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Julgamento do CARF sobre sociedade em conta de participação - Interessantes observações - Bruno Fajersztajn

No mês de março de 2014, mais precisamente no dia 14, a 2ª Turma Ordinária, da 3ª Câmara, da 2ª Seção do CARF, julgou interessante situação fática em que foi utilizada estrutura jurídica da sociedade em conta de participação ("SCP").

Como se sabe, "na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes" (01), sendo que o sócio ostensivo registra contabilmente as operações como se fossem suas (02), porém identificando-as para fins de partilha dos respectivos resultados. A sociedade, portanto, não possui personalidade jurídica e não aparece perante terceiros, valendo única e exclusivamente para os participantes.

Além do sócio ostensivo, a outra figura existente na SCP é a dos sócios participantes, antigamente denominados sócios ocultos, os quais não participam da gestão, mas, única e exclusivamente dos seus resultados.

Nesse espectro, o julgamento acima mencionado, o qual foi formalizado no acórdão n. 2302-003.091, analisou uma operação em que foi constituída uma SCP, tendo como sócio ostensivo um Hospital e como sócios participantes médicos, que são pessoas jurídicas de direito privado e/ou físicas, identificadas e qualificadas conforme discriminado nos Termos de Adesões, sendo que, "conforme contrato de constituição da Sociedade em Conta de Participação - SCP, o sócio ostensivo (...) fornece as instalações, estrutura de apoio administrativo e técnico, enquanto que os sócios participantes entram com os serviços profissionais nas diversas áreas da medicina a fim de atender os clientes (conveniados ou particulares), objetivando realizar o negócio do Hospital". A remuneração dos médicos se dava a título de distribuição de dividendos, ou seja, sem a incidência da contribuição previdenciária.

A fiscalização, ao se deparar com a organização acima, desconsiderou a referida SCP, alegando tratar-se, na verdade, de uma contratação de terceiros para prestação de serviços, de forma que as verbas auferidas pelos sócios teriam natureza jurídica de remuneração. Nesse contexto, a fiscalização classificou os médicos em destaque como segurados contribuintes individuais, pois verificou a inexistência de qualquer vínculo de caráter empregatício.

Diante desse cenário, o acórdão n. 2302-003.091, decidido por voto de qualidade, manteve a autuação fiscal, corroborando o entendimento da fiscalização, no sentido de que não se tratava de uma SCP efetivamente. O acórdão afastou a existência da SCP baseado, principalmente, nas seguintes razões:

- na SCP, quem atua perante terceiros é exclusivamente o sócio ostensivo, em nome individual e por sua responsabilidade, de modo que o sócio oculto apenas participa dos resultados econômicos, sendo vedada sua participação perante terceiros, como ocorre no caso;

- na SCP, o sócio oculto participa com investimento, nunca com esforços. Com esforços participa o sócio ostensivo, de forma que foi afastada expressamente a aplicação do art. 981 do Código Civil ("Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.") para a SCP; e

- no caso, verificou-se que os ganhos dos médicos eram proporcionais ao trabalho exercido (03), o que afastaria uma possível distribuição de dividendos, pois estaria caracterizada a total vinculação aos serviços exercidos.

Trata-se, pois, de um interessante julgado que, como se viu, acarretou controvérsia na referida Turma de julgamento, tendo sido decidido por meio de voto de qualidade. A situação, bastante peculiar, demonstra que as relações jurídicas empresariais existentes são infinitas, sendo que cada estrutura possui a sua peculiaridade e suas motivações para ter sido escolhida, devendo, por isso mesmo, serem analisadas respeitando a casuística aplicada para cada um.

O acórdão não especificou com riqueza de detalhes como funcionava a SCP em questão. Pela descrição dos fatos, constante do acórdão, os médicos realmente não atuavam como sócios ostensivos, o que dificulta a defesa da estrutura adotada. Uma vez descaracterizada a SCP, entendeu-se tratar de remuneração médicos, pela prestação de serviços profissionais ao hospital.

A decisão, contudo, não tratou de dois pontos, os quais poderiam levar a conclusão diferente, quais sejam: (i) uma vez superada a natureza de SCP, poder-se-ia considerar a existência de uma sociedade de fato, o que não afastaria a natureza de dividendo dos valores recebidos pelos médicos; e (ii) uma vez descaracterizada a estrutura, poder-se-ia considerar que os médicos prestavama serviços profissionais diretamente aos clientes do hospital, hipótese me que o hospital não seria o contribuinte dos tributos exigidos.

Finalmente, importa destacar que a referida desconsideração também poderia trazer efeitos relativos a outros tributos, como, por exemplo, o imposto de renda na fonte, tendo em vista que os valores pagos a título de distribuição de dividendos foram caracterizados como pagamentos pela prestação de serviços, mas que não se tem notícia de outras autuações relacionadas.

Notas

(01) Art. 991 do Código Civil.

(02) A referida contabilização segue as exigências normativas estabelecidas pelo art. 254 do Regulamento do Imposto sobre a Renda ("RIR/99"), aprovado pelo Decreto n. 3000, de 26.3.1999, e Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal ("SRF") n. 179, de 30.12.1987.

(03) Nas palavras do acórdão, a remuneração seguia a sistemática "TRABALHOU MUITO, GANHA MUITO; TRABALHOU POUCO, GANHA POUCO; NÃO TRABALHOU, NÃO GANHA."

 
Elaborado por:
Bruno Fajersztajn. Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.