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A incidência de IRPF sobre stock option. CARF profere importantes decisões -
Paulo Coviello Filho*

Artigo - Federal - 2019/3678

A 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção do CARF proferiu, em 2018, duas importantes decisões a respeito da incidência do imposto sobre a renda da pessoa física (IRPF) em planos de stock options concedidos por pessoas jurídicas a executivos.

1. Acórdão n. 2301-005.752, de 8.11.2018

O processo no qual foi proferido o referido acórdão é resultado de auto de infração de IRPF lavrado contra pessoa física, em razão de suposta omissão de rendimentos recebidos de pessoa jurídica, "decorrentes do trabalho com vínculo empregatício". O relatório da decisão não possui muitos detalhes sobre a autuação propriamente dita, mas, pelo que se pode inferir da decisão, a fiscalização exigiu o IRPF sobre as ações adquiridas pela pessoa física no âmbito do programa de stock options concedido pelo seu empregador.

Ainda segundo se pode inferir da decisão, o referido plano previa a aquisição de ações da pessoa jurídica pelos beneficiários pelo valor de R$ 1,00, sendo que o valor de mercado à época do exercício, apurado a partir da cotação dos títulos na bolsa de valores, era R$ 11,92. A fiscalização considerou rendimento omitido justamente a diferença entre os valores em questão, ou seja, o valor de R$ 10,92 por ação adquirida pela pessoa física, sob a alegação de que se tratava de rendimento decorrente do trabalho.

Em resumo, o contribuinte alegou em sua defesa que o contrato de stock options teria natureza mercantil, não se enquadrando no conceito de remuneração. Ademais, afirmou que nesse caso a tributação ocorre no momento alienação das ações, sob a sistemática do ganho de capital. Alegou, ainda, que a fiscalização utilizou indevidamente as normas previstas na Instrução Normativa RFB n. 1022, de 5.4.2010, sobre a tributação dos ganhos líquidos na alienação de bens e direitos nas operações de mercado para determinar a base de cálculo do ganho (correspondente à diferença entre o valor de mercado da ação e o preço de exercício), eis que não houve qualquer alienação das ações quando do exercício das opções. O contribuinte também afirmou que a tributação em questão fere o conceito de renda e o regime de caixa, que norteia o IRPF, tendo em vista a inexistência de qualquer tipo de fluxo financeiro por parte da companhia.

Subsidiariamente, o contribuinte requereu que fosse autorizada a dedução do crédito tributário exigido no processo dos valores pagos a título de IRPF a maior no momento da apuração dos ganhos líquidos nas vendas das ações, em razão da adoção do custo de R$ 1,00 em vez do valor de R$ 11,92, que seria aplicável se correto o raciocínio da fiscalização.

O voto vencedor da decisão [1] consignou que o fato gerador do IRPF é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda, assim entendida como produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, ou de proventos, que seriam acréscimos patrimoniais que não são renda.

Adiante, afirmou que, no caso de stock options, o elemento temporal do gato gerador ocorre quando o sujeito passivo exercita o direito que lhe foi outorgado e adquire as ações, tendo em vista que, em suas palavras, "a partir de então, mesmo que, eventualmente, haja limitações para que as ações sejam negociadas, elas já integram o patrimônio do sujeito passivo, que passa a ter direito a dividendos, pode alugá-las, entram na sucessão, podem ser penhoradas e dadas em garantia; enfim, estão sujeitas a várias consequências da propriedade".

No que tange ao aspecto quantitativo do fato gerador, a decisão reputou como correto o entendimento da autuação, no sentido de que o rendimento auferido seria a diferença entre o valor de mercado das ações e o valor efetivamente pago no momento da aquisição.

Finalmente, a decisão reconheceu o direito do contribuinte em abater do valor exigido a título de IRPF nos autos o valor do imposto de renda sobre o ganho de capital pago a maior quando da alienação das ações, tendo em vista a adoção do custo de R$ 1,00, conforme acima.

Assim, a decisão deu parcial provimento ao recurso voluntário do contribuinte, tendo reconhecido a existência de acréscimo patrimonial no momento da aquisição das ações pelo contribuinte, mas admitindo a dedução do tributo pago a maior sobre o ganho de capital auferido. O acórdão recebeu a seguinte ementa:

"PLANO DE OPÇÃO DE COMPRA DE AÇÕES (STOCK OPTIONS). FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE A RENDA. ASPECTOS TEMPORAL E QUANTITATIVO DO FATO GERADOR.

Proventos são acréscimos patrimoniais não derivados da renda. Constitui provento a diferença positiva entre o valor de mercado da ação no dia do exercício da opção de compra e o valor pago pela opção. O fato gerador do imposto ocorre no momento em que a ação passa a acrescer o patrimônio do contribuinte e corresponde ao exercício da opção de compra."

2. Acórdão n. 2301-005.761, de 3.12.2018

Similarmente ao caso acima comentado, o processo no qual foi proferido o referido acórdão também é resultado de auto de infração de IRPF lavrado contra pessoa física, em razão de suposta omissão de rendimentos recebidos de pessoa jurídica, decorrentes da prestação de serviços por pessoa física. [2]

Segundo consta do relatório da decisão, o contribuinte em questão possuía remuneração fixa e variável pactuada com a pessoa jurídica. Posteriormente, houve a repactuação da remuneração, tendo as partes definido plano de stock options, no qual houve a outorga do direito de compra de 1.497.773 ações ordinárias pelo valor de R$ 9,80 (no momento do exercício foi pago o valor de R$ 11,06, tendo em vista a correção monetária prevista). O preço de mercado da ação, segundo consta do relatório, apurado com base na negociação do título na bolsa de valores, era de R$ 30,58.

A fiscalização concluiu que ao exercer a opção de compra das 1.497.773 ações ordinárias da empresa, o contribuinte recebeu determinado valor em contraprestação aos serviços prestados à empresa, tendo exigido o IRPF incidente sobre esses valores. Importante ressaltar que a fiscalização apurou o valor do rendimento a partir do valor justo dos instrumentos patrimoniais, conforme avaliação feita pela pessoa jurídica com base no método Black-Scholes, em conformidade com as disposições contidas no Pronunciamento Técnico CPC 10. Ou seja, diferentemente do caso analisado acima, a base de cálculo adotada neste processo foi o valor justo das opções registrado pela pessoa jurídica.

Em sua defesa, a empresa defendeu a natureza mercantil dos planos de stock options, conforme previsão contida no art. 168, parágrafo 3º, da 6404, de 15.12.1976. Destacou que o referido contrato prevê a aquisição de ações por parte do beneficiário, com dispêndios de recursos próprios, não se caracterizando como remuneração recebida.

Pontuou que não há qualquer incremento no patrimônio no momento do vesting ou mesmo quando exercida opção, sendo imprescindível que haja a efetiva alienação das ações para se verificar a existência de eventual ganho. Assim, defende que só haverá renda quando da efetiva venda no mercado à vista das ações adquiridas, caso a venda ocorra por valor superior ao valor da aquisição. Alega que o raciocínio da fiscalização implica desrespeito ao disposto na Instrução Normativa RFB n. 1022, de 5.4.2010, bem como ao conceito de renda e ao regime de caixa, de observância mandatória na tributação das pessoas físicas.

Alegou também que houve equívoco na apuração da base de cálculo do IRPF pela fiscalização, tendo em vista que foi considerado como base de cálculo o valor justo das ações, calculado conforme disposições do Pronunciamento Contábil CPC 10.

Finalmente, pugnou pelo aproveitamento dos valores recolhidos a título de imposto de renda sobre ganho de capital no momento da alienação das ações.

A decisão proferida determinou o cancelamento da autuação em razão do critério utilizado pela fiscalização para determinação da base de cálculo, qual seja, a avaliação a valor justo das opções outorgadas pela empresa. No entendimento da decisão, a base de cálculo seria a diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago pelo contribuinte para exercício das opções, conforme reconhecido pelo acórdão n. 2301-005.752 acima comentado. O acórdão n. 2301-005.761 recebeu a seguinte ementa:

"PLANO DE OPÇÃO DE COMPRA DE AÇÕES (STOCK OPTIONS).

Em sua concepção original o stock option é mera expectativa de direito do trabalhador (seja empregado, autônomo ou administrador), consistindo em um regime de opção de compra de ações por preço prefixado, concedida pela empresa aos contribuintes individuais ou mesmo empregados, garantindo-lhe a possibilidade de participação no crescimento do empreendimento (na medida que o sucesso da empresa implica, valorização das ações no mercado), não tendo inicialmente caráter salarial, sendo apenas um incentivo ao trabalhador após um período pré determinado ao longo do curso do contrato de trabalho.

Em ocorrendo o desvirtuamento do stock options em sua concepção inicial, qual seja, mera operação mercantil, seja, pela concessão de empréstimos, possibilidade de venda antecipada, troca de planos, correlação com o desempenho para manutenção de talentos, fica evidente a intenção de afastar (ou minimizar) o risco atribuído ao próprio negócio, caracterizando uma forma indireta de remuneração.

PLANO DE OPÇÃO DE COMPRA DE AÇÕES (STOCK OPTIONS). RENDIMENTO DO TRABALHO. FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE A RENDA.

O fato gerador em relação ao plano de Stock Options ocorre pelo ganho auferido pelo trabalhador (mesmo que na condição de salário utilidade), quando o mesmo exerce o direito em relação as ações que lhe foram outorgadas.

O fato gerador do imposto sobre a renda ocorre automática e instantaneamente no momento da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda, nele não interferindo qualquer atividade posterior do sujeito passivo ou ativo, ressalvadas as exceções legalmente expressas.

O valor relativo à outorga de Plano de Opção de Compra de Ações (stock options) a beneficiários eleitos pela Companhia integra os rendimentos tributáveis, pois é ofertado em função do trabalho em retribuição aos serviços prestados nas condições estipuladas pelo empregador.

As stock options configuram contrato suspensivo, na forma do art. 125 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), ocorrendo o acréscimo patrimonial relativo à outorga das opções de compra de ações no momento em que, findo o prazo de carência, o beneficiário exerce o direito à opção, adquirindo as ações pelo preço de exercício pré-estabelecido, inferior ao de mercado.

PLANO DE OPÇÃO DE COMPRA DE AÇÕES (STOCK OPTIONS). FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE A RENDA. ASPECTO QUANTITATIVO DO FATO GERADOR. CRITÉRIO DISTINTO ELEITO PELA AUTORIDADE AUTUANTE.

Proventos são acréscimos patrimoniais não derivados da renda. Constitui provento a diferença positiva entre o valor de mercado da ação no dia do exercício da opção de compra e o valor pago pela opção. Eleito critério distinto pela autoridade autuante, torna-se insubsistente a autuação."

Comentários

Deixadas de lado as peculiaridades fáticas dos casos em tela, as quais são afetas exclusivamente a esses processos, merece especial atenção o fato de ambas as decisões terem entendido que há acréscimo patrimonial da pessoa física que adquire ações com alguma vantagem (desconto) no bojo de plano de stock options, sendo que esse acréscimo é representado pela diferença entre o valor de mercado da ação e o preço de exercício pago pelo empregado.

Ocorre, no entanto, que esse entendimento está em desacordo com as normas que regem a apuração do imposto de renda.

Conforme já nos manifestamos em outra oportunidade [3], no momento do exercício do direito de opção o beneficiário adquire os ativos, pagando o respectivo preço, não havendo que se falar em percepção de renda ou provento de qualquer natureza. Realmente, nesse momento ocorre uma simples permutação em seu patrimônio, sem qualquer acréscimo, eis que há troca de dinheiro, no montante do preço pago para exercício, pelas ações recebidas.

Assim, não se pode admitir o raciocínio defendido nas decisões em questão, no sentido de que há acréscimo patrimonial do contribuinte nesse momento, representado pela diferença entre o valor de mercado da ação e o valor pago. Isto porque tal diferença é meramente potencial, tendo em vista que o valor de mercado da ação, por ser volátil, pode diminuir no dia subsequente ao da aquisição, sendo que a pessoa física pode inclusive auferir prejuízo na operação, caso o valor da ação reduza a montante inferior ao que foi pago no momento do exercício.

Consequentemente, apenas posteriormente, quando da efetiva alienação do bem, é que se verificará se houve, de fato, eventual ganho de capital, passível de tributação. Entender de forma diversa significa rejeitar aplicação ao princípio da realização, o qual está expresso no art. 43 do CTN, e é corolário da capacidade contributiva [4] [5].

Esses aspectos foram bem destacados pelo Conselheiro Alexandre Evaristo Pinto, no voto vencido proferido no acórdão n. 2301-005.752, de 8.11.2018. Após ressaltar que os planos de stock options possuem quatro fases (concessão da opção, possibilidade de exercício da opção, compra das ações e venda das ações), o Ilmo. Conselheiro afirmou que "o único momento passível de tributação seria o da fase de venda das ações, quando a pessoa física estaria sujeita à tributação do ganho de capital decorrente da venda das ações".

Reitere-se: tributar a diferença entre o valor de mercado da ação e o valor pago no momento do exercício da opção significa tributar ganho potencial, não realizado, incerto, ao arrepio do art. 43 do CTN, tendo em vista a inexistência de aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de qualquer acréscimo patrimonial.

Uma prova irrefutável de que o raciocínio defendido nas decisões contraria o princípio da realização está na constatação de que a diferença entre valor de mercado e valor pago no exercício não passa de um desconto, um deságio pago na aquisição do bem. O deságio também é conhecido na contabilidade como compra vantajosa, sendo que, até na perspectiva da pessoa jurídica, esse ganho somente é tributável na alienação ou baixa do bem.

Realmente, o parágrafo 6º do artigo 20 do Decreto-lei n. 1598, de 26.12.1977, alterado pela Lei n. 12973, de 13.5.2014, estabeleceu que os ganhos de compra vantajosa, registrados contabilmente como receita por ocasião de investimentos sujeitos ao método da equivalência patrimonial, somente são tributados por ocasião da alienação ou baixa do investimento. O mesmo vale para as avaliações a valor justo, que, embora registradas contabilmente como receita, são controladas em subcontas para somente ser tributados quando houver alienação ou baixa dos respectivos bens (Lei n. 12973, art. 13 e parágrafos) [6].

Ora, se até para as pessoas jurídicas tributadas em regra pelo regime de competência o ganho de compra vantajosa é diferido para o momento da realização, com muito mais razão deve ser no caso das pessoas físicas sujeitas ao regime de caixa. Seria absurdo pensar que o desconto é tributável nas pessoas físicas e não é nas pessoas jurídicas.

Para finalizar, cumpre resgatar a lição de Ricardo Mariz de Oliveira, em estudo sobre a compra vantajosa [7]:

"Por exemplo, quando se adquire um bem por valor inferior ao que ele efetivamente vale no mercado, a compra assim feita acrescenta um valor escondido (latente, não declarado nem contabilizado de acréscimo patrimonial, que se diz não realizado porque, para se torar efetivo, depende da realização de um novo negócio pelo qual aquele ganho potencial se tornará efetivo e realizado, isto é, o acréscimo patrimonial depende de uma venda por valor superior ao de aquisição.

Neste caso, o ganho de capital ocorrido e realizado nesta segunda operação já estava latente e potencial no patrimônio da pessoa desde o ato de compra do bem, mas dependia, primeiramente, de não haver uma reviravolta na sua cotação no mercado, e, em segundo lugar, da sua efetivação (concretização atual) pela venda a preço maior que o de compra, ocorrência está sujeita a vários fatores aleatórios, como, no mínimo, a não perda do bem, a negociação com este de um preço superior ao de compra, a conclusão satisfatória do negócio.

Assim, somente pela venda e pela aquisição da disponibilidade jurídica sobre o ganho, embutido no preço de venda, ocorre a realização da renda. E, antes disso, não há o que se tributar (...)".

Apesar de haver menções específicas ao negócio jurídico de permuta, as considerações são inteiramente aplicáveis ao plano de stock options, em que ocorre a aquisição, pelo beneficiário, de determinado bem por valor inferior ao valor de mercado. Eventual e potencial ganho somente ocorrerá se (i) houver a alienação do bem (ii) por valor superior ao valor de aquisição. Esses requisitos são imprescindíveis para que haja percepção de acréscimo patrimonial.

Finalmente, também importa rechaçar a alegação contida no acórdão n. 2301-005.761, relativa ao salário utilidade. Afirmou a decisão que "a remuneração não é representada apenas por pecúnia, mas qualquer ganho, mesmo na forma de utilidades, como o caso de aquisições de ações."Sérgio Pinto Martins [8] define salário utilidade da seguinte forma:

"Salário em utilidades

São empregadas as expressões salário-utilidade, salário in natura, salário em espécie ou salário indireto. O termo salário in natura nem sempre revela seu conteúdo, pois o empregador muitas vezes não paga o salário em coisas, mas em serviços.

O salário-utilidade irá decorrer do contrato ou do costume.

(...)

Se a utilidade não fosse fornecida, o empregado teria de comprá-la ou despender numerário próprio para adquiri-la, mostrando que se trata realmente de um pagamento ou um ganho para o obreiro, uma vantagem econômica."

Ou seja, o salário utilidade pressupõe o aproveitamento de uma vantagem que, se não fosse fornecida, teria que ser adquirida pelo beneficiário. Assim, ao receber a utilidade, há uma vantagem econômica do beneficiário. Nesses termos, salário utilidade é a concessão, pelo empregador, de determinado bem ou serviço que seja aproveitado pelo empregado. Exemplo clássico é a concessão de veículo para os colaboradores. Nesse tipo de situação a utilidade é efetivamente aproveitada pela pessoa física, que, no exemplo acima, utiliza o carro para sua locomoção.

Por outro lado, situação distinta ocorre quando há a aquisição de ação com desconto para o preço praticado em mercado, eis que, nesse caso, o empregado não percebe qualquer utilidade no referido desconto, que nada mais é que uma potencialidade.

O desconto verificado na aquisição por preço inferior ao valor praticado em mercado não tem qualquer serventia ao adquirente, pois se trata de uma potencialidade. Porém, o salário utilidade pressupõe, como o próprio nome diz, a utilização de determinada vantagem pela pessoa física, o que ocorre na concessão de veículo pela empresa.

E nem se diga que na aquisição com desconto há uma vantagem econômica, expressão utilizada por Sérgio Pinto Martins no trecho acima, o que comprovaria a existência de salário utilidade na operação. Como se vê, o autor se refere à vantagem econômica decorrente da utilização de determinado bem ou serviço que, se não fosse concedido pela empresa, deveria ser adquirido pelo beneficiário. No caso das ações adquiridas com desconto, o referido desconto não é aproveitado pelo beneficiário, até porque é uma mera expectativa, o que evidencia a inexistência de qualquer disponibilidade sobre esse valor.

A pedra de toque da situação está justamente na possibilidade de aproveitamento da utilidade. O desconto não é passível de aproveitamento pelo beneficiário, ao passo que o salário utilidade pressupõe utilização do benefício (carro, casa, serviços pessoais etc.). No caso das ações, contudo, eventual ganho depende de outro ato jurídico, que é a venda da ação, momento em que o potencial ganho poderá se materializar, caso a venda ocorra por valor superior ao valor de aquisição. Assim, não se pode admitir a tributação no momento da aquisição vantajosa, quando a pessoa física não tem disponibilidade sobre o ganho, que depende de uma troca de mercado para sua efetiva realização.

Em suma, portanto, apesar de parcial ou integralmente favorável aos contribuintes, as decisões em questão devem ser analisadas com cautela, tendo em vista que ambas consignaram conclusão equivocada no que tange à existência de acréscimo patrimonial da pessoa física no momento do exercício do direito de opção, quando ocorre a aquisição da ação por valor inferior ao valor de mercado.

[1] O voto vencido será objeto de comentário oportunamente.

[2] Não há informações sobre o vínculo empregatício do contribuinte com a pessoa jurídica. Essa informação, contudo, é irrelevante para o deslinde do presente comentário.

[3] FAJERSZTAJN, Bruno; MASAGÃO, Fernando Mariz; COVIELLO FILHO, Paulo. As Implicações Fiscais dos Planos de Outorga de Opções de Ações (Stock Options). Um panorama geral. In: Estudos de Direito Tributário - 40 anos de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados. São Paulo, 2018, p. 135-188.

[4] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva. 1994. p. 11-13.

[5] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 73-75.

[6] FAJERSZTAJN, Bruno; MASAGÃO, Fernando Mariz; COVIELLO FILHO, Paulo. "As Implicações Fiscais dos Planos de Outorga de Opções de Ações (Stock Options). Um panorama geral." In: Estudos de Direito Tributário - 40 anos de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados. São Paulo, 2018, p. 135-188.
[7] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 374.

[8] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 34ª Edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 388.

 
Paulo Coviello Filho, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie*