINS com fundamento na Lei n. 10925 naquele caso, alguns aspectos analisados pela COSIT merecem comentários.

De antemão, a Receita Federal do Brasil houve por bem esclarecer que as vendas dos produtos agropecuários expressamente relacionados no artigo 9º da Lei n. 10925 e, desde que atendidos os demais requisitos, devem ser realizadas com a suspensão da contribuição ao PIS/COFINS, e não sob o regime de alíquota zero.

Note-se que, diante do aparente conflito de normas que ocorre, por exemplo, entre o artigo 28, inciso III, da Lei n. 10865 e os artigos 8º e 9º da Lei n. 10925, uma vez que aquele determina a incidência da alíquota zero das contribuições sociais em foco sobre a receita dos produtos hortícolas e frutas, classificados nos Capítulos 7 e 8, e ovos, classificados na posição 04.07, todos da TIPI, enquanto que tais produtos estariam compreendidos também pelos artigos 8º e 9º, que disciplinam a suspensão da incidência de tais contribuições sociais, as observações contidas na Solução de Consulta COSIT n. 277 são pertinentes por esclarecerem que o segundo regime - funcionando como um microrregime - prevalece sobre o primeiro.

Vale registrar, a esse respeito, que a Instrução Normativa n. 660, responsável por regulamentar a matéria, elenca, notadamente em seu artigo 4º, os critérios que tornam os contribuintes elegíveis ou, ainda, obrigados à apuração da contribuição ao PIS/COFINS nos termos dos artigos 8º e 9º da Lei n. 10925.Passando à análise do caso concreto, a Receita Federal atestou que "a consulente, sendo pessoa jurídica optante pelo lucro presumido e sujeita à apuração cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, não atende aos requisitos exigidos das pessoas que exerçam atividade agroindustrial para adoção do microrregime ora analisado, ficando-lhe vedada, nessa condição, a aquisição de insumos agropecuários com suspensão das contribuições, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.925, de 2004, e a apuração do crédito presumido de que trata o art. 8º da mesma norma.".

A despeito da conclusão revelada alhures, de que a pessoa jurídica consulente não cumpre os requisitos indispensáveis ao enquadramento no regime disciplinado pela Lei n. 10925, a Solução de Consulta em questão abordou de forma breve os questionamentos por ela suscitados, manifestando-se a respeito de importantes aspectos da lei.

O primeiro aspecto diz respeito à suspensão das contribuições sociais sobre as vendas de insumos oriundos de atividade agropecuária. Consoante é possível inferir do inteiro teor da Solução de Consulta, somente gozam dessa norma desonerativa as vendas de insumos por pessoa jurídica que efetivamente exerça atividade agropecuária. Em outras palavras, não são contempladas as vendas de insumos por pessoas jurídicas que industrializam a sua produção.

Esse foi o entendimento manifestado pela COSIT em outra oportunidade, por meio da Solução de Consulta n. 105, de 8.7.2016, na qual restou consignado que "a suspensão das contribuições, nos termos dos arts. 2º, inciso IV, e 3º, inciso III e § 1º, II, da IN SRF nº 660, de 2006, aplica-se somente a aquisições feitas de pessoa jurídica que exerça atividade agropecuária, entendendo-se por atividade agropecuária a atividade econômica de cultivo da terra e/ou de criação de peixes, aves e outros animais, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.023, de 12 de abril de 1990.".

De fato, a Lei n. 8023, em seu artigo 2º, define o rol de atividades que compõe a "atividade rural", quais sejam: (i) "a agricultura"; (ii) "a pecuária"; (iii) "a extração e a exploração vegetal e animal"; (iv) "a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais"; e (v) "a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação.".

No caso, conforme adiantado, o contribuinte tem por atividade a fabricação de amidos e féculas de produtos vegetais, bem como esclareceu que não exerce a atividade de cultivo de terra, estando excluído, portanto, da esfera de incidência da legislação em questão.

Realmente, os benefícios conferidos pela Lei n. 10925 aos setores agroindustrial e agropecuário, cunhados com a finalidade de desonerar as atividades econômicas em questão, devem ser interpretados de forma conservadora. Isso porque podem afetar a arrecadação tributária do Estado, eis que consistem em vendas com suspensão da incidência da contribuição ao PIS/COFINS e na apuração de crédito presumido, nos termos daquela lei.

Outro argumento digno de nota diz respeito à vedação a que as pessoas jurídicas vendedoras, inclusive as cooperativas, submetidas ao regime de apuração não cumulativa da contribuição ao PIS/COFINS, aproveitem créditos vinculados à aquisição dos insumos utilizados nos produtos agropecuários vendidos com suspensão, impondo-se-lhe, por decorrência lógica, o estorno daqueles, quando houverem sido descontados.

Infere-se, da Solução de Consulta n. 277, que a COSIT não opinou pela impossibilidade de apuração de créditos fixada pela lei àqueles calculados sobre outras aquisições que não sejam insumos, restringindo seu posicionamento aos insumos, nos termos do artigo 3º, parágrafo 2º da Instrução Normativa n. 660.

É importante registrar, contudo, que o próprio questionamento efetuado pelo contribuinte consulente foi conduzido somente com relação aos créditos calculados sobre os dispêndios com insumos, não havendo qualquer argumentação relacionada a outras espécies de créditos (e.g. bens do ativo imobilizado).Registre-se, ademais, que a COSIT não fez qualquer ressalva no sentido de que as aquisições de insumos sujeitas ao pagamento das contribuições geram créditos de contribuição ao PIS/COFINS.

A despeito da amplitude do aludido artigo 8º, parágrafo 4º, inciso II, da Lei n. 10925, conforme se observa, a Receita Federal do Brasil limita a vedação ao crédito à aquisição de insumos.

Em outras palavras, a Receita Federal do Brasil demonstra que a vedação contida no citado artigo 8º, parágrafo 4º, da Lei n. 10925, não compreende, por exemplo, as aquisições de bens do ativo imobilizado.

A rigor, em que pese não haja qualquer ponderação a esse respeito na Solução de Consulta n. 277, mesmo em relação aos insumos a vedação legal não pode ser compreendida em sentido amplo, limitando-se às aquisições não sujeitas ao pagamento das contribuições.

É possível justificar a assertiva acima na medida em que a pessoa jurídica que exerce atividade agropecuária adquire insumos com suspensão, isto é, sem tributação de contribuição ao PIS/COFINS, nos termos do artigo 9º, inciso III, da Lei n. 10925, o que impede a apropriação de créditos no regime não cumulativo, nos termos do artigo 3º, parágrafo 2º, inciso II, das Leis n. 10637 e 10833. A despeito disso, a pessoa jurídica que exerce atividade agropecuária pode adquirir bens sujeitos à incidência da contribuição ao PIS/COFINS, tanto insumos - quando não efetuada venda com suspensão na forma do art. 9º, inciso III, da Lei n. 10925 -, como bens incorporados ao ativo imobilizado.

Nesse sentido, cite-se a Solução de Consulta COSIT n. 81, de 8.6.2016, que, ao tratar da interpretação dos artigos 8º, parágrafo 4º, inciso II, e 9º, inciso III, da Lei n. 10925, afirmou que: "d) no caso de aquisição de bens não sujeitos ao pagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, como no caso em que aplicável suspensão da incidência das contribuições, é vedada a apuração dos créditos da não cumulatividade das contribuições de que tratam o art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002, e o art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003". Embora a COSIT não o diga de modo expresso, a contrario sensu, nas hipóteses não sujeitas à suspensão, isto é, nas hipóteses sujeitas ao pagamento da contribuição ao PIS/COFINS, a rigor, há direito ao crédito.

Diante disso, embora a leitura isolada do artigo 8º, parágrafo 4º, inciso II, da Lei n. 10925 conduza ao entendimento de que todo e qualquer gasto vinculado à geração de receitas sujeitas à suspensão é impassível de apropriação de crédito, a partir da análise sistemática da legislação das contribuições sociais em questão, em especial no que atine à não cumulatividade, é possível compreender que há direito ao crédito sobre os bens e serviços adquiridos com incidência da contribuição ao PIS/COFINS.

 
Débora Regina March é advogada em São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.