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CARF reafirma natureza remuneratória de planos de Stock Options e desconsidera efeitos de cláusula lock up -
Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2019/3690

Foi divulgado recentemente o acórdão n. 2402-007.208, de 7.5.2019, por meio do qual a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção do CARF analisou a natureza dos planos de stock options, para fins de incidência de contribuições previdenciárias, previstas na Lei n. 8212, de 24.7.1991, tendo reconhecido a sua natureza remuneratória.

No mérito, não há novidades nesse entendimento, o qual já vem sendo adotado por aquele órgão sistematicamente, tendo inclusive sido consolidado pela 2ª Turma da CSRF quando do acórdão n. 9202-005.968, de 26.9.2017, o qual foi objeto de nosso comentário . Dessa forma, considerando que a questão relativa à natureza do plano de stock options já está consolidada naquela Corte, passa-se a analisar as peculiaridades fáticas desse caso, que merecem destaque. O intuito do presente comentário é continuar colaborando para o desenvolvimento do debate sobre o tema em questão, considerando todas as suas nuances.

- A inexistência de risco para o beneficiário

Seguindo a linha de outras decisões sobre o tema, o voto condutor destacou que o plano de stock options objeto de análise não resultava em qualquer risco ao beneficiário, o que afastaria a sua natureza mercantil, eis que é fator inerente dos contratos de opção a existência do risco para o contratante. Confira-se, nesse sentido, o seguinte trecho da decisão:

"É importante destacar, no entanto, que o caso concreto não trata de simples relação mercantil, como a empresa afirma, pois não há qualquer risco ao outorgado, já que, passado o investing (SIC) period, o beneficiário tem a possibilidade de somente exercer a opção se o valor de mercado da ação for superior ao preço de outorga por ele contratado, tendo o direito contratual, no presente, caso, de aguardar o momento que julgar mais adequado ao exercício de tal opção, de tal forma que não há qualquer risco de perda".

Primeiramente, deve-se contestar a afirmação contida no trecho acima transcrito, no sentido de que a ausência de risco estaria comprovada no fato de que o beneficiário somente exerce a opção quando o valor de mercado é superior ao preço de exercício. Ora, essa é a lógica de todo e qualquer contrato de opção. O contratante somente exerce a opção se o valor de mercado for superior ao preço de exercício. Nesse cenário, a ausência de risco supostamente estaria relacionada ao fato de não haver cobrança de prêmio no momento da concessão do direito de opção. Ou seja, esse direito é concedido de forma gratuita, o que, a princípio, poderia afastar o risco do beneficiário no momento do exercício. No caso em tela, segundo relato, não havia cobrança de prêmio no momento da outorga da opção.

Todavia, pode haver situações em que mesmo diante da ausência de pagamento de prêmio, ainda se verifique risco para o colaborador. É o caso, por exemplo, dos contratos que fixam um prazo mínimo em que o beneficiário deve manter em seu poder as ações adquiridas, após o exercício, não podendo vendê-las (cláusula de lock up). É possível que após a aquisição e durante o prazo de lock up o valor das ações varie e o colaborador tenha prejuízo. Esse aspecto será objeto de análise adiante.

Dessa forma, não se pode admitir que a ausência de pagamento de prêmio no momento da outorga da opção seja considerada como aspecto determinante para definição do tratamento tributário do contrato de stock options. Embora o pagamento do prêmio seja um elemento comum das opções, sua inexistência não justifica por si só a caracterização do plano como de natureza remuneratória, devendo ser avaliada em conjunto com outros elementos.

Outro aspecto destacado pela decisão foi o fato de que no plano sob análise a empresa concedia, no momento do exercício, um desconto no preço de exercício correspondente a 20% do valor de mercado da ação, o que também colaborava para inexistência de qualquer risco na operação.

A despeito de se poder concordar, em tese, com o raciocínio de que a inexistência de risco é um elemento para verificação da natureza do plano de stock options, tal constatação não é suficiente para atestar a natureza remuneratória do desconto oferecido pelo outorgante, como tem sido decidido majoritariamente pelo CARF. Há outros elementos que devem ser considerados nessa equação.

No caso em tela, deve-se ressaltar que, em quadro ilustrativo constante do voto vencedor, foi verificado que em determinados períodos o desconto concedido pela empresa aos beneficiários variou entre 98% e 99,9%, tendo os beneficiários pago preço vil pela aquisição das ações.

Nesse tipo de cenário, no qual o beneficiário na prática recebe as ações gratuitamente do outorgante, não se pode falar em aquisição de ações, razão pela qual as ações recebidas podem configurar, sim, remuneração do beneficiário, eis que inexiste o pagamento de preço pela aquisição da opção, ou seja, não se configura um negócio de natureza mercantil, de aquisição de ações, eis que inexiste onerosidade.

- A cláusula de lock up

Segundo relatório, parte das ações adquiridas pelos beneficiários estavam sujeitas a cláusulas de lock up, que são cláusulas que restringem o proprietário das ações à vende-las durante determinado período.

Esse aspecto foi considerado determinante pela decisão da 1ª instância administrativa, que cancelou parte da autuação. Nos dizeres da decisão da DRJ, "não integra a base de cálculo os valores apurados em decorrência do ganho decorrente da aquisição pelos trabalhadores de ações oferecidas pela empresa a preços inferiores aos praticados pelo mercado, quando tais ações não poderiam ser negociadas pelos trabalhadores naquele momento, por estarem sujeitas à cláusula lock up (restrição para venda imediata)."

A lógica que baseia esse raciocínio é de que a restrição da venda das ações, além de acarretar em risco ao beneficiário, que poderá auferir prejuízo com a oscilação do preço da ação entre o momento da aquisição e o final do período de lock up, também impede que o beneficiário realize o ganho relativo à diferença entre o valor de mercado e o preço de exercício no momento da aquisição da ação, o que impediria que esse valor fosse considerado base de cálculo da remuneração. De fato, chama atenção o fato de se considerar como remuneração uma diferença potencial e restrita, que o beneficiário não pode realizar no decorrer do período da cláusula que impede a venda do ativo.

A despeito disso, o acórdão ora comentado reformou o entendimento da 1ª instância administrativa, tendo consignado que "O fato gerador é remunerar a prestação do trabalho, o que foi feito com a entrega das ações, ainda que submetidas a um prazo de lock up, não se justificando a exclusão do lançamento relativamente ao crédito incidente sobre o valor da remuneração consubstanciada nas ações submetidas a lock up." Afirmou a decisão, ainda, que, "independentemente da existência da restrição à venda, a remuneração indireta paga já adentrou no patrimônio do trabalhador".

Ora, o entendimento acima deve ser avaliado com cautela. Com exceção das operações com preço vil, em que o beneficiário recebe, na prática, de forma gratuita as ações, como retribuição pelos serviços prestados, e, portanto, há efetiva remuneração pelo serviço prestado, ainda que haja a restrição para venda, nas situações em que o beneficiário adquire as ações com desconto, não existe qualquer acréscimo patrimonial, mas mera aquisição por preço supostamente inferior àquele que ele pode receber se vender no mercado.

Trata-se, portanto, de aquisição com desconto, sendo que esse desconto não pode ser considerado remuneração do beneficiário. Nessa ordem de ideias, a existência de cláusula lock up torna o ganho decorrente da diferença entre preço de exercício e valor de mercado ainda mais incerto, eis que ele somente poderá alienar os instrumentos patrimoniais após o decurso do prazo de lock up, de modo que se trata de mais um elemento que corrobora à conclusão de que esse desconto não pode servir como base de cálculo das contribuições sociais de natureza previdenciárias.

Em outras palavras, não haveria como considerar remuneração do beneficiário o desconto concedido na aquisição, porque ele é uma mera potencialidade, que depende de um outro ato, a alienação do instrumento patrimonial, para ser efetivamente concretizado. No futuro, quando da alienação das ações, há outro negócio jurídico, de modo que não existe remuneração pela prestação de serviço, o que impede que seja exigida contribuição previdenciária sobre essa parcela.

Nesse contexto é que a existência da cláusula lock up torna a incidência tributária ainda mais discutível, pois esse desconto potencial não pode ser aproveitado imediatamente pelo beneficiário, sendo que, no futuro, transcorrido o tempo de lock up, o valor de mercado da ação seja inferior ao valor pago pelo beneficiário no momento da aquisição, havendo inclusive prejuízo para o beneficiário na operação. Esses aspectos que evidenciam que o entendimento manifestado no acórdão em comento desconsidera não apenas a legislação em vigor, mas também a própria realidade dos fatos.

Como visto, apesar de haver certo consenso no âmbito do CARF, relativamente à natureza remuneratória dos descontos concedidos pelas empresas no âmbito de planos de stock options, consenso esse passível de contestação conforme já comentamos anteriormente, cada nova decisão divulgada apresenta novos aspectos de ordem fática que merecem atenção, sendo imprescindível que se persista na análise crítica da jurisprudência daquele órgão, sempre com o intuito de contribuir ao desenvolvimento do debate.

1 Vide: 2ª TURMA DA CSRF CONSOLIDA ENTENDIMENTO SOBRE A NATUREZA DOS PLANOS DE STOCK OPTIONS - ALGUMAS PONDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO E FUNDAMENTOS A SEREM DISCUTIDOS NO PODER JUDICIÁRIO (FAJERSZTAJN; Bruno; COVIELLO FILHO, Paulo). Disponível em https://www.marizadvogados.com.br/wp-content/uploads/2018/04/NComent-08-2018.pdf

 
Paulo Coviello Filho é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie*