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Receita Federal do Brasil (RFB) divulga Solução de Consulta sobre a incidência de contribuição previdenciária sobre prêmio por desempenho extraordinário - Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2019/3688

No dia 21.5.2019, foi divulgada a Solução de Consulta COSIT n. 151, de 14.5.2019, que trata da incidência das contribuições sociais de natureza previdenciária sobre o prêmio pago sobre desempenho extraordinário, o qual está previsto no art. 457, parágrafo 2º, da CLT, alterado pela Lei n. 13467, de 13.7.2017:

"Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

(...)

§ 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário."

Diante desse arcabouço normativo, a consulente apresentou três questionamentos, a saber:

"1) Se a nova legislação altera o entendimento da RFB acerca da incidência da contribuição previdenciária sobre valores pagos à título de prêmio;

2) Qual a definição de prêmio e abono para fins de aplicação do art. 28, parágrafo 9º, alínea z, da Lei n. 8.212/91?

3) Quais os critérios que definem se determinada verba paga sob a rubrica de "Prêmio" deve ou não ser considerada no salário contribuição."

A Solução de Consulta recebeu a seguinte ementa:

"Assunto: Contribuições Sociais Previdenciária

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA. PRÊMIO POR DESEMPENHO SUPERIOR. REFORMA TRABALHISTA.

A partir de 11 de novembro de 2017, não integra a base de cálculo, para fins de incidência das contribuições previdenciárias, o prêmio decorrente de liberalidade concedida pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.

No período compreendido entre 14 de novembro de 2017 e 22 de abril de 2018, o prêmio por desempenho superior, para ser excluído da base de cálculo das contribuições previdenciárias, não pode exceder ao limite máximo de dois pagamentos ao ano.

Os prêmios excluídos da incidência das contribuições previdenciárias: (1) são aqueles pagos, exclusivamente, a segurados empregados, de forma individual ou coletiva, não alcançando os valores pagos aos segurados contribuintes individuais; (2) não se restringem a valores em dinheiro, podendo ser pagos em forma de bens ou de serviços; (3) não poderão decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso, hipótese em que restaria descaracterizada a liberalidade do empregador; e (4) devem decorrer de desempenho superior ao ordinariamente esperado, de forma que o empregador deverá comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado.

Dispositivos Legais: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 62, § 11; Lei nº 13.467, de 2017, arts. 1º e 4º; Medida Provisória nº 808, de 2017, art. 1º; Lei nº 8.212, de 1991, arts. 22 e 28; Decreto-Lei nº 5.452, de 1943, art. 457, §§ 2º e 4º; e Instrução Normativa RFB nº 971, de 2009, arts. 52 e 58."

Em linhas gerais, a Solução de Consulta:

- afirma expressamente que não houve qualquer modificação de seu entendimento quanto aos ganhos eventuais, classificados como "o ganho eventual é aquele que independe da vontade do trabalhador e de seu desempenho, sendo concedido por liberalidade do empregador sem que haja qualquer expectativa por parte do empregado, o que não ocorre no caso do prêmio pago em razão de assiduidade";

- define que entre 14.11.2017 e 22.4.2018, período de vigência da Medida Provisória n. 808/2017, somente se consideram prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador, em no máximo duas vezes ao ano;

- impõe os seguintes requisitos para que a verba paga possa ser qualificada como prêmio por desempenho superior: "(1) ser paga individualmente a determinado empregado ou coletivamente a grupo de empregados; (2) ser paga em forma de bens, de serviços ou de valor em dinheiro; (3) constituir uma liberalidade concedida pelo empregador; e (4) ser paga em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício das atividades do empregado";

- especialmente sobre o requisito da liberalidade, a decisão afirma que "o prêmio por desempenho superior excluído da incidência das contribuições previdenciárias não poderá decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso. Significa dizer que há incidência de contribuições previdenciárias sobre o prêmio pago em decorrência de lei, contrato de trabalho, convenção coletiva, regulamento da empresa etc., tendo em vista que, nesses casos, não se caracteriza a liberalidade do empregador."

- reconhece que pode haver pagamento não eventual, em razão da expressão "ainda que habituais"; e

- afirma que "o empregador deverá comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado."

O principal ponto a ser chamada atenção diz respeito à manifestação do Fisco relativa à questão da liberalidade, quando a decisão afirma que somente constituem liberalidade os valores não previstos em lei, acordos e ajustes da empresa com os empregados. Considerando essa manifestação vincula o fisco, nos termos do art. 9º da Instrução Normativo n. 1396, de 16.9.2013, há risco de o fisco questionar planos amparados em regulamento ou planos divulgados aos colaboradores da empresa.

Quanto à questão da liberalidade, importa verificar o conceito de liberalidade adotado pelo legislador. Sobre esse tema, identificamos duas linhas de interpretação [1].

A primeira delas entende que liberalidade seria toda e qualquer vantagem concedida ao empregador pela empresa não exigida pela legislação, convenção ou acordo coletivo.

Outra interpretação do termo é no sentido de que liberalidade apenas representa aquilo que não é legal ou contratualmente estabelecido, é dizer, aquilo que não gera qualquer expectativa, nem prévio conhecimento, por parte do beneficiário. Nesse cenário, valores pagos no âmbito de programas de remuneração por atingimento de metas não se enquadrariam na referida disposição legal, eis que decorreriam de planos previamente estipulados entre as partes. Assim, apenas aqueles valores pagos de forma imprevisível, espontânea, pelo empregador é que se enquadrariam na disposição legal. Essa é a linha defendida pelo Fisco na Solução de Consulta objeto de comentários.

Importante destacar que essa segunda linha de interpretação está de acordo com o conceito de eventualidade consignado nos acórdãos n. 9202003.044, de 12.2.2014, e 9202-006.133, de 24.10.2017, segundo o qual apenas configura eventualidade aquilo que decorre de caso fortuito, não sendo possível qualificar dessa forma ganhos decorrentes de ajustes firmados entre as partes.

Muito embora não endossemos a posição da Câmara Superior quando busca conceituar "eventualidade", para nós, está correta a linha de pensamento de que liberalidade é aquele ato espontâneo, sem prévio ajuste entre as partes. Este é o significado da palavra liberalidade. Veja-se o que diz De Placido e Silva a respeito de liberalidade:

"LIBERALIDADE. Do latim liberalitas, na técnica jurídica significa toda disposição ou ato a título gratuito, tais como a doação, o legado ou quaisquer outras instituições que venham favorecer a outrem.

Caracteriza-se por ser ato espontâneo, de mera bondade ou magnanimidade, em virtude do qual a pessoa é favorecida ou beneficiada economicamente." [2]

No dicionário [3] encontramos definição no mesmo sentido:

"LIBERALIDADE 1 Qualidade ou condição de liberal (generoso, pródigo); disposição daquele que, em seus atos ou em suas intenções, dá o que não tem obrigação de dar e sem esperanças de receber nada em troca 2 p.ana. essa mesma disposição, atribuída a coisas (a l. do solo) 3 p. met. Donativo feito com liberalidade (somos gratos pelas l. com que nos tem ajudado nos momentos difíceis) 4 atitude daquele que, por suas ideias ou por seus atos, demonstra largueza de espírito 5 JUR toda disposição ou ato de caráter espontâneo e a título gratuito (doação, legado etc.) que venha a favorecer ou beneficiar economicamente outrem".

Veja-se que, em seu conceito léxico, liberalidade pressupõe um ato espontâneo de uma parte em favor da outra, o que difere da situação em que há um contrato previamente estabelecido entre as partes, estipulando determinadas obrigações. A partir daí, torna-se uma obrigação entre as partes que estipularam o referido contrato, afastando o conceito de liberalidade.

Essa linha também parece estar em consonância com o entendimento doutrinário acerca da integração do prêmio ao salário. Realmente, a doutrina tem manifestado-se no sentido de que se houver estipulação entre as partes, ou seja, houver acordo entre as partes envolvidas, o prêmio não poderá ser suprimido unilateralmente e integrará o salário, quando pago com habitualidade.

Sergio Pinto Martins afirma que o prêmio é "uma espécie de salário vinculado a uma certa condição. Havendo pagamento habitual, terá natureza salarial, integrando as demais verbas trabalhistas pela média. Se o pagamento é habitual e o empregado cumpre o implemento da condição, não poderá ser suprimido unilateralmente pelo empregados. Entretanto, se não for verificada a condição que dá ensejo ao pagamento, não será devido o prêmio."

Realmente, liberalidade, como ato de favor que é, conforme exposto acima, não se conforma a situações em que o pagamento esteja previsto, por exemplo, em acordo celebrado entre as partes. É que os contratos possuem força obrigatória ("pacta sunt servanda"), vinculando as partes a cumprir os termos da avença entre elas celebrada. Não se trata, como é possível ver, de ato de favor.

Assim, nos casos em que o prêmio é previsto em acordo entre as partes, gerando expectativa de direito ao beneficiário, afasta a natureza de prêmio pago por liberalidade e, consequentemente, atrai a incidência da contribuição previdenciária.

[1] As convenções e acordos coletivos possuem força de lei, nos termos do art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal.

[2] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1973, 3ª ed., Vol. III, p. 941.

[3] HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1752.

 
Paulo Coviello Filho, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie*